A função consultiva da Corte Internacional de Justiça e a noção de controvérsia: a opinião sobre o Arquipélago de Chagos
Autor | Lucas Carlos Lima |
Ocupação do Autor | Professor adjunto de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Direito Internacional pela Università degli Studi di Macerata. Coordenador do Grupo de Pesquisas em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG. |
Páginas | 397-428 |
A função consultiva da
Corte Internacional de Justiça
e a noção de controvérsia:
a opinião sobre o Arquipélago de Chagos
Lucas Carlos Lima1
Introdução
Em 1997 Sir Robert Jennings, o antigo presidente da Corte Interna-
cional de Justiça (‘CIJ’ ou ‘Corte’) escrevia que “certamente juízes devem
fazer justiça, mas justiça é precisamente a imparcial aplicação do direito”.2
A frase de Jennings de certa forma expressa uma visão mais cautelosa
da atividade do juiz, sobretudo do juiz internacional: sua função não é
a realização da justiça a qualquer custo, mas a administração do direito
tal como está posto. Para os críticos da Corte da Haia, essa visão cautelo-
sa sempre prevaleceu na jurisprudência do principal órgão judiciário da
Organização das Nações Unidas (‘ONU’). Na recente opinião consultiva
emitida pela CIJ em fevereiro de 2019 em sobre as Consequências jurídicas
1 Professor adjunto de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Doutor em Direito Internacional pela Università degli Studi di
Macerata. Coordenador do Grupo de Pesquisas em Cortes e Tribunais Interna-
cionais CNPq/UFMG.
2 JENNINGS, 1997, p. 36. Do original: “Certainly the judges are to do justice; but
justice is precisely the impartial administration of the law”.
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Arno Dal Ri Júnior e Lucas Carlos Lima
da Separação do Arquipélago de Chagos de Maurício em 19653 (doravante
‘Chagos’ ou ‘Arquipélago de Chagos’) parece poder-se questionar se a cau-
tela que caracterizava a Corte se fez igualmente presente.
A opinião consultiva requerida pela Assembleia Geral da Organi-
zação das Nações Unidas à Corte Internacional de Justiça em relação à
situação do arquipélago de Chagos insere-se no rol de emblemáticas si-
tuações trazidas à barra da Corte da Haia por ser uma das remanescentes
questões abertas relativa ao processo de descolonização.4 A opinião foi
solicitada pela Assembleia Geral numa votação de 94 votos favoráveis a 15
votos contrários – uma reputada derrota para o Reino Unido5, o Estado
que hoje controla o arquipélago. A segunda derrota para o Reino Unido
ocorreu quando da sentença em que, por treze votos a um, a CIJ enten-
deu que o Estado não realizara a descolonização do território de maneira
lídima e, portanto, deveria terminar sua administração do arquip élago de
Chagos.6 Nos termos bastante diretos da Corte, “o Reino Unido possui a
3 CIJ, Legal consequences of the separation of the Chagos Archipelago from Mauritius
in 1965, Advisory Opinion of 25 January 2019.
4 S obre a questão, ver GRANT, omas D. Regulating the Creation of States from
Decolonization to Secession. Journal of Internat ional L aw and International Re-
lations, vol. 5, a. 2, 2009, pp. 11-58.. Para uma visão crítica, serve o clássico
ANGHIE, Antony. Imperialism, sovereignty and the making of international law.
Cambridge: Cambridge University Press, 2005 e o recente ESLAVA, Luis; FAKH-
RI, Michael; NESIAH, Vasuki. Bandung, Global History and International Law.
Cambridge: Cambridge University Press, 2017. Em especial, ver TRINIDAD, Ja-
mie. Self-determination in disputed colonial territories. Cambridge: CUP, 2018.
Para uma visão do princípio no interior de uma visão humanizada do direito
internacional, ver CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. International Law
for Humankind - Towards a New Jus Gentium. Leiden, Nijho, 2013, pp. 1-726.
5 Ver, por exemplo, a matéria “EU members abstain as Britain defeated in UN vote
on Chagos Islands” do e Guardian https://www.theguardian.com/world/2017/
jun/22/un-vote-backing-chagos-islands-a-blow-for-uk.
6 CIJ, 2019, p. 44.
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