Responsabilidade política e destituição de governos em Portugal e no Brasil

AutorSálvio Dino Junior
Ocupação do AutorAdvogado. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa
Páginas91-141
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Capítulo 3
RESPONSABILIDADE POLÍTICA
E DESTITUIÇÃO DE GOVERNOS
EM PORTUGAL E NO BRASIL
3.1 A RESPONSABILIDADE DOS GOVERNOS
E A POSSIBILIDADE DE DESTITUIÇÃO POR PERDA
DE LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
Como referido alhures, uma perspectiva importante da
ideia de democracia gira em torno da possibilidade de impe-
dir que maus governantes ou governantes ineficazes causem o
maior prejuízo possível ao povo.
Para Lomba (2008, p.31), democracia e responsabilidade
são termos que exigem reciprocidade entre si como condição
de existência de um e de outro, impedindo a formação de go-
vernos abusivos, ditatoriais e perpétuos, de modo que o povo
permanece a ser o titular do poder e a conservar a prerrogativa
de vigiar e remover os governantes.
Desse modo, adquire maior significância o debate vol-
tado à destituição dos governos por perda de legitimidade no
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Responsabilidade Política e Destituição de Governos na Democracia Sálvio Dino Junior
exercício do mandato, por meio de medidas institucionais de
responsabilização pelo resultado ou pelo desempenho que va-
riam conforme as experiências constitucionais e os respectivos
sistemas de governo (LOMBA, 2008, p.32).
A questão causa inquietude em face da constatação de que
no Brasil inexiste qualquer possibilidade de destituição dos che-
fes do poder executivo, em âmbito municipal, estadual e federal,
mediante instrumentos de responsabilização estritamente polí-
tica decorrentes do desempenho governamental, limitando-se a
hipóteses de apuração de crimes de responsabilidade – de cará-
ter político-jurídico – ou à investigação eminentemente judicial
no contexto da prática de algum ilícito penal ou civil.
Por essa senda, um governo mau, ineficiente, fraco e
com elevado grau de insatisfação dos destinatários do poder
somente pode ser destituído no momento eleitoral subsequen-
te, oportunizando-se aos eleitores o direito de não reeleger os
respectivos titulares governamentais.
Frise-se que, conforme a Constituição brasileira, o man-
dato governamental em todas as esferas da federação é de
quatro anos, não sendo possível qualquer julgamento de de-
sempenho nesse intervalo seja pelo parlamento, seja direta-
mente pelo povo1.
1 Art.28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para
mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro,
em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno,
se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores,
e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado,
quanto ao mais, o disposto no art.77.
Art.29. [...] I – eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para
mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em
todo o País;
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Responsabilidade Política e Destituição de Governos em Portugal e no Brasil
Capítulo 3
Tal situação, irremediavelmente, causa desgastes incomen-
suráveis de governabilidade e, sobretudo, potencializa e prolon-
ga no tempo o sofrimento do povo mais empobrecido dado o
desacerto dos comandos constitucionais de promoção da digni-
dade da pessoa humana, de construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, de erradicação da pobreza e da marginalização
e de redução das desigualdades sociais e regionais.
Em Portugal, por sua vez, embora haja instrumentos
de responsabilização política mais bem delineados na Cons-
tituição da República que, em tese, permitem a destituição do
Chefe do Governo no exercício do mandato por cláusulas de
desempenho e ruptura da confiança, observa-se que há insu-
ficiência de mecanismos de participação efetiva dos cidadãos
para densificar um julgamento político, no curso do mandato
governamental. Importante lembrar que a Constituição da Re-
pública assegurou a participação na vida pública diretamente
ou por intermédio de representantes livremente eleitos, con-
forme prescrito no art.48º/1.
Contudo, diante dos comandos inscritos nos arts.163º e
195º da CR/76 a respeito das moções de confiança e de censu-
ra, além da rejeição do programa do governo, os constituintes
optaram nitidamente por restringir os mecanismos de respon-
sabilização política para fins de demissão do governo apenas
aos representantes eleitos, excluindo os cidadãos dessa possibi-
lidade de controle e participação mais próxima.
Esse cenário surge agravado na medida em que executi-
vo e legislativo, no mais das vezes, caminham em busca de re-
troalimentação recíproca rumo a uma legitimação formal para
Art.82. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá iní-
cio em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição.
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