Governamentalidade, qualidade da democracia e exercício de governo

AutorSálvio Dino Junior
Ocupação do AutorAdvogado. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa
Páginas61-90
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Capítulo 2
GOVERNAMENTALIDADE, QUALIDADE
DA DEMOCRACIA E EXERCÍCIO DE GOVERNO
Em tempos antigos, cabia ao homem a aptidão inata de
conviver em comunidade com o dever de assegurar, exclusiva-
mente, a subsistência grupal ou individual, donde se verifica o
espaço privilegiado da família como esfera privada no cumpri-
mento de tal mister (FERRAZ JUNIOR, 2007, p.422).
No espaço público, por sua vez, o homem se reunia para
as deliberações comuns e para o agir em conjunto. A partir dos
contratualistas, notadamente Hobbes, o que se verifica é uma
mudança de perspectiva, na medida em que o Estado passa a
ser responsável pela subsistência, pela ordem pública e pela
segurança dos súditos, autoconferindo uma responsabilidade
que, na idade antiga, competia ao poder familiar (FERRAZ
JUNIOR, 2007, p.422).
Foucault (1979, p. 287-288) pontua que a ocorrência
de processos gerais como a expansão demográfica do século
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Responsabilidade Política e Destituição de Governos na Democracia Sálvio Dino Junior
XVII, a existência de abundância monetária e o aumento da
produção agrícola permitiu o desbloqueio da arte de governar
a partir do advento de questões próprias de uma dimensão
populacional.
Surge, assim, o que Ferraz Junior (2007, p.422) classifica
como “um novo contorno do poder político: o Estado como um
todo responsável pela sobrevivência. Como os indivíduos que
compõem a comunidade, pelos próprios afazeres, não podem ter
esse cuidado, então ocorre essa delegação ao ‘homem artificial’.
Essa conformação acima referida – que caracteriza o Es-
tado Moderno – nasce de uma nova compreensão do poder po-
lítico, sendo a primeira na perspectiva jurídica, de elaboração e
observância estrita da legalidade emanada do Estado, e a outra
derivada de uma visão econômica com fulcro na ideia de gestão
da coisa pública por meio de um governo preocupado com a arte
de bem governar (FERRAZ JUNIOR, 2007, p.422-423).
Com efeito, diz Foucault (1979, p.287-288) que parece
absolutamente fundamental a transfiguração da família como
padrão para um nível de instrumentalização, o que se dá a par-
tir da metade do século XVIII em face do crescimento da po-
pulação e da quantificação de seus fenómenos singulares pelo
uso da estatística.
Tem-se, assim, a defesa da saúde e da sorte da população
como objetivo final do governo, sendo realizado por meio de
campanhas e técnicas governamentais. Segundo Foucault,
[...] a população aparece como sujeito de necessidades,
de aspirações, mas também como objeto nas mãos do
governo; como consciente, frente ao governo, daquilo
que ela quer e inconsciente em relação àquilo que se
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