Poder político e legitimidade dos governos no estado de direito democrático

AutorSálvio Dino Junior
Ocupação do AutorAdvogado. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa
Páginas9-59
9
Capítulo 1
PODER POLÍTICO E LEGITIMIDADE
DOS GOVERNOS NO ESTADO DE DIREITO
DEMOCRÁTICO
1.1 EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO E LEGITIMIDADE
1.1.1 Poder político
Loewenstein (1976, p.23-25) anota que, na vida do ho-
mem, há três estímulos fundamentais que dominam e regem
a totalidade das relações em sociedade: o amor, a fé e o po-
der. Nessa quadra, destaca o citado autor, tem-se que a política
não é senão a luta pelo poder no campo social, num processo
marcadamente relacional. O poder político, assim, não pode
ser definido em sua substância ou essência, mas só pode ser
conhecido, observado e explicado no que concerne a suas ma-
nifestações e resultados.
Como processo relacional travado em sociedade, o po-
der político se ancora numa tênue linha entre as condições de
legitimação da autoridade e o uso da ameaça ou da violência
como possibilidade autorizada (BOBBIO, 1995, p.941).
responsabilidade política.indd 9 08/08/2022 15:54:46
10
Responsabilidade Política e Destituição de Governos na Democracia Sálvio Dino Junior
Bobbio (2000, p.162-164), descrevendo a tipologia mo-
derna das formas de poder, utiliza como traço distintivo os me-
canismos à disposição do sujeito ativo para influenciar as ações
do sujeito passivo na relação de poder. Por essa senda, após
falar do poder econômico (domínio sobre os bens) e do poder
ideológico (domínio sobre as ideias), sublinha o aspecto da co-
ercibilidade ao tratar da importância da posse de instrumentos
para exercício da força física sobre as pessoas no controle do
poder político. Importa realçar que não se restringe o poder
político ao uso da força, mas se trata do caráter de exclusivida-
de do uso da força em face da intervenção de quaisquer outros
grupos sociais, havendo o monopólio da posse e do uso dos
meios de exercício da coação física em torno da formação his-
tórica do Estado (BOBBIO, 2000, p.164).
O pensador italiano identifica, então, algumas caracte-
rísticas intrínsecas ao poder político na tipologia moderna, a
saber: exclusividade, universalidade e inclusividade (BOBBIO,
2000, p.166). Pelo primeiro, entende que se refere a vedação
imposta à formação de aparelhos paramilitares em face do
domínio estatal. Pelo segundo, a capacidade para a tomada de
decisões e a formação de escolhas legítimas pelos detentores
do poder político aplicáveis a toda a comunidade quanto à
distribuição e destinação dos recursos públicos. E, por fim,
quanto à inclusividade, entende que se refere à intervenção
mediante o uso da ordem jurídica para dirigir as atividades
das pessoas para fins desejados ou para afastá-las de fins não
desejados.
Herrera (2014, p.52) dispõe que Bobbio assume, nes-
sa trilha, um olhar weberiano ao definir poder político como
poder coativo centrado nos instrumentos – legitimamente
responsabilidade política.indd 10 08/08/2022 15:54:46
11
Poder Político e Legitimidade dos Governos no Estado de Direito Democrático
Capítulo 1
autorizados – para uso da força, distinguindo, assim, poder e
força. Herrera (2014, p.52) pontua ainda que, segundo Bob-
bio, “o uso da força é a condição necessária e suficiente para a
existência do poder político, ou melhor, é a exclusividade (le-
gítima) desse uso que o caracteriza”. Assim, a política aparece
como fruto da organização do poder coativo, enquanto a força
consiste no uso da própria violência física.
Inexiste, por outro viés, um fim específico da política,
assim como soa descabido falar num fim que seja para sem-
pre estabelecido. A distanciar-se do juízo teleológico da po-
lítica, Bobbio (2000, p.167) sublinha que “os fins da política
são tantos quantas forem as metas a que um grupo organizado
se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias”. Admite o
pensador, contudo, a afirmação de ao menos um fim mínimo
da política, que consiste na preservação da ordem pública no
interior dos Estados nacionais e na defesa da soberania e da
independência do Estado no plano das relações internacionais,
uma vez que se trata de conditio sine qua non para a realização
de todos os outros fins dinâmicos da política.
Na busca pela efetivação de múltiplas possibilidades
finalísticas do poder em sociedade, oportuno destacar a vi-
são de Schmitt (2016) em torno da política como relação de
amigo-inimigo.
Com efeito, afirma Schmitt (2016, p.49-50) que o políti-
co tem seus critérios próprios de análise e identificação, que se
distinguem de outras categorias do pensar e do agir humanos,
como o moral (bom e mau), o estético (belo e feio) e o econô-
mico (rentável e não rentável). O político, por sua vez, assume
diferenciação pela dicotomia no processo relacional entre ami-
go e inimigo.
responsabilidade política.indd 11 08/08/2022 15:54:46

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT