Introdução ao planejamento sucessório

AutorJosé Henrique Longo/Luiz Kignel/Márcia Setti Phebo
Páginas1-40
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INTRODUÇÃO AO
PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
1.1. O CONTO DE FADAS DA EMPRESA FAMILIAR
Era uma vez uma empresa geradora de estabilidade fi-
nanceira para a família de seu criador, que proporcionava a
acumulação de riqueza e a segurança de um patrimônio capaz
de prover seus filhos, seus netos, os netos de seus netos, em
um ambiente no qual reinavam o tratamento igualitário e a
convivência equacionada e saudável.
Trabalhavam no negócio familiar apenas os descendentes
do fundador, sem qualquer intromissão de terceiros, assumindo
eles competências e devotando à empresa o mesmo empenho e
dedicação do idealizador desse negócio tão proficiente. O bom
relacionamento entre os descendentes imperava na harmônica
relação familiar, e, no ambiente empresarial, vivenciava-se a
complementaridade das aptidões individuais; o diálogo era
aberto, franco e edificante, calcado no respeito, no apoio e no
suporte mútuos.
O negócio cresceu lastreado nos valores familiares bem
preservados e a obra do fundador perpetuou-se no tempo,
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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
fruto do compartilhamento de ideias, da garra e do talento dos
sucessores, os quais, de geração para geração, foram felizes
para todo o sempre.
Esse é o cenário idealizado legitimamente pelo pai/em-
presário/administrador/ proprietário/ser humano. O desejo de
todo e qualquer empreendedor é o de criar um negócio familiar
sustentável, desde muito antes de a palavra sustentabilidade
ter alcançado tanto destaque.
O ser humano tem instinto de preservação da prole; por
outro lado, deseja imortalizar a sua obra, preservar a sua bio-
grafia, não passar pela vida em vão. Deseja fazer história.
Nesse querer tão natural e justo, surge em cena um sis-
tema complexo e multifacetado no qual se sobrepõem interes-
ses diversos, de relações ambivalentes. E é assim que o prota-
gonista entra em contato com a realidade e se dá conta das
dimensões assumidas por essa trama emaranhada de aspectos
negociais, patrimoniais, psicológicos, afetivos, jurídicos e so-
ciais, despertando para as vulnerabilidades intrínsecas, para
as dualidades, para as contradições, para as situações parado-
xais, para as diferenças, para os paradigmas inquebrantáveis
e para toda a sorte de sensibilidades e nevralgias que permeiam
e desmitificam o conto de fadas das organizações familiares.
Mas a história da empresa familiar bem-sucedida não
precisa ficar adstrita a um mundo encantado. Ela pode assumir
contornos possíveis, dimensões reais, sem que a relação fami-
liar prejudique os negócios e, na mão inversa, sem que a rela-
ção empresarial crie animosidades na família. Ambas as rela-
ções, familiar e empresarial, podem ser perenes, longevas,
ultrapassar dificuldades e até se reinventar.
Diante dessa plasticidade, não é sem motivos que o ne-
gócio familiar é o formato empresarial mais antigo, o mais
utilizado mundo afora, colecionando histórias muito bem con-
tadas da vida de famílias empresárias que souberam lidar com
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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
conflitos, adversidades, situações de mercado, humores da
economia, inovações tecnológicas, concorrência desleal (ou até
mesmo leal), e, fortalecidas, contradisseram as estatísticas das
taxas de mortalidade da empresa familiar.
A fábula pode ser escrita de maneiras distintas, conside-
rando os pontos comuns (positivos e negativos) que permeiam
esse arranjo organizacional que é a empresa familiar, mas
ressaltando as características daquele negócio, daquele grupo
familiar, seus valores, suas missões, sua ideologia, seu DNA.
A empresa familiar, de modo geral, nasce da afetividade
e da confiança entre seus membros, cresce baseada em lealda-
de e carrega consigo história, respeito, tradição. Naturalmen-
te tende a sobreviver ao seu fundador, que a concebeu, a criou
e nela investiu seu tempo, seu capital e seu trabalho de uma
vida. As gerações que sucedem o fundador têm a expectativa
de se tornarem, um dia, sócios por força da sucessão familiar,
e de receberem uma empresa pronta.
Mas a relação do fundador com o negócio que ele fez nas-
cer do zero, assentou cada tijolo, acreditou e dedicou o melhor
de si nos altos e baixos da vida empresarial, é insofismavelmen-
te diferente da relação daqueles que ingressam numa empresa
bem-sucedida e lucrativa. Até mesmo a relação dos filhos com
a empresa, a depender de sua idade, de sua geração, também é
diferente: o primogênito pode ter assistido ao pai sair de uma
casa simples, utilizando transporte público, rumo à sua peque-
na oficina; e o caçula pode ter nascido em hospital particular, e
assistido ao pai sair de uma casa própria, de automóvel, até
mesmo dirigido por motorista particular, rumo ao parque indus-
trial no qual se transformou a pequena oficina. As visões desses
irmãos sobre o patrimônio familiar, com certeza, serão distintas.
O filho que viu a oficina se transformar em grande empresa terá
uma relação com o negócio provavelmente mais afetiva.
O parentesco pode significar o diferencial de sucesso da
empresa familiar. Ante as dificuldades, essa empresa pode

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