O paradigma brasileiro de genocídio

AutorCarlos Frederico Santos
Ocupação do AutorÉ Subprocurador Geral da República, com atuação na área criminal no Superior Tribunal de Justiça e Conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal
Páginas135-154
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O PARADIGMA
BRASILEIRO DE GENOCÍDIO
Foi a denúncia submetida à Justiça Federal da Seção Judiciária
do Amazonas em 16 de dezembro de 1991, imputando aos agentes
da conduta o crime de genocídio, tendo como elemento motiva-
dor a “disputa sobre direitos indígenas”.
O genocídio estava evidente, pois as circunstâncias peculia-
res que desenharam a execução do crime não deixavam dúvidas
quanto à intenção de destruir parte de grupo nacional e étnico,
aproveitando-se de um oportunismo sem par, a reunião de índios
de uma mesma etnia e de quatro comunidades diferentes, pro-
movida fora das suas terras, em uma área não declarada como
indígena – embora aspirassem se tornar indígena –, oferecendo a
oportunidade adequada para aqueles que, por motivos sombrios,
quisessem ceifar a vida de quantos pudessem, imbuídos por dissa-
bores e outros sentimentos vis.
Por outro lado, estava claro que a “disputa sobre direitos indí-
genas” encontrava sua ligação no fato de a etnia Tikuna ser deten-
tora do usufruto de área tradicionalmente por ela ocupada e habi-
tada em caráter permanente, assim reconhecida em um processo
demarcatório, embaraçando interesses ilegítimos e não acoberta-
dos pelo direito de pessoas interessadas na região.
Transparecia que, nalmente, estavam superadas as dúvidas
atinentes à competência da Justiça Federal, atribuída pelo Cons-
tituinte originário no novel ordenamento constitucional, não só
em razão da “disputa sobre direitos indígenas”, mas também pelo
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fato de o crime imputado estar previsto em tratado internacional,
e que o recebimento da denúncia viria a corrigir denitivamente a
situação processual distorcida.
Porém, havia o precedente do Tribunal Federal de Recursos,
extinto pelo novo ordenamento constitucional, mas que ainda
ecoava, bem como havia a decisão do Superior Tribunal de Justiça
que não conheceu do conito anteriormente arguido pela Pro-
curadoria Geral da República em Brasília, através da então Co-
ordenadoria de Defesa dos Direitos e Interesses das Populações
Indígenas do Ministério Público Federal, e esses julgados surtiram
forte inuência no juízo do feito, da Justiça Federal da Seção Ju-
diciária do Amazonas, que entendia não haver qualquer dúvida
quanto à incompetência da Justiça Federal, uma vez que a matéria
se encontrava decidida.
Em 29 de maio de 1992, foi rejeitada a denúncia ao argumento
de que a nova roupagem da conduta criminosa dada ao massacre
da “Boca do Capacete” não tinha o condão de conferir compe-
tência à Justiça Federal, cujo crime, decorrente daquela condu-
ta, já estava sendo processado pelo juízo competente, no caso, o
Tribunal do Júri da Comarca de Benjamin Constant, aduzindo
que a inovação consistente no crime de genocídio só poderia ser
apresentada mediante aditamento à denúncia ofertada no proces-
so original, sob pena de bis in idem, não passando a pretensão de-
duzida de mera tentativa de levar o crime para a jurisdição federal,
cujas iniciativas anteriores restaram frustradas.
Em 10 de julho de 1992, a Procuradoria da República no Ama-
zonas ingressou com recurso em sentido estrito1 junto ao Tribunal
Regional Federal da 1ª. Região, impugnando a decisão de rejeição
da denúncia.
Manifestou que sua pretensão não era avocar jurisdição, mas
resguardar o que é de direito a m de evitar futura arguição de
1 BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). Recurso em Sentido Es-
trito nº 92.01.18664-9/AM, de 14 dez 1992b. Relatora: Desembargadora
Federal Eliana Calmon. Disponível em: <http://processual.trf1.jus.br/con-
sultaProcessual/processo.php>. Acesso em: 13 out. 2016.
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