Identidade Étnica Indígena: alinhavando um percurso

AutorDaize Fernanda Wagner
Páginas41-92
Capítulo 1
IDENTIDADE ÉTNICA
INDÍGENA
alinhavando um percurso
[...] Está pedindo terra, ainda não marcaram a terra dele, mas para nós sabermos
meu primo nós somos parentes, mas ele ainda não marcou a terra. Ele vem aqui,
para pedir terra, nós pedimos terra para o Presidente da FUNAI. A cada Presidente
da FUNAI que entra, nós pedimos para marcar nossas terras.
Nós somos índio puro, nós não somos outra nação, nós somos uma língua só, somo
caiapó; meu parente está pedindo terra para marcar para ele, agora nós não somos
índio brabo, não matamos, por isso eu falo pouco, mas você fala bem. Então, se o
Presidente da FUNAI não manda marcar, nós continuaremos lutando. Nós brigamos
até 3 meses, 4 meses, 5 meses, para ganhar terra. Ainda tem mata pura. O meu
primo, filho do meu tio, ainda não marcou terra para ele, por isso nós viemos aqui
pedir para Deputado olhar para a terra, marcar tudo junto no parque para índio de
Xingú, para marcar tudo no parque lá no Mato Grosso.
Estamos lutando para ganhar terra, vamos lutar mais para marcar terra do meu
primo. Vamos marcar tudo junto no parque para Gorotire, Origre, Kalaroâ – Maú,
Kranahô, marcar tudo junto.
Meu primo está lá, mas ele não vem aqui para falar, meu sobrinho também está lá.
Eu falo pouco, eu ajudo vocês, eu ajudo a cada Nação, para falar com Presidente,
Deputado: Mas, o Presidente da FUNAI é fraco.
Nós sempre pedimos para o Presidente da FUNAI mas demora, agora a terra está
pouca para índio, igual casa de pombo, tá marcada, mas onde índio vai caçar? Onde
índio vai fazer festa? Onde ele vai fazer roça? Tem que marcar uma terra maior para
índio, índio também está aumentando, não é só branco que está aumentando, índio
também.
Índio vai crescer, vai aumentar, cadê terra? Não dá, tem que marcar maior, não
apertado, tem que marcar mais longe, vai marcar mais longe de branco.
Nós não queremos vender madeira. Nós não queremos garimpeiro, eles só querem
brigar. Já pedimos para a FUNAI, tirar ele. A polícia não vai, aí nós mesmos que
vamos brigar, quem é que vai segurar nós? Ninguém. Vamos pedir para Presidente e
Deputado mandar polícia tirar garimpeiro, tirar fazendeiro, tirar madeireiro. Enquanto
o Presidente não mandar, nós mesmo vamos brigar.
KRUMARÉ KAYAPÓ1
***
O tema das identidades e, em especial, da identidade étnica,
desperta grande interesse e apresenta dificuldades, que o
percurso na busca de sua compreensão não é linear e está
vinculado ao contexto no qual a investigação emerge e às pré-
compreensões daquele que se propõe a buscar. No Brasil, a
discussão acerca da identidade étnica de grupos considerados
minoritários, como os indígenas, tomou relevo nas décadas de 1960
e 1970. Entretanto, foi a partir das articulações formuladas no
período da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 -1988 que
ganhou grande visibilidade, num contexto em que essas minorias
passaram a reivindicar respeito, reconhecimento e direitos.
Este primeiro capítulo visa compreender o sentido da identidade
étnica dos indígenas a partir dos estudos desenvolvidos nos campos
das Ciências Sociais. Com esse objetivo, percorre caminho que
inicialmente propõe algumas delimitações. Após, discute a
necessidade de definição acerca da identidade étnica para que se
possam materializar os direitos à diferença previstos
constitucionalmente.
Na sequência, explora estudos identitários realizados na
Antropologia, dando destaque aos estudos sobre a aculturação dos
indígenas, que tiveram grande ênfase no Brasil. Em seguimento, o
percurso passa pela formulação original de Max Weber acerca das
comunidades étnicas e segue, então, até sua atualização por
Fredrik Barth, que propôs nova ênfase na compreensão dos grupos
étnicos e suas fronteiras.
No percurso será abordada a pertinência frequentemente
estabelecida entre a identidade e a cultura, no sentido proposto
pelos estudos culturalistas.
1. Delimitações iniciais
A identidade é substantivo que foi sendo adjetivado de
diferentes maneiras, de forma a tornar evidente a multiplicidade de
abordagens que lhe são possíveis – identidade pessoal, identidade
nacional, identidade cultural, identidade étnica, identidade sexual e
identidade de gênero são algumas delas. As identidades têm sido
objeto de estudo das Ciências Sociais, da Psicologia, da Ciência
Política e também do Direito, especialmente a partir da superação
da ideia de que a posição social determinaria o reconhecimento ao
que hoje consideramos identidade pessoal, acessível a apenas
algumas pessoas. Em seu lugar, a ideia moderna de dignidade, no
sentido universal e igualitário, ganhou espaço, sendo considerada a
única compatível com uma sociedade democrática. (TAYLOR, 2009,
p. 58). Essa dignidade passou a ensejar direitos iguais
universalizáveis a todos. Por outro lado, todavia, as diferentes
maneiras de ser não puderam ser suprimidas e também exigiram o
reconhecimento de seu igual valor. Nesse cenário, as políticas de
reconhecimento às diferenças, especialmente das minorias,
surgiram na forma de ações afirmativas, em grande parte, resultado
da luta desses grupos minoritários por visibilidade e
reconhecimento.
Da mesma maneira, a constituição dos modernos Estados
nacionais também contribuiu para que a identidade entrasse em
evidência, na medida em que a afirmação dos Estados nacionais
demandava uma identidade nacional a unir as diferentes pessoas
que habitavam aquele dado território, num sentimento de
pertencimento e mesmidade entre eles. Nesse sentido, a nação
nasce como uma “comunidade imaginada”, porque é concebida sob
as bases de um agrupamento horizontal e profundo, a traduzir uma
afinidade fraterna entre os membros dessa comunidade.
(ANDERSON, 2005, p. 26-27).
Nesse contexto, o apelo a uma ideia de identidade nacional, a
despeito de todas as diferenças internas entre os cidadãos e
grupos, foi forjada como subterfúgio de manutenção dos Estados
modernos. E essa identidade nacional haveria de ser a mais
importante, até podendo conviver com outras identidades, desde
que não lhe apresentassem oposição. Ocorre que a ideia de
identidade nacional não conseguiu suprimir a existência e a
importância dessas outras identidades, como a étnica, que foram se
pronunciando como formas de ser diferente, igualmente valorosas.
Em síntese, esses dois aspectos são destacados para justificar
a emergência do tema das identidades atualmente. Na mesma

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