A família e o direito de personalidade: a cláusula geral de tutela na promoção da autonomia e da vida privada

AutorJoyceane Bezerra de Menezes
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceara?. Pós-doutorado em 'Novas Tecnologias e Direito' na Mediterranea Internacional Centre for Human Rights Research (MICHR), Departamento de Direito, Economia e Humanidades - Universidade Reggio Calabria (Itália).
Páginas39-64
A FAMÍLIA E O DIREITO DE PERSONALIDADE:
A CLÁUSULA GERAL DE TUTELA NA PROMOÇÃO
DA AUTONOMIA E DA VIDA PRIVADA
Joyceane Bezerra de Menezes
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Ceará. Pós-doutorado em “Novas Tecnologias e Direito”
na Mediterranea Internacional Centre for Human Rights Research (MICHR), Departa-
mento de Direito, Economia e Humanidades – Universidade Reggio Calabria (Itália).
Professora Titular da Universidade de Fortaleza – Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Direito (Mestrado/Doutorado) da Universidade de Fortaleza, na Disciplina de
Direitos de Personalidade. Professora associado IV, da Universidade Federal do Ceará.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPQ: Direito civil na legalidade constitucional.
Fortaleza, Ceará, Brasil. Editora da Pensar, Revista de Ciências Jurídicas – Universidade
de Fortaleza. Advogada. E-mail: joyceane@unifor.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. A emergência da cláusula geral de tutela da pessoa no direito civil-
-constitucional e a sua inuência no plano da família – 3. A família democrática e a promoção do
desenvolvimento da pessoa dos seus membros – 4. A vida privada em família e a vida privada indi-
vidual na família – 4.1 A vida privada e intimidade do cônjuge/companheiro – 4.2 A vida privada e
a intimidade do lho criança/adolescente – 5. Conclusão – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No início do século XXI, a família brasileira apresenta uma nova feição: plural,
democrática e instrumental, marcada pelo perf‌il funcional de promover o desenvol-
vimento de seus integrantes. O curso da história fez desvanecer aquela organização
essencialmente institucional, hierárquica e f‌irmada na autoridade do patriarca, ao
tempo em que também permitiu a jurisdicização de novos modelos de família. Sob
a qualif‌icação de um direito humano e fundamental, a autonomia para “constituir
família” promoveu maior abertura à instituição que assume singular importância
na ordem civil-constitucional.
Diz-se que a família foi privatizada e com isso perdeu a força institucional, en-
quanto ordem matrimonializada. Em razão do princípio da solidariedade, parte de
suas funções foram atribuídas a outras entidades intermediárias ou mesmo ao Estado
pois já não se conf‌ia apenas à família a tarefa de cuidar da educação das crianças, da
segurança dos idosos ou da saúde das pessoas com def‌iciência mais grave, por exem-
plo. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o Estatuto do Idoso, a
Lei Brasileira de Inclusão e a Lei da Reforma Psiquiátrica dividem esse ônus entre a
família, a sociedade e o Estado.
Sem a pretensão de inscrever um rol taxativo, a Constituição Federal, no art.
226, fez menção ao casamento, à união estável e à família parental, permitindo que, ao
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longo dos anos, a doutrina e jurisprudência acolhessem os novos modelos emergentes
da vida social. Além da tradicional família anaparental, das uniões e do casamento
entre pessoas do mesmo sexo, reconheceram os novas conf‌igurações intrafamiliares,
pela remodelação das relações entre os cônjuges/companheiros, da autoridade pa-
rental e dos critérios de f‌iliação. A socioafetividade se impôs em igual hierarquia ao
critério biológico, permitindo admitir-se, inclusive, a multiparentalidade. Famílias
compostas, recompostas, multiespécie e até mesmo a família unipessoal alcançam
a proteção do direito, inclusive, quanto a quanto à impenhorabilidade legal de bens
prevista na Lei 8.009/90.
Tudo isso resulta da edif‌icação de uma ordem constitucional democrática,
permeada por valores humanitários que irradiaram efeitos para o direito privado,
enaltecendo as situações subjetivas existenciais em superposição às situações subje-
tivas patrimoniais. Nesse processo, o abstrato sujeito de direito que tinha assento nos
códigos oitocentistas cedeu lugar à pessoa concretamente situada, titular do direito
ao desenvolvimento, com o direito de subscrever a sua própria biograf‌ia, inclusive,
para modelar o seu arranjo familiar.
Cumprindo seu papel de instituição intermediária, a família é redimensionada
para promover o valor personalidade,1 sendo correto af‌irmar que as mudanças so-
ciais operadas nos últimos anos, associadas à emergência dos direitos fundamentais,
cunharam a chamada família democrática, cuja energia constitutiva é a vontade; a
substância caracterizadora é a afetividade; e o perf‌il funcional é a promoção da pessoa
de seus integrantes.2 Na estrutura organizacional dessa “nova” família observa-se a
relação paritária entre os cônjuges ou conviventes, a funcionalização da autorida-
de parental (poder familiar) na promoção da pessoa dos f‌ilhos e a pluralidade dos
modelos de conjugalidade/convivencialidade. Anelados no propósito comum de
cuidado e corresponsabilidade, os integrantes do núcleo familiar não são privados
de vida privada individual.
Sob essa perspectiva, o presente capítulo se presta a apresentar os atributos
característicos da família contemporânea, destacando alguns marcos jurídicos que
orientam a sua caminhada na promoção da pessoa.
2. A EMERGÊNCIA DA CLÁUSULA GERAL DE TUTELA DA PESSOA NO
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL E A SUA INFLUÊNCIA NO PLANO DA
FAMÍLIA
As modif‌icações introduzidas no âmbito do Direito Privado ocorreram, especial-
mente, após as duas grandes guerras mundiais, quando se deu verdadeira reengenharia
na disciplina das atividades econômicas, da autonomia negocial e da responsabilidade
1. PROST, Antony. Fronteiras e espaços do privado. História da vida privada: da Primeira Guerra a nossos dias.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 61.
2. GIDDENS, Anthony. Terceira via: ref‌lexões sobre o impasse atual e o futuro da social-democracia. Trad.
Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 100.

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