Licenciamento e áreas contaminadas

AutorAndrew Rangel dos Reis
Páginas139-158
LICENCIAMENTO E ÁREAS CONTAMINADAS
Andrew Rangel dos Reis
1. INTRODUÇÃO
O dinamismo presente no Estado de São Paulo – ESP, característica que f‌loresceu
devido aos mais diversos rearranjos espaciais e econômicos pelos quais passou ao
longo das últimas décadas, certamente é um dos principais atributos dessa região.
Uma qualidade que ao mesmo tempo, todavia, provoca apreensão, vez que o passado
predominantemente fabril do estado não se esconde.
A questão do solo contaminado, e sua tardia descoberta, neste sentido, esteve
historicamente atrelada à reutilização dos espaços, ou em outras palavras, à alteração
do uso do solo. Diferentemente da poluição do ar ou das águas, f‌izeram as caracte-
rísticas físico-químicas do solo, cumulatividade e baixa mobilidade, com que esta
poluição f‌icasse conf‌inada à visão de poucos, situação avalizada por Lima, Granziera
e Rei1 ao mencionarem que os riscos proporcionados pelo ambiente contaminado.
Ao contrário dos riscos mais comuns, como a violência e pobreza, aventam ameaças
que não permitem sua imediata delimitação social, temporal, nem mesmo espacial,
levando-se em conta que, por vezes, são depositados resíduos no ambiente que se
misturaram com outros químicos, criando uma verdadeira massa contaminada dis-
tribuída por várias e diferentes áreas.
O risco representado pela contaminação do solo, portanto, é o preço que hoje
pagamos em decorrência não só do “crescimento a todo custo”, experimentado entre
os anos sessenta e oitenta, mas do evidente desconhecimento científ‌ico da época e
da ignorância em relação às externalidades das indústrias e o meio ambiente como
um todo, um padrão adotado repetidamente por todo o globo.
A dif‌iculdade na verif‌icação da contaminação do solo como problema residiu
exatamente no desaf‌io de se vincular o nexo causal entre as contaminações e os sin-
tomas apresentados pelas populações. Segundo Sanchez2 o motivo de o solo contar
com características de cumulatividade e baixa mobilidade o diferencia dos outros
meios, justamente pela questão de no ar e na água os efeitos, em geral, cessarem logo
após estes deixarem de receber cargas poluidoras em excesso.3
Dentre os grandes problemas ambientais, portanto, estão as áreas contaminadas
tendo passado a afetar o cotidiano da população de forma mais visível apenas nas
últimas décadas.4
1. LIMA, GRANZIERA e REI, 2018, p. 352.
2. SANCHEZ, 2001, p. 81.
3. Segundo o autor, o ar transporta as cargas poluidoras para longe e a água f‌lui e dilui os químicos remanes-
centes.
4. MORINAGA, 2013, p. 71.
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Consequentemente, foi somente nos anos noventa que a CETESB passou a dar
atenção às áreas contaminadas no ESP, sendo a responsável por verif‌icar os primeiros
casos no País a partir da aplicação dos conhecimentos adquiridos via acordo de coo-
peração f‌irmado com a agência técnica alemã Deutsche Gesellschaft für Technische
Zusammenarbeit – GTZ, que possibilitou que a agência bandeirante capacitasse seu
corpo técnico, bem como recebesse apoio f‌inanceiro,5 o que proporcionou, posterior-
mente, o desenvolvimento pioneiro de procedimentos legais destinados à identif‌ica-
ção, investigação e remediação voltados ao gerenciamento das áreas contaminadas.
Da mesma forma, criou e mantém o Cadastro de Áreas Contaminadas, o Rela-
tório de Estabelecimento de Valores Orientadores para Solos e Áreas Contaminadas
para o Estado de São Paulo, o Guia para Avaliação do Potencial de Contaminação
em Imóveis e o Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas, recentemente
atualizado, todos instrumentos de gerenciamento disponíveis e de acesso público.6
Também auxiliou na elaboração do marco regulatório estadual de 2009.
No âmbito municipal destaca-se o atualmente denominado Grupo Técnico
de Áreas Contaminadas – GTAC, instituído em 2002 pela Secretaria Municipal do
Verde e Meio Ambiente de São Paulo, que participou em parceria com a CETESB
no ano de 2003 da criação do Grupo Interinstitucional para o Estabelecimento de
Procedimentos em Áreas Contaminadas – GIAC, propiciando alguns projetos piloto
na cidade.7 Desses, o mais exitoso fora consubstanciado na Decisão da Corregedoria
da Justiça 167/2005, que determinou a necessidade de averbação da contaminação
e reabilitação à margem do respectivo registro imobiliário.
O licenciamento, nessa toada, caracteriza-se pela postura de prevenção à conta-
minação, avaliando os riscos de cada empreendimento e apontando soluções técnicas
e procedimentais que devem ser adotadas, sob pena de não concessão/renovação
das licenças, não só prévia e de instalação, mas também de operação, considerando
inclusive a eventual desativação do empreendimento. Da mesma forma, o licencia-
mento também permite a descoberta precoce de contaminações, possibilitando que
a problemática não saia de controle.
É exemplo de prevenção a exigência de licenciamento periódico dos postos re-
vendedores de combustíveis a partir da publicação da Resolução Conama 273/2000;
só no ESP foram mais de 8.500 postos convocados para realização do licenciamento
ambiental,8 representando hoje mais da metade dos locais contaminados registrados.
Em relação ao conceito de “área contaminada”, considera-se o signif‌icado con-
tido na Lei Estadual 13.577/09, qual seja, “área, terreno, local, instalação, edif‌icação
ou benfeitoria onde há quantidade ou concentração de matéria suf‌iciente para pos-
sibilitar ou causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou outro bem que se
5. RAMIRES, 2008, p. 72.
6. FERRADOR et al, 2017, p. 3 e GÜNTHER, 2006, p. 113.
7. RAMIRES, 2008, p. 86.
8. CETESB, 2021.
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