Nascimento

AutorAndreia Ruzzante Gagliardi, Marcelo Salaroli, Mario de Carvalho Camargo Neto
Páginas83-154
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nAscimento
Segundo o previsto no artigo 2º do CC: “A personalidade civil da pessoa começa
do nascimento com vida”. O artigo 9º, inciso I, do mesmo código estabelece que “serão
registrados em registros públicos: os nascimentos”. Daí se extrai que o nascimento com
vida, assim como as suas consequências, em especial a aquisição de personalidade, de-
vem ser provados por meio do registro civil, que lhes garante segurança, autenticidade
e ef‌icácia por meio da publicidade.
É óbvio que ninguém precisa de uma certidão lavrada em cartório para ter a certeza
de que está diante de uma pessoa humana, portanto, diante de um titular de direitos e
deveres. No entanto, sem a certidão de nascimento, não é possível individualizar aquela
pessoa; sem a certidão, não se sabe seu nome, sua idade, sua nacionalidade, sua f‌iliação,
enf‌im, não se sabe quem é.
Em outras palavras, o registro de nascimento não produz efeitos constitutivos,
sendo certo que o nascimento e aquisição de personalidade independem dele, mas
produz efeitos declarativos, especialmente probatórios, conferindo ao nascimento a
adequada publicidade e oponibilidade, com todas suas características – data, hora e
local do nascimento, naturalidade, f‌iliação e nome do registrado etc. –, garantindo-lhe
segurança e ef‌icácia, tanto para o registrado, quanto para terceiros.
Em razão disso, a legislação prevê a obrigatoriedade do registro, no artigo 50 da
LRP: “Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro”.
Importante a análise quanto ao que vem a ser o “nascimento com vida”, que é o fato
objeto do registro em estudo e marco inicial da personalidade civil da pessoa, conforme
expresso no já citado artigo 2º do CC.
Trata-se de um fato natural que produz efeitos jurídicos, e que será testemunhado
ou comprovado na forma da lei, qual seja, por meio de documento médico, que é a De-
claração de Nascido Vivo (DNV ou DN) – Lei n. 12.662/2012 – ou por atestação de duas
testemunhas qualif‌icadas, quando o parto for sem assistência médica – art. 54, 9º, LRP.
A LRP, no artigo 53, § 2º, faz indicação de que o nascimento com vida é aquele em
que a criança respirou, sendo esse o critério que prevalece na doutrina jurídica, todavia,
há que se recorrer aos diplomas normativos da área da saúde para que se possa conceituar
adequadamente o que é nascimento com vida.
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REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS • AndreiA r. GAGliArdi, MArcelo SAlAroli e MArio de c. cAMArGo neto
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O Manual de Instruções para o preenchimento da DNV editado pelo Departamento
de Análise da Situação de Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da
Saúde1, que contou com a colaboração dos autores do presente trabalho, def‌ine:
Nascimento Vivo
É a expulsão ou extração completa do corpo da mãe de um produto de concepção que, independen-
temente da duração da gravidez, depois da separação, respire ou apresente qualquer outro sinal de
vida, tal como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos
músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não des-
prendida a placenta. Cada produto de um nascimento que reúna essas condições se considera como
uma criança viva.
Nesses casos há nascimento com vida; nos demais, estar-se-ia diante de um caso de
natimorto, que será estudado juntamente com o registro de óbito. Verif‌ica-se, entretan-
to, que não cabe ao registrador apurar se houve nascimento com vida ou não, devendo
f‌iar-se no que for atestado na DNV ou pelas testemunhas. Ressalvando-se que a LRP
no artigo 52, § 1º, estabelece que, se o of‌icial “tiver motivo para duvidar da declaração,
poderá ir à casa do recém-nascido verif‌icar a sua existência”.
A atuação do registrador no registro de nascimento é pautada pelo princípio da
legalidade, e é somente após a qualif‌icação positiva que o assento é lavrado e que seus
elementos têm ingresso no registro, revestindo-se da autenticidade e segurança típicas
dos registros públicos, passando a comprovar o estado civil do registrado.
O registro civil de nascimento está previsto no artigo 9º, inciso I, do CC, no artigo
29, inciso I, da LRP, e conforme o artigo 33, inciso I, da mesma lei, deve ser lavrado no
Livro “A” do Registro Civil das Pessoas Naturais. Salvo os traslados de assentos de nas-
cimentos de brasileiros ocorridos no estrangeiro, que são lavrados no Livro “E”, assim
como os registros de nascimento de f‌ilhos de pai e mãe estrangeiros, desde que um deles
esteja no Brasil a serviço de seu país.
8.1 CARACTERÍSTICAS DO REGISTRO DE NASCIMENTO
Gratuito – O registro de nascimento é universalmente gratuito, por força da Lei
n. 9.534/97 que alterou as Leis n. 6.015/73, 8.935/94 e 9.265/96, incluindo-o entre os
documentos essenciais ao exercício da cidadania previstos no inciso LXXVII do artigo
5º da CF.
Observe-se que o artigo 8º da Lei n. 10.169/2000 prevê compensação aos registra-
dores civis pela lavratura de atos gratuitos.
Perpétuo – Para que atenda as f‌inalidades de segurança e autenticidade, o registro de
nascimento é perpétuo, de maneira que os registros do século XIX podem ser acessados
da mesma maneira que os registros lavrados ontem.
1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Organi-
zação: Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica. Manual de instruções para o preenchimento
da declaração de nascido vivo. Disponível em: http://www.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/88/2015/11/
inst_dn.pdf Acesso em 07.11.2020.
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O cancelamento do registro se dá apenas em casos excepcionais, como em razão
da duplicidade ou de adoção posterior do registrado2, todavia, mesmo nesses casos os
registros continuam existindo, preservando a história registral, pois o cancelamento
constitui-se em averbação que limita a publicidade do assento de nascimento.
Suporte Físico e Jurídico para os Demais Atos da Vida Civil – O registro de nasci-
mento é o documento originário da pessoa natural, servindo de base para a emissão de
todos os demais; contém os elementos do estado da pessoa natural que individualizam
a pessoa para a prática de atos e realização de negócios; recebe as informações acerca
dos demais atos relevantes ao estado da pessoa natural e possíveis alterações do nome,
por meio de averbações e anotações.
Dinâmico – Diferentemente do senso comum, o registro civil de nascimento é
dinâmico e constantemente recebe alterações e novas informações, o que o torna fonte
atualizada do estado da pessoa natural. Por esse motivo as certidões sempre devem ser
atualizadas, não sendo recomendável a prática de atos com a utilização de certidão de
nascimento emitida há anos.
Obrigatório – Em razão do efeito declarativo e probatório do registro, a lei prescreve
que “Todo nascimento ocorrido no território brasileiro deve ser dado a registro”. Esse é
o texto do artigo 50, in limine, da LRP. Af‌irma-se, portanto, que o registro de nascimento
é obrigatório.
Extrai-se do artigo 52 da LRP que a obrigação é do pai e da mãe, e, sucessivamente,
das pessoas ali enumeradas, as quais serão tratadas adiante como legitimadas a declarar
o registro.
A f‌im de se obter uma interpretação mais plena da matéria, deve-se observar que o
registro de nascimento é direito humano, como foi reconhecido no artigo 24 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966. Também é Direito da Criança, con-
sagrado pelo artigo 7º da Convenção internacional dos Direitos da Criança, bem como
protegido pela sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente3, o que, segundo o
artigo 227 da CF, torna o registro de nascimento uma obrigação da família, da sociedade
e do Estado.
Ressalte-se que em caso de falta de registro, o maior de idade poderá solicitar seu
próprio registro de nascimento por meio do procedimento de registro tardio, que será
visto adiante.
A LRP prevê, no § 2º do seu artigo 50, que os “índios, enquanto não integrados,
não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio
do órgão federal de assistência aos índios”. Em tal previsão verif‌ica-se uma exceção à
obrigatoriedade do registro, apenas ao indígena não integrado, o que será tratado mais
detidamente no item sobre o registro de nascimento do indígena ao qual se remete o leitor.
2. Lei n. 8.069/90, artigo 47, § 2º: O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.
3. Sobre o assunto, um dos autores do presente trabalho publicou o texto com as seguintes referências: CAMARGO
NETO, Mario de Carvalho. O registro civil das pessoas naturais e os direitos da criança e do adolescente. In:
FREITAS, Aline da Silva; ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan; CARACIOLA, Andrea Boari (coords.),
Estatuto da Criança e do Adolescente – 20 anos, São Paulo, LTr, 2010, p. 330.
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