Introdução e natureza jurídica - hipóteses de cabimento do habeas corpus - o art. 648, do CPP

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas91-158
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INTRODUÇÃO E NATUREZA JURÍDICA –
HIPÓTESES DE CABIMENTO DO HABEAS
CORPUS – O ART. 648, DO CPP
Art. 5º, LXVIII – Conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado
de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
O Habeas Corpus é instrumento da luta do bem contra o mal. As masmorras
brasileiras não são prisões de cunho recuperativo, em sua esmagadora maioria. São
masmorras e decepam a alma humana. É trágico, desumano, sujo, perigoso, triste.
Toda ilegalidade, abuso de decisão que leva alguém a sofrer ameaça ou efetiva coação
na liberdade oportuniza o manuseio do Habeas Corpus. Como dito, teriam que as
autoridades passar uma tarde em delegacias, cadeias, prisões, locais de encarcera-
mento, como fase de formação para entender o que é uma prisão, pois certamente
haveria o uso da sensibilidade de forma mais apurada ao tecer uma determinação
formal para aprisionar alguém. Os requisitos seriam mais profundamente analisados,
mais tecnicamente revistos, tendo decisões mais humanizadas. O sistema e arca-
bouço de economia para fazer cumprir uma prisão ou sanção penal é absolutamente
desequilibrado e pode ser dividido em dois lados. O primeiro, do eventual Boletim
de Ocorrência até o trânsito em julgado de decisão condenatória ou qualquer pri-
são cautelar no decorrer de procedimento de viés criminal, tem uma estrutura rica
f‌inanceiramente. Tribunais palácios, servidores bem pagos, e recintos com cafés e
água mineral. Do outro lado, a prisão cautelar, o cumprimento da sanção penal por
decisão transitada em julgado, vê-se poucos recursos f‌inanceiros, menor estrutura,
servidores estressados, mal pagos, onde se joga um detido/condenado para viver
mal, enclausurado, se deteriorando enquanto ser humano. As masmorras brasilei-
ras. Há enorme descompasso na recomposição humana por via do segundo lado,
o lado negro e triste do encarceramento. Talvez, talvez, diferente seria se houvesse
mais investimento público neste segundo lado do sistema de encarceramento, com
melhores recintos para cumprimento de pena, servidores mais treinados, mais
incentivados economicamente, para o melhor emprego do lado humano da triste
realidade de um processo criminal.
Se houver constrangimento ilegal ao direito de liberdade de ir e vir o Advogado
pode manusear o poderoso instrumento do Habeas Corpus e, com altivez, clamar
pelo uso da legalidade. A ilegalidade praticada contra a liberdade, para se dizer em
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HABEAS CORPUS – TEORIA E PRÁTICA • Pedro H. C. FonseCa
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poucas palavras, revela fundamento jurídico para o manuseio do Writ. Assim como
o abuso do poder, que tem em sua essência a ilegalidade. Em 2021, um Advogado
que estava numa oitiva em delegacia com o seu cliente, em São Paulo capital, foi
preso porque orientou o cliente a não abrir o telefone celular Smartfone ao delegado
para que este acessasse a provas contra o investigado. Foi preso pelo policial por
usar da lei e da constituição. Claro abuso de autoridade montado numa estúpida
conduta ilegal, que culminou com a soltura do causídico por via do Habeas Corpus.
Contudo, naquela lamentável ocasião, a Advocacia já havia sido atacada de forma
ilegal por um agente do Estado. Pior do que isso, a lei e a Constituição da República
foram agredidas e violentadas por conduta abusiva do delegado. Naquela tarde, o
mal foi o vencedor e o perdedor foi o Estado Democrático de Direito.
O princípio da legalidade é estrutura do Estado Democrático de Direito. É pi-
lar de segurança jurídica, sobretudo no processo penal. É o que sustenta o próprio
Estado enquanto ente submisso à lei, para existência de uma sociedade dinamizada
em parâmetros de crenças de segurança jurídica. O Estado que não respeita a lei,
retira a segurança da sociedade, da economia, criando uma cultura de tudo pode,
abrindo portas para a corrupção da lei sem gerar efeitos contra a violência legal. É
a legalidade o princípio dos princípios jurídicos, pois é o que assegura as certezas
advindas das regras legais e da constituição. Se quem deveria aplicar a lei a viola,
ofendendo o princípio da legalidade, há que haver correção imediata. A lei violada
precisa ter a lesão corrigida, imediatamente, pois é o que garante a estrutura do Esta-
do, o exercício da advocacia, a aplicação dos direitos fundamentais e a manutenção
da liberdade. O art. 5º, inciso LIV, da CR, assegura que ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, havendo que levar em conta
que o devido processo legal é nada mais nada menos do que o respeito à legalidade.
O manancial de hipóteses permissivos de cabimento de impetração do remédio
constitucional é inf‌inito, cabendo, inclusive, a reiteração do Habeas Corpus mirando
a cessação do mesmo constrangimento ilegal à liberdade constitucionalmente ga-
rantida e que motivou o Habeas Corpus anterior. Contudo, é importante o registro
de que o Advogado deverá destacar novos fundamentos. É muito comum na lida
diária ver denegação de Habeas Corpus por novos fundamentos, proporcionando
nova medida do Advogado.
Saiba que a decisão que denega o Habeas Corpus não faz coisa julgada. Conclui-
-se, a partir daí, que não há impedimento para a renovação do pedido contido no
instrumento do Writ, exceto se houver reiteração de impetração do mesmo Habeas
Corpus anteriormente denegado.
Consta do art. 648, do Código de Processo Penal, hipóteses não taxativas de
constrangimento e coação ilegais como motivadoras do Writ of Habeas Corpus.
Lembro que as hipóteses de cabimento do Habeas Corpus são inf‌initas, bastando
que haja os requisitos legais.
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9 • INTroDuÇÃo E NATurEZA JurÍDICA – HIPÓTESES DE CABImENTo Do HABEAS CORPUS
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa;
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V – quando não for alguém admitido a prestar ança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI – quando o processo for manifestamente nulo;
VII – quando extinta a punibilidade.
O Habeas Corpus é instrumento processual de absoluto alcance e extensão
diante de situações diversas que podem infringir ou infringem a liberdade, de que
forma for, perante qualquer ilegalidade ou ameaça de eventual conduta em face da
liberdade. No dia a dia, as coisas não andam bem para a legalidade, quando se trata de
justa causa enquanto argumento para cabimento de Habeas Corpus. É geral a ofensa
a lei pelo Brasil a fora. Do absurdo ao absurdo, a prática revela situações degradantes
ao princípio da legalidade e o constante e reiterado desrespeito às normas constitu-
cionais. Existe caso de Habeas Corpus no STJ em que o paciente foi afastado de casa
por ter xingado a mulher após descobrir que ela o traiu, havendo decisão de primeira
instancia conf‌irmada pelo Tribunal de Minas dando aval a medida protetiva, com
duração de dois anos, com alerta de prisão preventiva. Com a impetração do Habeas
Corpus no STJ, para a não surpresa, veio o MPF, in casu, opinar pela não concessão
da ordem com base em fundamento de ausência de justa causa por inexistência de
constrangimento ilegal. Veja bem, o Habeas Corpus é instrumento de correção de
condutas ilegais contra a liberdade. Cabe em qualquer situação desse porte e seria
muito bem-vinda a tentativa de acertamento da legalidade pelo Ministério Público,
f‌iscal da lei. Dito isso, a natureza jurídica do art. 648, do CPP, é essencialmente
exemplif‌icativa. Lembro: o Habeas Corpus é instrumento da luta do bem contra o
mal e as hipóteses de cabimento são inf‌initas, bastando que haja ameaça de lesão
ou a própria violação da liberdade por conduta ilegal em todos os seus formatos de
ilegalidade. As hipóteses de cabimento adiante comentadas são exemplif‌icativas.
9.1 AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – ART. 648, I – A JUSTA CAUSA
CONSTITUCIONAL
Nos termos da lei, ausência de justa causa é hipótese de cabimento do Habeas
Corpus. O que é ausência de justa causa? Qual a relação com a ausência de justa causa
do art. 395, inciso III, do CPP? Eis o primeiro desaf‌io para o destaque técnico para a
impetração do Habeas Corpus. O termo justa causa prescrito no art. 648, I, do CPP é
diferente do termo utilizado pelo Legislador no art. 395, inciso III, do CPP. Vejamos:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa;
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