Sistema constitucional tributário no direito brasileiro: vicissitudes a contar de 1988

AutorEduardo Marcial Ferreira Jardim
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP
Páginas23-62
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CAPÍTULO II
SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
NO DIREITO BRASILEIRO: VICISSITUDES A
CONTAR DE 1988
1. Breve histórico e aspectos positivos
A Constituição do Império, editada em 1824, nada dizia
acerca da partilha de receitas, máxime porque se tratava de
um Estado imperial e unitário, o que afastava, de plano, o mo-
delo sob exame. Outrossim, numa breve digressão, cumpre
assinalar que, apesar do cunho autoritário e dinástico do go-
verno imperial, já havia um animus de legalidade, pois o art. 36
da Constituição em apreço atribuía à Câmara dos Deputados
a competência privativa para dispor sobre impostos.
No decurso da história, após a proclamação da República,
em 15 de novembro de 1889, já no ano de 1891, o Brasil edi-
tou sua primeira Constituição sob a forma federal de Estado
e republicana de governo, texto datado de 24 de fevereiro da-
quele ano-calendário. Assim como a legalidade tributária teve
seu substrato positivado na Carta Imperial, a Constituição
Republicana estipulou a divisão de competência tributária
privativa entre a União e os estados, ou seja, escolheu a essên-
cia do modelo atual, o que representa uma visão moderna e
compatível com o pacto federativo.
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EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM
A Carta de 16 de julho de 1934, por sua vez, manteve com-
petências tributárias privativas nas esferas federal e estadu-
al, firmando um repasse de receitas tributárias estaduais em
prol da União e também em favor dos municípios, os quais,
entretanto, não integravam o pacto federativo. O asserto ecoa
nos arts. 7º e 8º, bem como no parágrafo único do art. 10, os
primeiros concernentes à competência tributária federal e es-
tadual, respectivamente, já o derradeiro atinente à repartição
de receitas tributárias por parte dos estados.
Após um triênio, sobreveio nova ordem constitucional,
o que demonstra a instabilidade jurídica e política de anta-
nho. Assim, em 10 de novembro de 1937, segundo a lingua-
gem oficial, foi decretada a Constituição dos Estados Unidos
do Brasil, denominação de então, texto, a bem ver, que trouxe
avanços no plano federativo, pois, além de manter as compe-
tências privativas na órbita estadual e federal, fê-lo também
no plano municipal, consoante estampa o mandamento inser-
to no art. 12 do referido Código Máximo.
Mais uma vez, a ordem de então não floresceu por muito
tempo, tanto que em menos de uma década o país ganhou uma
nova Constituição, promulgada em 16 de setembro de 1946 e
considerada, ainda hoje, um Texto Magno dos mais exempla-
res de nossa história, seja por prestigiar os postulados demo-
cráticos, seja sob o prisma intertemporal, pois, como nenhum
outro, afugentou regras de cunho autocrático e autoritário.
Na seara tributária, por sua vez, partilhou as competên-
cias entre a União, estados e municípios, ao lado de estatuir
repartição de receitas entre as pessoas constitucionais, fato
que à época representava um expressivo cinzelar na forma
federal de Estado. Ademais, a Constituição da República de
1946 modernizou a tributação por intermédio da Emenda nº
18, de 1º de dezembro de 1965. Deveras, a referida emenda
teve o condão de implantar um sistema tributário caracteri-
zado por uma rígida partilha de competências entre as pes-
soas tributantes, tudo conjugado com uma exaustividade de
clareza solar, que, entre outras nuanças, instrumentalizou os
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FINANÇAS PÚBLICAS E TRIBUTAÇÃO AO LUME
DOS DIREITOS E GARANTIAS
diversos planos de governo a obter os recursos financeiros ne-
cessários à consecução do bem comum, enquanto, de outro
lado, limitou o poder tributário do Estado e, com isso, prote-
geu o contribuinte e o cidadão que pagam a despesa pública
por meio dos tributos.
No tangente à partilha de receitas tributárias, as introdu-
ções firmadas na mencionada emenda estipularam o repasse
pelo qual a União Federal transferia para os estados e municí-
pios o percentual de 10%, afora outras repartições do produto
da arrecadação de tributos. Cumpre mencionar, também, que
a estrutura do sistema tributário foi mantida nas Cartas de
1967, 1969 e na Constituição promulgada em outubro de 1988.
Na verdade, a nova ordem recepcionou os valores atinentes à
rigidez, à limitação, à exaustividade e à clareza, os quais re-
manescem inalterados até os dias atuais. De outro giro, con-
tudo, o percentual do repasse foi sobremodo elevado na Carta
de 1988, fato, a meu ver, censurável por todas as luzes, confor-
me será exposto no item subsequente.
2. Vicissitudes a contar de 1988
Elevação da partilha de receitas tributárias
A Lex Legum que preside nossa ordem jurídica cuida da
repartição de receitas tributárias, por meio dos arts. 157 us-
que 159, tanto as transferências governamentais já menciona-
das quanto aquelas originalmente destinadas à outra pessoa
constitucional que não o titular da competência tributária, a
exemplo do IR retido na fonte, o qual pertence à entidade fe-
derativa que efetivar a referida retenção.
Em princípio, nada a opor em relação à partição de re-
ceitas de índole tributária, porquanto se trata de medida ine-
rente ao federalismo, inclusive com o propósito de equalizar
as desigualdades regionais. O problema é que uma expres-
siva parcela das transferências foi drasticamente elevada
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