Nas entrelinhas da cidade: Luta urbana, narrativa e a produção de mundos normativos

AutorAna Cláudia Milani e Silva
Ocupação do AutorDoutoranda e mestra em Democracia e Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, com graduação em Direito pela mesma Universidade
Páginas272-293
272 • CAPÍTULO 10
Nas entrelinhas da cidade: Luta
urbana, narrativa e a produção
de mundos normativos
BETWEEN THE LINE S OF THE CITY: URBAN STRUGGLE, NARRATIVE
AND THE PRODUCTION OF NORMATIVE WORLDS
Ana Cláudia Milani e Silva1
Resumo: Frequentemente entendido como mera abstração,
o direito produzido pelo Estado mantém uma pretensão de afasta-
mento em relação à realidade que o envolve e busca se impor como
unidade, imune a disputas de sentido e superior a outros univer-
sos normativos. Um olhar atento, contudo, evidencia que o direito é
constantemente atravessado pelo mundo material e discursivo que
lhe dá suporte, sendo inseparável das narrativas que o situam. A par-
tir dessa compreensão, o direito abre-se a mundos normativos (no-
mos) que escapam aos anseios de controle do direito dito “ocial
e que desestabilizam a organização social do direito como poder –
contraposta justamente à sua organização como signicado. As lutas
urbanas são um importante exemplo dessa força desestabilizadora
que emerge de narrativas não enquadráveis na rígida moldura dos
preceitos normativos emanados pelo Estado. O presente trabalho se
dedica a analisar, assim, de que maneira as lutas urbanas se relacio-
nam à produção do direito como signicado e em que medida isso
contribui para desestabilizar a organização do direito como poder,
tensionando sua pretensa universalidade e abstração a partir da plu-
ralidade normativa ligada à materialidade do espaço, dos corpos e
das próprias experiências de luta.
1 Doutoranda e mestra em Democracia e Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Fe-
deral do Paraná, com graduação em Direito pela mesma Universidade. Pesquisadora vinculada ao Núcleo Constitucionalismo
e Democracia do Centro de Estudos da Constituição (CCONS/UFPR) e bolsista da CAPES. Desenvolve pesquisa nas áreas de
teoria constitucional, losoa do direito e direito urbanístico/direito à cidade.
ANA CLÁUDIA MILANI E SILVA • 273
Palavras-chave: luta urbana; nomos; narrativa; giro espacial
do direito.
Abstract: Oen understood as a mere abstraction, the law
produced by the State maintains a pretension of distancing itself
from the reality that surrounds it and seeks to impose itself as a unit,
immune to disputes of meaning and superior to other normative
universes. A careful look, however, shows that the law is constantly
crossed by the material and discursive world that supports it, being
inseparable from the narratives that situate it. From this understan-
ding, the law opens up to normative worlds (nomos) that escape the
yearnings for control of the so-called “ocial” law and destabilize
the social organization of law as power – opposite to its organization
as meaning. Urban struggles are an important example of this desta-
bilizing force that emerges from narratives that do not t within the
rigid framework of normative precepts issued by the State. e pre-
sent work is dedicated to analyze, in this way, how urban struggles
are related to the production of law as meaning and to what extent
it contributes to destabilize the organization of law as power, ten-
sioning its alleged universality and abstraction from the normative
plurality linked to the materiality of space, bodies and the struggle
experiences.
Keywords: urban struggle; nomos; narrative; law’s spatial
turn.
Introdução
Frequentemente entendido como mera abstração, o direito
produzido pelo Estado mantém uma pretensão de afastamento em
relação à realidade que o envolve - realidade que o afeta e que é afeta-
da por ele. Mais do que isso, ele busca se impor como unidade, imu-
ne a disputas de sentido e superior a outros universos normativos.
Um olhar atento, contudo, evidencia que o direito é constantemente
atravessado pelo mundo material e discursivo que lhe dá suporte. O
direito, assim, não existe independentemente das narrações que o
situam e lhe dão signicado.

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