Inconstitucionalidades no plano legislativo

AutorEduardo Marcial Ferreira Jardim
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP
Páginas139-306
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CAPÍTULO IV
INCONSTITUCIONALIDADES NO PLANO
LEGISLATIVO
1. Objurgatórias à prática da interpretação literal
A compreensão do direito pressupõe interpretá-lo, mis-
são, diga-se de passo, referta de complexidades e, não rara-
mente, praticada de forma simplista substanciada na singela
literalidade da norma jurídica, comprometendo, assim, todas
as formas de manifestação do direito, desde a produção da
norma geral e abstrata até a norma concreta e individual, se-
não também todo o campo da aplicação do direito.
A interpretação, a bem ver, significa o desvendamento
da norma jurídica, na busca do seu real sentido e alcance, o
que, por óbvio, vai muito além da simples letra do dispositivo
examinado, exigindo, evidentemente, uma visão contextual
do sistema normativo, a partir da linguagem desdobrada nos
planos semântico, sintático e pragmático, conjugada com os
métodos lógico, analógico, teleológico, histórico-evolutivo e
sistemático, levando em conta, ainda, a dimensão eficacial da
norma jurídica.
Naturalmente, não se cogita exaustar os mecanismos
de interpretação numa simples oração, pois, afora os mé-
todos anotados, merecem ser lembrados, entre outros, a
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EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM
razoabilidade propugnada por Recaséns Siches (1973) ou a
tópica de Theodor Viehweg (1964). O que se quer é enfatizar
aquele quadro metodológico como um mínimo indispensável
para pensar o direito com ciência e com densidade. Logo, por
considerar que a interpretação antessupõe a combinação da
multiplicidade de caminhos, conforme exposto, força é des-
sumir, só por isso, que a simples letra da norma não traduz
o direito concebido como um sistema de normas de um dado
direito nacional. Ademais, como muito bem questiona Paulo
de Barros Carvalho (2015), a leitura do texto normativo re-
presenta tão somente a porta de entrada para o labor exegé-
tico, donde ler o direito, per se, nada diz com a interpretação
do direito.
Entretanto, a legislação brasileira caminha no rumo dia-
metralmente oposto em relação àquele pugnado pela doutri-
na e imerso nos postulados de hermenêutica. Assim, em vez
de silenciar a respeito do assunto, o que seria de bom alvitre,
ou, pelo menos, versar sobre o assunto sob um prisma contex-
tual, contemplando os múltiplos métodos precitados, o legis-
lador consagrou a literalidade como premissa maior no cam-
po da interpretação. É dizer, a regra do direito chapa branca
resume-se à visão literal da norma jurídica, com total descaso
ao conjunto sistemático, consoante consta de uma série de di-
plomas normativos, a exemplo da antiga Lei de Introdução ao
Brasileiro, senão também o Código de Processo Civil, o
Código Tributário Nacional e inúmeras leis que integram o
direito nacional.
Com efeito, a mencionada Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro consagra a literalidade nos seguintes ter-
mos: “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito” (BRASIL, 1942). Ressalta à evidência, pois, o cul-
to à literalidade, pois o aludido comando firmou como regra
a literalidade, porquanto somente na ausência de disposição
expressa é que o intérprete deve empregar outros métodos
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FINANÇAS PÚBLICAS E TRIBUTAÇÃO AO LUME
DOS DIREITOS E GARANTIAS
interpretativos, a teor de analogia, costumes e princípios ge-
rais do direito.
Não é diferente o Código de Processo Civil, que encampa
o substrato do questionado mandamento da lei em apreço ao
dizer que o magistrado deve aplicar as normas legais e, na
sua falta, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios
gerais do direito, senão vejamos: “Art. 126. O juiz não se exime
de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e
aos princípios gerais de direito” (BRASIL, 1973).
Em veras, o texto reafirma o comento trazido à colação,
no sentido de que o Código de Processo Civil, ad exemplum de
outros estatutos jurídicos, também faz coro com a literalida-
de, comunicando-lhe a feição de craveira no campo exegético.
O mesmo código, a seu turno, ao tratar das hipóteses de ação
rescisória, veementiza a literalidade com clareza solar, con-
forme atesta o art. 485, inciso V, do referido diploma adjetivo,
que assim atrema, in verbis: “Art. 485. A sentença de mérito,
transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] V -
violar literal disposição de lei; [...]” (BRASIL, 1973). Cumpre
observar que o legislador do código elevou a literalidade aos
píncaros do patamar da interpretação, pois contemplou o re-
ferido critério como pressuposto de uma ação vocacionada a
desconstituir a coisa julgada, o que exalta a relevância da vi-
são literal segundo a óptica da legislação.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, adota tam-
bém a literalidade como premissa maior na interpretação do
direito tributário, tanto que, na esteira da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, estipula que somente à mín-
gua de disposição expressa é que os outros métodos interpre-
tativos serão utilizados. Nessa vereda, aliás, o título dedicado
à interpretação assim prescreve:
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