O Interesse Público e a Punição dos Delitos

AutorBruno Milenkovich Caixeiro
Páginas161-194
Capítulo 3
o interesse púBliCo e a
punição dos delitos
3.1. Direito Público: bens jurídicos “vs” liberdade
O momento a que se chega nesta pesquisa, considerando-
se sua evolução, é o de estabelecer padrões que apontam para
o questionamento que versa sobre a tendência200 que tomará o
200 É de se notar a constatação que a pesquisa obteve no sentido de infor-
mar que os problemas ou conflitos por que o cotidiano social passa são
muito mais de ordem política do que, propriamente, de direito. Nesse
sentido, são várias as possibilidades de tendência política que o direi-
to, por meio de seu ordenamento jurídico, pode estabelecer sensos de
justiça. Portanto, há que se pensar em hipóteses de tendência ortodo-
xas (se pensadas possibilidades antigas de aplicação de penalidades),
tradicionais (se pensadas as formas utilizadas atualmente, já aceitas
pela concepção contemporânea), progressivas (se pensadas formas al-
ternativas que proponham novas formas de penalidade) ou, ainda, re-
volucionárias (se pensadas formas mais extremas de penalidades, por
exemplo).
Streck (2007, p. 75/76) entende que “O conteúdo do debate acerca de
qual sentido que deve tomar, no interior do Estado Democrático (e So-
cial) de Direito, o modelo penal e processual penal brasileiro tem manti-
do acesa uma celeuma filosófica – ainda que não explícita –, a partir de
dissensos que envolvem concepções de vida (e morte?) e modo -de-ser-
no-mundo centrado nas mais diversas justificações materiais e espiritu-
ais. O substrato de fundo desses embates, entre tradições de pensamen-
to tão diversas, e em grande parte dos assuntos antagônicos, revela em
contraposição ainda mais fundamental consistente em um conflito quan-
to à hierarquia axiológica revelado de modo mais manifesto no projeto
de Estado democrático de Direito.”
162 Bruno Milenkovich Caixeiro
senso de justiça, pela utilização do ordenamento jurídico, so-
bretudo pela esfera penal e penal-tributária, já que estas se ma-
nifestam por uma esfera do Direito denominada pública. Este
direito público, enquanto elemento que proporciona a efeti-
vação dos interesses públicos e coletivos comuns, representa-
dos pela junção das vontades estatal e social, respectivamente,
numa perspectiva de organização (futura) da sociedade, tende
a se efetivar pelo estabelecimento de uma ordem jurídica que
atenda a uma expectativa de justiça contemporânea, e a pro-
posta aqui estabelecida por meio de um diálogo interdisciplinar
é contribuir para a formação de um modo operacional de pen-
sá-la que venha a colaborar com a resolução deste problema.
O raciocínio está aberto e a proposta varia considerando-
se as formas já apresentadas, entre se demonstrar a radicali-
zação de uma forma penal bastante punitiva, que constitua o
uso (do princípio) da represália, representado pela justiça sim-
bólica da espada, pela utilização de formas penais agressivas;
ou, ainda, por efetivar o aumento de utilização da esfera repa-
radora (civil), pela efetivação (do princípio) da reciprocidade,
simbolizado pela justiça da balança, em que se verificaria como
mais razoável, quiçá adequada, de se avençar tendências de
migração da esfera penal para a esfera civil de utilização do di-
reito, com vistas a promover uma satisfação no ofendido, pela
recomposição de um status lesado, muito embora esta hipótese
seja pouco provável, se se considerar ser bastante antiga.
A evolução do Estado à sua forma Moderna de Direito im-
pôs que as sociedades, conforme seus padrões constituídos por
Para Aragon (1999, apud STRECK, 2007, p. 76), “os sistemas jurídicos que
incorporam princípios substantivos ou materiais como normas básicas
valorativamente decisivas (princípios como o Estado Democrático de Di-
reito, o Estado Social, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade
social, liberdade, a obrigação de erradicar a pobreza, a função social da
propriedade) elevam ao patamar de obrigação jurídica a realização apro-
ximativa de um ideal moral”.
Ordenamento Jurídico Penal (Tributário) 163
suas tradições e seus costumes, exigissem deste um posiciona-
mento pleno de controle sobre ela, no sentido de conceder-lhe
(ou não) maior flexibilidade quanto à liberdade201, com relação
à possibilidade de atitude de seus membros, ao passo que atos
não almejados pelo interesse coletivo, com vistas à manuten-
ção de uma ordem jurídica202, seriam devidamente punidos.
Dito de outra maneira, a sociedade burguesa exigiu do Estado
que emergia maior flexibilização da liberdade pela aquisição de
bens203 que, juridicamente, passaram a ser tutelados, ao passo
201 Para Rawls (2008, p.247/252), “o debate sobre liberdade não trata de defi-
nições, e sim de valores relativos das diversas liberdades quando entram
em conflito”. Nesse sentido, ele considera a liberdade sob três níveis: 1)
os agentes (por natureza) são livres; 2) as restrições ou limitações de que
estão livres, e 3) aquilo que os indivíduos têm para fazer ou não fazer.
Desse modo, “A descrição geral de qualquer liberdade, então, assume a
seguinte forma: esta ou aquela pessoa (ou pessoas) está (ou não estão)
livre desta ou daquela restrição (ou conjunto de restrições) para fazer
(ou não fazer) isto ou aquilo”. Ele, no entanto, adverte que pode haver
a percepção de uma estrutura básica bipartida que se faz por conciliar
liberdade e igualdade, de modo que “Assim, a liberdade e o valor da li-
berdade se distinguem da seguinte maneira: a liberdade é representada
pelo sistema complexo das liberdades de cidadania igual, ao passo que o
valor da liberdade para indivíduos e grupos depende de sua capacidade
de promover seus objetivos dentro da estrutura definida pelo sistema”.
202 Ordem jurídica esta que se representa pela promoção da segurança ju-
rídica determinada, e delimitada pelo ordenamento jurídico que impõe
limites e determina padrões de interpretação para apreciação dos bens
jurídicos.
203 “Não obstante a exigência desse desiderato a ser cumprido pela Consti-
tuição, cuja normatividade atravessa a sociedade de fora-a-fora, desde a
determinação do resgate das promessas incupridas da modernidade até a
obrigação explícita e implícita – de criminalizar determinadas condutas,
não é difícil constatar, quando se adentra o campo da produção norma-
tiva infreconstitucional, e particularmente de um modelo penal como o
brasileiro, a existência, de um lado, de uma certa dificuldade de coe-
xistência de certos princípios e valores tradicionalmente imputados ao
direito penal pelas vertentes ainda calcadas no modelo liberal, caracterís-
tica e marcadamente individualistas, e, de outro, uma gama de princípios

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