Histórico sobre corrupção

AutorRenato Romero Polillo
Páginas71-93
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CAPÍTULO II
HISTÓRICO SOBRE CORRUPÇÃO
2.1 Antiguidade
Na Antiguidade, uma prática religiosa como o sacrifício constituía
uma forma de quid pro quo. A mensagem transmitida era a seguinte: a
probabilidade de agradar as divindades dependia da condição econômi-
ca daquele que realizava a oferenda ou o sacrifício. No Antigo Testa-
mento, há registros de que os juízes e governantes favoreciam aqueles
dispostos a investir grandes quantidades e imolar as vítimas para sacrifí-
cio. Tal troca de favores e a reciprocidade tácita, além de toleradas e
admitidas, eram inclusive regulamentadas e formalizadas.94 Sacrifício, favor
e corrupção são conceitos separados em um universo histórico marcado
por códigos de comportamento bastante diferentes dos contemporâneos.
Há registros de que Hamurabi teria escrito que um juiz deveria
ser expulso se alterasse uma decisão já proferida. No entanto, não há
registro de que tal reação de Hamurabi tenha sido causada pela existên-
cia de alteração de decisões em troca de recompensa, logo não se pode
afirmar que houve a intenção de impedir a corrupção por parte dos
juízes de então. Pode-se afirmar que a punição tenha se relacionado às
94 BRIOSCHI, Carlo Alberto. Corruption. Tradução de Antony Shugaar. Washington,
D.C.: Brookings Institution Press, 2017.
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RENATO ROMERO POLILLO
decisões não aplicadas. Como o costume de dar presentes era corrente,
outra interpretação possível à tal norma de Hamurabi seria condenar a
oferta não cumprida de um presente ou a negativa de um presente por
um juiz.
O efeito da corrupção era considerado mais grave do que o ato
de corromper em si, pois implicava quebrar a palavra em uma socieda-
de em que manter a palavra estava intimamente relacionado a uma ca-
racterística divina. Apesar de constituírem conceitos distintos, há um
ponto comum entre sacrifício, favor e corrupção, qual seja, a origem de
quantidade significativa da receita dos sacerdotes da época estava justa-
mente nas ofertas. Por exemplo, em Gênesis, há a proposição de um
acordo com Deus conforme o qual Jacó se compromete a dar o dízimo
caso Deus lhe entregasse todos os seus pedidos.
É interessante destacar também uma das orientações dadas por
Deus a Moisés no Antigo Testamento: “Também suborno não tomarás;
porque o suborno cega os que têm vista, e perverte as palavras dos jus-
tos” (Êxodo 23:8). Isso significa que Deus somente aceita ofertas daque-
les que julga justos. Apesar de não defender a ideia de corrupção como
um sistema, é possível identificar no Antigo Testamento o princípio da
troca e a consequente reciprocidade entre as partes.
Já com o Novo Testamento, com o surgimento do conceito de
livre-arbítrio, há uma mudança radical de perspectiva. Vale lembrar de
uma das parábolas de Jesus, a da viúva e sua pobre oferenda do templo.
Além disso, vale retomar também o episódio central da história de Jesus:
a corrupção de Judas Iscariotes, o qual vendeu Jesus aos romanos por
trinta moedas de prata (Mateus 26:15). Complementarmente é interes-
sante retornar mais um pouco no percurso histórico e examinar também
a relação entre corrupção e política na Grécia Antiga, especialmente em
Atenas, onde nasceu a democracia.
A questão da corrupção na Grécia Antiga havia sido abordada por
Hesíodo, Sócrates, Platão e Aristóteles, entre outros. A filosofia política
clássica tratou da propensão intrínseca ao homem para fazer uso de
qualquer poder que detenha para fomentar interesses próprios. Dentre

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