Panorama Histórico-Jurídico do Dano Moral

AutorDIOGO LIMA TRUGILHO
Páginas25-52
CAPÍTULO 2
Panorama Histórico-Jurídico do Dano Moral
Investiga-se, neste capítulo, o contexto histórico-jurídico e
algumas das principais fontes de direito que influenciaram os juristas
brasileiros, ao desenvolver suas ideias acerca da reparabilidade do
dano moral.
Esta tarefa secciona-se nas seguintes etapas.
Primeiramente, estudam-se as bases elementares do tema no
Direito romano e no Direito germânico – fontes principais do Direito
português e, por conseguinte, do Direito brasileiro.1 Em seguida,
examina-se de que modo tais matérias foram recepcionadas pelas
Ordenações do Reino, especialmente pelas Ordenações Filipinas.
Depois, estuda-se o jusracionalismo, fruto do Iluminismo, e seu
postulado de sistematização do Direito, que influenciou
sobremaneira a reparabilidade do dano moral.
2.1 Direito romano primitivo
A regra de talião2, consistente na rigorosa reciprocidade entre a
ofensa e a pena, também conhecida como lei do “olho por olho e
dente por dente”3, é a forma mais rudimentar do que atualmente se
concebe por reparação do dano moral. Isto porque a vingança, para
as primeiras civilizações, talvez fosse “a mais eficiente maneira de
se neutralizar, até certo ponto, a dor da vítima”4.
Percebe-se, neste aspecto, indistinção entre responsabilidade
civil e penal, haja vista que reparação confundia-se com punição; na
medida em que a vingança propiciada pela lei de talião punia o
ofensor, proporcionava à vítima certa satisfação pela ofensa
suportada.
Interessa, entretanto, ao presente trabalho, o estudo do instituto
da reparação por “dano moral” com contornos mais próximos do
objeto desta investigação, isto é, quando a “reparação-punição”
passa a consistir em uma prestação pecuniária, e não na
equivalente retribuição ao mal.
O Direito romano primitivo bem representa este período, em que
o castigo corporal é substituído pela pena pecuniária.5
A Lei das XII Tábuas, que data de meados do século V a.C.,
disciplinava que se alguém mutilasse outrem (membrum ruptum),
deveria ser punido com a pena de talião, devendo assim, sofrer a
mesma mutilação que provocou. A vítima poderia, entretanto, optar
pela composição pecuniária.6
No caso de quebra ou fratura de ossos (fractum), o ofensor
deveria pagar 300 asses à vítima, se essa fosse um homem livre, e
150 asses se fosse um escravo. Para as hipóteses de ofensas
corporais mais brandas, a punição equivalia a 25 asses.7
A Lei Aquilia, no século III a.C., introduz o vocábulo dano
(damnum), tão importante para este trabalho. De acordo com a lei, o
damnum injuria datum consistia na destruição ou deterioração da
coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido a coisa corpore et
corpori, sem direito ou escusa legal8, o qual deveria ser reparado
pelo ofensor.
O dano representava, assim, o prejuízo material ilícito.
O damnum injuria datum era disciplinado pela Lei Aquilia em
três partes: a primeira regulava o caso da morte dos escravos ou
dos quadrúpedes, da espécie dos que pastam em rebanho; a
segunda dispunha sobre o dano causado por um credor acessório
ao principal, que faz abatimento da dívida com prejuízo do primeiro;
já a terceira regulava o dano por ferimento causado aos escravos e
animais visados no primeiro capítulo e a destruição ou deterioração
de todas as outras coisas corpóreas.9
Não se encontrou, entretanto, até este período, instituto jurídico
cujo propósito fosse essencialmente reparar a vítima ofendida em
sua moral, sem o viés de punição do ofensor.
2.2 Direito romano clássico
Durante o período clássico do Direito romano10, tem-se o
advento da actio injuriarum æstimatoria. Esta foi, possivelmente, o
primeiro instituto jurídico cuja finalidade precípua era a
compensação da vítima ofendida, com pouco, ou, talvez nenhum
viés punitivo. Contemplava reparação não apenas para os casos de

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT