Outros princípios

AutorAmérico Plá Rodriguez
Páginas435-453

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233. Proposta de outros princípios

Nas edições anteriores deste livro foram expostos seis princípios, embora o primeiro fosse estudado não só em suajustificativa geral, mas também em sua aplicação por meio de trés regras.

E terminávamos com o esclarecímento de que essa exposição não representava um limite fechado e congelado, razão pela qual não se devia descartar a possível incorporação de outros princípios em decorrêncía de novas realidades ou de novas reflexões.

Nestes anos que nos separam da última edição, mesmo tendo os princípios descritos recebido aprovação geral, passamos a estudar outros dois que vêm sendo mencionados.

Princípio de alienidade dos riscos
234. Origem

A afirmação, em nosso país, da existência deste princípioque tambêm se chama de a não assunção de riscos - tem sua origem nesta passagem da obra principal de De f"errari, "Lecciones de Derecho dei Trabajo":

"O contrato de trabalho ê o que maior vantagem traz às partes.

"Interessa, em primeiro lugar, porque oferece ao operário, ao homem que não tem recursos nem renda fixa: o salário que recebe regular e periodicamente, quaisquer que sejam as contingências que se produzam, sem necessidade de esperar a venda dos produtos nem de correr os riscos inerentes a toda empresa comercial ou industrial.

"Mas interessa também ao patrão, porque, mediante esse pagamento forfaitaire, o contrato lhe deixa a direção e a responsabilidade da empresa e a propriedade dos produtos, evitando dessa maneira os conflitos derivados do condomínio da produção.

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"Isto que acabamos de dizer tem particular importância, pois confere ao contrato de trabalho o caráter ou natureza de uma operação forfaitajre que servirá depois para resolver, no terreno jurídico, muitas questões acarretadas pela execução do contrato. Compreende-se que, se este que acabamos de expressar é o sentido do pacto que celebram patrões e operários, todos os riscos da exploração devem ficar a cargo da empresa. Dessa maneira, se falta matéria-prima, se diminui a demanda, se se acumulou um grande estoque, se uma máquina se estraga e, por qualquer dessas circunstâncias, nâo se utilizam momentaneamente os serviços do trabalhador, deve-se pagar o mesmo salário como se pagam os juros bancários ou o valor de aluguel do imóvel ocupado pela fábrica. Todas estas contingências que ocorrem na vida industrial devem ser suportadas pelo empregador porque, ao acordar o contrato nos termos pré-indicados, os tomou a seu encargo"633.

Este pensamento é reiterado depois no mesmo livro, ao se referir ao pagamento do salário tanto nas suspensões por razões econômicas como no caso de o trabalhador permanecer à disposição do empresário embora efetivamente não lhe preste o serviço634.

A mesma solução foi aceita por Barbagelata, ao afirmar que os empregadores não estão habilitados a impor suspensões por motivos econômicos, e acrescenta: "Os primeiros critérios se fundamentam em que nenhuma das partes pode desligar-se unilateralmente do cumprimento do contrato e, particularmente, em que, no contrato de trabalho, o operário não participa nem dos lucros nem dos riscos econômicos da empresa"635.

Esta posição recebeu apoios posteriores.

Oscar Ermida Uriarte e Ariel Oianola Montegni escreveram vários anos depois: "De conformidade com os principios fundamentais do Direito do Trabalho, os riscos da empresa correm por conta do empregador, que deve pagar o salário enquanto tem o trabalhador à sua disposição"636.

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Anuar Francês, examinando o problema à luz do Decreto-Lei
n. 15.180, que, ao modificar o regime de seguro-desemprego, introduz a figura da falsa dispensa, diz: "Só por sua presença o Seguro de Paralisação não modifica o princípio justrabalhista de não assunção de riscos". (Cabe observar que os antecedentes doutrinários ele os expõe num capítulo que chama de "O princípio da não assunção de riscos".637

Essa tese foi acolhida pelajurisprudêncía. Num caso, o juiz assim se pronunciou: "Sendo a 'alienidade' da essência do contrato de trabalho, ê óbvio que nada de quanto se relacione com esse tópico deva ser suportado pelo trabalhador, cujo papel no contrato de trabalho limita-se a pôr à disposição do patrão sua energia em troca de um determinado preço que este deve respeitar, possa ou não desenvolver plenamente sua produção, já que se trata de um risco que toca exclusivamente à parte empresariaL a única que, em compensação, usufrui dos lucros do estabelecimento"638. Não se menciona a palavra princípio, mas se deduz sua idêia central. Em outro caso, o Tribunal de Apelaçôes do Trabalho decidiu: "Não êjusto pôr a cargo do trabalhador os riscos da empresa. A falta de trabalho por razôes econômicas deve ser encarada como risco de exploração de exclusiva responsabilidade do patrão ... Se o empresário não consegue dar ocupação ao trabalhador, este mantém íntegros seus direitos ao salário, até que possa ingressar no seguro de paralisação; jamais, porém, pode ficar totalmente desprotegido"639.

235. Opinião diferente

Apesar desses antecedentes, não nos decidimos incluí-lo na lista dos princípios.

O ilustre autor argentino Jorge Rodríguez l'1ancinise indaga se é possível falar de um princípio de alienidade dos riscos e responde negativamente. Alude a sentenças judiciais e trabalhos doutrinários que chamam de princípios fundamentais a elementos configurados das estruturas jurídicas. "Assim acontece" - diz

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textualmente - com o chamado 'princípio de alienidade do risco e de indenização'. Isto acontece como em outros casos em que se denomina princípio o que, em qualquer hipótese, constitui um conteúdo estrutural da relação econômica que dá lugar à relação juridica conhecida como contrato de trabalho. É certo que o principio tutelar ou de proteção ou de favor do trabalhador serve para apoiar soluçôes que levem em conta um sistema de responsabilidade por risco distinto do tradicional ou civilista, mas isto não implica, de modo algum, a existência de um principiojuridico e muito menos 'fundamental' do Direito do Trabalho. Assim como não se poderia falar de 'um princípio de subordinação', referindo-se à posição juridica em que se baseia o contrato de trabalho, tampouco se pode criar um princípio de 'alienidade do risco' e de 'indenização', porquanto ambos os conceitos identificam verdadeiros componentes do contrato de trabalho como uma de-rivação do plano econômico no qual se apóia, quer dizer, a relação capitalista pelo uso do capital como meio de produção, cuja propriedade não pertence ao trabalhador, no centro da qual o risco econômico cabe precisamente ao proprietário do capital".

E, algumas linhas mais abaixo, acrescenta: "Sem prejuízo de uma análise mais profunda do tema, creio que se deve precisar o conceito de princípio jurídico já que, por não ser utilizado corretamente, pode acontecer que virtualidades prôprias dele sejam atribuídas a novos elementos constitutivos de situações ou relações jurídicas, como se acaba de explicar. A função dos princípios jurídicos é muito clara e poderosa e, por isso mesmo, não convém estender o conceito além do que lhe toca por sua natureza, evitando-se assim derivar de um conceito, que não é um princípio jurídico, conclusões infundadas que possam expressar tendências de justiça, mas que carecem de apoio jurídico, como se tem observado ultimamente em alguma doutrina e em sentenças judiciais"640

Em nosso "Curso de Derecho Laboral"641 indicamos as razões pelas quais não se pode considerar que a obrigação de pagar o salário alcance as jornadas em que se permanece ã disposição.

Esse conceito foi utilizado para descrever uma das hipôteses na qual se gerava a licença, apesar de não haver traba-

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Ihado. Cremos que se a diária era paga não seria necessária a referência ou ela teria sido redigida de outra maneira.

Contraria o conceito da obrigação do salário e o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, que leva a sustentar que há contraprestação salarial quando há prestação de trabalho. Esse critério fundamental serve para resolver os casos duvidosos, as situações limítrofes.

Tradicionalmente foram admitidas, na prática, as suspensões por motivos econõmicos (falta de matéria-prima, excesso de estoque, defeitos de maquinaria, etc.), num limite de 15 dias mensais, que surgiram de um costume promovido, na época, pelo Instituto Nacional do Trabalho, que difundiu o critério de que nenhuma suspensão (por qualquer que fosse o motivo) podia exceder 15 dias. Este costume, surgido nos anos 40 e que tem mais de 50 anos de vigência e de observância, atesta um uso consuetudinário que admite as suspensões por razões reais de falta de trabalho, embora o trabalhador esteja à disposiçâo.

A partir do momento em que se criou o seguro-desemprego, em 1958, a cargo de organismos da previdência social, o legislador reconheceu implicitamente que o empregador não tinha obrigaçâo de pagar o salârio durante a suspensâo, pois, se fosse obrigado a fazê-lo, nâo teria sentido o órgão respectivo ter de pagar o subsídio nem o trabalhador se resignar com um percentual, se podia continuar percebendo integralmente o salârio.

Se se tratasse de um risco econômico da empresa, não teria aprovado o seguro de paralisação, que importa um pagamento menor que o salário e a liberação do empregador.

Reconhecemos a complexidade do problema.

Achamos que os principios devem ter respaldo consensual ou quase consensual. Pode haver...

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