Interrupção do nexo causal

AutorRafael Viola
Páginas169-214
Capítulo V
INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL
13. EXCLUDENTES DO NEXO CAUSAL
Nos capítulos antecedentes, foi possível vericar o conteúdo da causalidade
no campo da reparação civil, especialmente no que diz respeito às questões de
fato e de direito, que nos auxilia na compreensão da complexidade da relação
causal entre o resultado danoso e a conduta do ofensor.
O processo investigativo do nexo de causalidade se opera em três etapas,834
muito embora, registre-se, novamente, que essas fases não têm o objetivo de
estabelecer um procedimento formalista, apartado da realidade do investiga-
dor, mas permite esclarecer como o julgador alcançou o juízo de causalidade,
identicando o liame naturalístico, a causa jurídica e eventuais excludentes de
responsabilidade. Feito o registro, a primeira fase consiste na apreensão, pelo
observador, do processo naturalístico, considerando todas as condições que
concorreram para a produção do dano. Posteriormente, será realizado o juízo
de valor em que será eleita, dentre todas as condições antecedentes, aquela tida
como causadora do dano no plano jurídico. De fato, uma vez realizada a análise
da cadeia causal, considerando a orientação adotada pelo ordenamento jurídico e
as nalidades perseguidas, conforme exposto nos Capítulos III e IV, o observador
encontrar-se-á numa posição de indagar se a responsabilidade efetivamente deve
ser atribuída, limitada ou, mesmo, excluída.835 Para tanto, procederá ao último
exame: se estão presentes justicativas sucientes para a atribuição do dever de
indenizar, ao mesmo tempo em que se verica se há alguma situação que exclua
tal dever. É preciso identicar se existe alguma causa interveniente entre o ato
do ofensor e a consequência danosa. Em caso negativo, a responsabilidade será
atribuída. Em caso positivo, é preciso avaliar qual o grau de relevância que essa
outra causa produz no processo causal.836
834. GOLDENBERG, Isidoro. Op. cit., 2000, p. 8.
835. CARPENTER, Charles E. Workable rules for determining proximate cause (concluded). California
law review, v. 20, n. 5, p. 471, jul. 1932.
836. Idem, p. 471.
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RISCO E CAUSALIDADE • Rafael Viola
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Diante do juízo formulado, portanto, é necessário compreender se há alguma
outra causa interveniente no processo causal que possa efetivamente vir a excluir
a responsabilidade do ofensor: uma vez encerrada a segunda etapa, o julgador
deverá analisar se está presente alguma excludente, também chamada eximente,
de responsabilidade, caracterizadas por causas que exoneram da obrigação de
indenizar o indivíduo a quem se apontava a responsabilidade.837.
Importante notar que as denominadas excludentes de responsabilidade
podem, a princípio, atuar no âmbito do nexo de imputação ou do nexo de
causalidade.838. Nesse sentido, em se tratando de responsabilidade subjetiva, a
comprovação da ausência de culpa implicará na exoneração da pessoa tida ini-
cialmente como responsável pelo dano. Ao lado desta, outras excludentes operam
no plano da causalidade rompendo a relação de causa e efeito entre a conduta do
suposto ofensor e o resultado danoso. Entretanto, considerando que o escopo do
presente trabalho reside na vericação da atribuição do risco e como o princípio
da causalidade a afeta decisivamente, restringir-se-á à vericação das excludentes
de responsabilidade civil que operam exclusivamente no nexo causal.
Antes de adentrar o tema propriamente, é importante consignar um alerta.
A imputação do dever de indenizar depende de todo o processo cognitivo do
observador supracitado, que, como visto, não pode prescindir das nalidades
especícas da responsabilidade civil. Nesse ponto, como se teve a oportunidade
de discutir no Capítulo IV, não há uma teoria adotada para investigação do nexo
de causalidade no âmbito da imputação, muito embora a orientação preferível seja
pela busca de uma causa necessária, ainda que pautada por uma necessariedade
fraca. Essa compreensão será de suma importância, pois afetará diretamente a
terminologia utilizada neste capítulo. O tema das causas intervenientes no pro-
cesso causal é tema dos mais variados estudos, que se valem dos mais variados
termos (necessário, adequado, fator substancial, provável, direto etc.). Na medida
em que se adota a busca por uma causa necessária, ainda que não nos termos da
teoria do dano direto e imediato, o presente trabalho utilizará o termo necessário
para ns de discussão da causalidade interrompida ou antecipada. Isto não quer
dizer que a discussão que será travada se restringe apenas aos ordenamentos que
adotam esta teoria. Pelo contrário, a ratio permanecerá a mesma, adaptando-se
o juízo da causa necessária aos critérios de eventual teoria adotada doutrinária
ou jurisprudencialmente.
837. NORONHA, Fernando. Op. cit., 2007, p. 519.
838. Isso não impede, evidentemente, a alegação de outros fatos impeditivos, modicativos ou extintivos
dos direitos do autor na ação indenizatória, como, por exemplo, a alegação de prescrição ou, ainda, a
cláusula de não indenizar.
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CAPíTulO V • INTERRuPÇÃO DO NEXO CAuSAl
14. CAUSALIDADE INTERROMPIDA: NOÇÃO E CONTEÚDO
A regra nos ordenamentos reside na compreensão de que toda pessoa res-
ponde pelos seus atos. Há situações, entretanto, em que o indivíduo pratica uma
conduta, aparentemente dirigida a um resultado, mas que, numa análise mais
detida, não é a sua causa, em virtude de outra que o produziu.
Designa-se nesses casos uma hipótese de interrupção do nexo causal. A inter-
rupção, que opera, necessariamente, a exclusão da responsabilidade civil gravita
em torno do que se convencionou denominar causalidade interrompida. Pode-se
dizer que há causalidade interrompida quando um determinado fato se dirige,
ao longo do processo causal, para a produção de um efeito danoso especíco,
mas a sua vericação foi impedida por outro fato que, por sua parte, o produziu
com anterioridade.839 Em outras palavras, o primeiro fato viria a produzir o dano,
mas, antes de sua vericação, um segundo fato veio a provocar o referido dano
antecipadamente. No exemplo óbvio de A que ministra veneno fatal a B. Ora, o
veneno é, por si só, apto a produzir o evento morte. E dada a continuidade dos
fatos, se nenhuma outra condição intervier no processo causal, identicaremos
a causa necessária do dano como o envenenamento. Todavia, se antes do veneno
produzir o resultado morte, C efetuar um disparo de arma de fogo em B que ime-
diatamente vem a morrer, não há dúvidas que o envenenamento não produziu o
evento morte, mas o disparo de arma de fogo, pelo que esta será a causa necessária.
A terminologia causalidade interrompida, também, chamada interrupção
do nexo de causalidade, não passa incólume pela crítica da doutrina. A expressão
é profundamente combatida e, do ponto de vista lógico, a argumentação para
tanto até pode ser considerada válida. Diz-se que não é possível uma teoria ou
uma discussão que opere o conceito de interrupção da relação causal, pois, ou
bem há uma relação causal ou ela simplesmente não existe840 e, dessa forma, se há
nexo causal, ele não pode ser interrompido.841 Nada obstante, a terminologia será
aqui utilizada, seja em razão da consagração doutrinária e jurisprudencial, seja
porque ela se sustenta tecnicamente. Ora, ao se adotar a causalidade necessária
839. PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., 1998, p. 28.
840. ENGISCH, Karl. Op. cit., 2008, p. 79.
841. Não é por outra razão que Adriano De Cupis lembra que o Código Civil Italiano não contém nenhuma
disposição legal sobre interrupção do nexo causal: “El art. 1.223 del Código Civil no contiene ninguna
disposición especial y explícita acerca de la interrupción de la relación de causalidad. Más, no necesita:
Admitiendo que subsiste un nexo de causalidad cuando el daño realmente deriva de un hecho del
hombre, es obvio que tal nexo no existe cuando el hecho del hombre, aun siendo ecaz para producir
el daño, no desenvuelve su propia ecacia causal por habérsele añadido otro hecho, que, sin haberlo
originado él, impide que desarrolle su ecacia causal, sustituyéndola por la suya propia; por lo que,
se pone de relieve entonces, que el hecho preexistente no es el idóneo para originar el daño, que se ha
obtenido a causa del hecho sobrevenido” (DE CUPIS, Adriano. Op. cit., 1975, p. 270).
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