Licenciamento ambiental e logística reversa: conceituação e o caso do estado de São Paulo

AutorFlávio de Miranda Ribeiro
Páginas199-221
LICENCIAMENTO AMBIENTAL E LOGÍSTICA
REVERSA: CONCEITUAÇÃO E O CASO DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Flávio de Miranda Ribeiro
1. INTRODUÇÃO
Dentre os desaf‌ios da sustentabilidade, o gerenciamento dos resíduos sólidos
apresenta-se como uma prioridade para muitas regiões, em especial os resíduos só-
lidos urbanos nos países em desenvolvimento. Seja em função do grande e crescente
volume gerado, pela falta de infraestrutura ou por restrições f‌inanceiras dos titulares
da gestão, em muitos casos a evolução dos sistemas de gerenciamento ainda f‌ica
aquém do necessário para a proteção da saúde pública ou mesmo para aproveitar as
oportunidades de recuperação material ou energética dos resíduos.1
Neste contexto, alguns instrumentos de regulação ambiental têm sido aplicados
com sucesso em diversos países, com destaque para o conceito da “responsabilidade
estendida do produtor” (conhecida pelo acrônimo em inglês EPR, de exteded pro-
ducer responsibility). Def‌inida como “uma abordagem de política ambiental na qual a
responsabilidade de um produtor por um produto é estendida para a fase pós-consumo
de um ciclo de vida do produto”,2 a EPR se traduz na imposição da responsabilização
de fabricantes, importadores ou revendedores sobre os resíduos associados aos seus
produtos (ou suas embalagens) após o consumo.3 A aplicação sistemática da EPR por
meio de legislação específ‌ica é reconhecida como uma estratégia fundamental para
ampliar a recuperação de resíduos municipais, reduzindo o aterro e aumentando o
reúso e a reciclagem, com destacados resultados em vários países europeus.4
No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)5 estabeleceu exigên-
cias similares à EPR, ainda que sem aplicar o conceito. Em seu lugar, trouxe a exi-
gência de implementação da “logística reversa”, exigindo do setor privado a criação
de sistemas capazes de coletar e destinar adequadamente os resíduos pós-consumo
de diversos produtos. Porém, mesmo passados mais de dez anos da promulgação
da PNRS, os desaf‌ios para implementar os sistemas de logística reversa no Brasil
permanecem, ainda que tenham sido havido signif‌icativo progresso.6
1. PEREIRA et al., 2020.
2. OECD, 2001, p. 9.
3. EUROPEAN COMMISSION, 2010.
4. OECD, 2014.
5. Promulgada pela Lei n. 12.305, de 03 de agosto de 2010 (Brasil, 2010a), e regulamentada pelo Decreto
7.404, de 24 de dezembro de 2010 (Brasil, 2010b).
6. RIBEIRO e KRUGLIANSKAS, 2019.
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Dentre os avanços percebidos, destaca-se a própria arquitetura regulatória
proposta para a logística reversa na PNRS, qual seja o uso de instrumentos de
política pública com base na negociação e no estabelecimento de acordos – no
caso, denominados como Termos de Compromisso e Acordos Setoriais. Por meio
destes, alguns sistemas de logística reversa já estão em operação, trazendo diversos
benefícios à sociedade. Porém, o que se tem verif‌icado, tanto na prática7 como em
estudos acadêmicos8 é que a atuação voluntária nem sempre se mostra suf‌iciente
para avançar na implementação deste dispositivo da PNRS. E é exatamente no
limite dessa possibilidade que se propõe a complementação das estratégias nego-
ciadas com mecanismos mandatórios e coercitivos, que criem formas de cobrar
o atendimento legal (enforcement), utilizando, por exemplo, o instrumento do
licenciamento ambiental.
Neste capítulo iremos abordar a questão partindo de um enfoque amplo, apre-
sentando alguns conceitos sobre a logística reversa antes de fazer a defesa do uso
do licenciamento como “metainstrumento” de regulação para o tema. Em seguida,
será apresentado o caso do uso desta abordagem no estado de São Paulo, com vistas
tanto a discutir seus méritos e desaf‌ios como para apoiar e inspirar futuros avanços
similares em outros contextos sub-nacionais ou mesmo junto à União.
2. LOGÍSTICA REVERSA: CONCEITO E APLICAÇÃO NO BRASIL
O termo “logística reversa” tem sido utilizado há muito tempo pela gestão
empresarial. De forma a situar nossa discussão no contexto da PNRS, são apre-
sentados a seguir alguns aspectos de sua def‌inição legal no caso dos resíduos
sólidos, bem como a situação de implementação das estratégias propostas em
âmbito federal9.
2.1 Denição e conceito
Para a gestão empresarial, “logística reversa” é entendida como “área da logís-
tica responsável pelo retorno dos produtos de pós-venda e de pós-consumo e seu
endereçamento a diversos destinos”.10 No caso dos resíduos, ao usarmos o termo
estamos nos referindo especif‌icamente à parcela dos resíduos pós-consumo, sejam
as embalagens vazias dos produtos, ou mesmo os próprios produtos quebrados,
defeituosos ou apenas usados.
No caso da PNRS, a logística reversa (LR) é def‌inida como:11
7. YOGUI, 2015.
8. PEREIRA et al., 2020.
9. Dados e informações atualizados para julho de 2021, época de redação do presente capítulo.
10. LEITE, 2017, p. 11.
11. BRASIL, 2010a, Art. 3º.
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