O reconhecimento dos direitos fundamentais sociais

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O RECONHECIMENTO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
A Revolução Industrial1 transformou o mundo. Na segunda metade do século
XVII já marcava a Inglaterra, desde a invenção da máquina a vapor e das máqui-
nas destinadas a trabalhar o algodão2, onde encontrou condições adequadas para
que os industrialistas ali prosperassem, sob uma política governamental voltada
ao lucro privado e ao desenvolvimento econômico3.
Mas foi a partir dos anos de 1840 que começaram a car evidentes também
fora da Inglaterra os impactos gerados pelas novas tecnologias que davam veloci-
dade e mais qualidade ao poder produtivo, e que deixavam um rastro de pobreza
e miséria, formando uma extensa classe operária e movimentos sociais que atra-
vessaram a Europa4. Esse rastro de pobreza e miséria aparece nos relatos de Engels
1 Hobsbawm acredita que a denom inação de “Revolução Indus trial ” tenha sido cunhad a não
antes dos anos de 1820 por socia listas ing leses e franc eses, provavelmente como ana logia à
revolução polític a francesa. HOBSBAWM, Eri c. e Age Of Revolution, 1789-1848. New York:
Vintage Books, 1996 . p. 27-31 e 109-112.
2 ENGELS, Fri edrich. A situação da Cla sse Trabalhadora em Inglate rra. Tradução de Analia C.
Torres. Porto: Afrontamento, 1975.
3 HOBSBAWM, Eric. e Age Of Revolution, 1789-1848. New York: Vintage Books , 1996.
p. 27-31 e 109-112.
4 Hobsbawm destaca a déc ada de 1830 como marco de uma inovação radic al na política, que foi
o aparecimento da cla sse operária como uma força autocon sciente e independente, na Inglater-
ra e na França, e dos mov imentos nacionalistas em gra nde número nos países europeus; bem
como sua proeminência na hi stória da industria lização e da urba nização na Europa e nos Es ta-
dos Unidos, na história da s migrações urba nas, sociais e geogr ácas, bem como na histór ia das
artes e da ideolog ia; além do início da crise no de senvolvimento da nova sociedade na di reção
das revoluções de 1848 – Pri mavera dos povos. HOBSBAWM, Er ic. e Age Of Revolut ion,
1789-18 48 . New York: Vintage Books, 1996. p. 27-31 e 109-112.
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ANA BORGES COÊLHO SANTOS
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sobre as degradantes condições de vida dos trabalhadores nas áreas industriais
da Inglaterra5, quadro esse que passou a ser designado como “Questão Social” ou
“luta de classes”6.
A Revolução Industrial levou ao desenvolvimento do maquinismo, retirando
principalmente do campo a mão-de-obra, levando à corrente migratória para os
centros industrializados, formando aglomeração de massas operárias, principal-
mente de mineiros, operários da indústria metalúrgica, da tecelagem, da cerâmi-
ca, dos calçados e da indumentária, em precárias condições de trabalho impingi-
das pelos empregadores a esses trabalhadores, em jornadas de trabalho excessivas,
que se tornaram ainda mais extensas com a chegada da iluminação articial, ex-
ploração da mão-de-obra barata de mulheres e crianças, e péssimas condições de
higiene, além das enfermidades do trabalho ou por ele agravadas, os acidentes de
trabalho e da insegurança em face do desemprego7.
Na primeira metade do século XIX, essa situação que demandava, em massa,
a necessidade de suprir carências que envolviam alimentação, vestuário, moradia,
saúde, segurança, e que revelava o desamparo, diante de doenças, velhice e desem-
prego, incitou a organização da classe trabalhadora e ensejou movimentos que
envolviam questões econômicas e sociais. Estava aí criado o embrião dos direitos
sociais conhecidos no mundo contemporâneo, a partir da classe trabalhadora que
formou o proletariado8 e nos movimentos sociais desencadeados pelas precárias
condições de trabalho e de vida.
5 Esses relatos de Engels compreend em os anos de 1842 a 1844 e foram produzidos a parti r de
observações p essoais e ta mbém de outras fontes. ENGEL S, Friedrich. A si tuação da Cla sse
Trabalhadora e m Inglaterra . Tradução de Analia C. Torres. Porto: Afrontamento, 1975.
6 Ferreira Filho a lude à deterioração do quadro social , principalmente nos Estados mais d esen-
volvidos da Europa ocidenta l, e no Estados Unidos, primeiramente na In glaterra e na França
e, posteriormente, nos Es tados Unidos, no norte da península itá lica, nos Estados que viera m
a constituir a A lemanha em 1879 e, em menor grau, na Holanda e na Bé lgica, como a “Questão
Social”, que fotogra fa a situação de penúria e miséria d a classe trabalhadora em u m momen-
to do desenvolvimento capita lista, em que o trabalho era con siderado uma mercadoria como
outra qualquer, e a classe oper ária, margina lizada e excluída dos benef ícios da sociedade, viv ia
em condições subuma nas e sem dignid ade, a que os cientistas s ociais mar xistas se referem
como “luta de classe s”, embora ressalte que considere a “luta de cla sses” como um dos aspectos
da “Questão Socia l”. FERREI RA FILHO, Manoel G onçalves. Direitos Humanos Fundamen-
tais. 15 ed. São Paulo: Sara iva, 2016. p. 39.
7 NASCIMENTO, Am auri Mascaro. Cu rso de Direito do Trabalho. 7 ed . São Paulo: Sara iva,
1989. p. 5-15.
8 Para Hobsbawm o proletar iado é lho da Revoluç ão Industria l e os movimentos socia is o
espectro do Ma nifesto Comunist a. HOBSBAWM, Eric . e Age Of Revolution , 1789-1848.
New York: Vintage Books, 1996. p. 27-31 e 109-112.
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Essa realidade contrastava com as liberdades proclamadas pela Revolução
Americana de 1776 e pela Revolução Francesa de 1789. Os direitos do Homem,
como novo fundamento para as sociedades civilizadas, como Arendt observa, fo-
ram invocados negligentemente durante o século XIX para a defesa dos indivídu-
os contra o poder crescente do Estado9, mas não para alterar a realidade da grande
massa de trabalhadores e de excluídos, social e economicamente.
Caracterizava-se a inércia do Estado, deixando claro que as liberdades revolu-
cionárias eram insucientes para a proteção do trabalhador10, cuja visibilidade na
sociedade se alargou imensamente com a Revolução Industrial. A luta pelos direi-
tos sociais signicou, naquele momento, a necessidade de proteção aos homens,
mulheres e crianças que trabalhavam em condições indignas e em situação de evi-
dente exploração, com baixos salários e com restrição de liberdade e que viviam
em situação de penúria, em condições insalubres, sem saúde, sem dignidade.
Deve-se destacar a importância da Revolução Americana de 1776 e de
Revolução Francesa de 1789 que, além de marcos históricos no mundo ociden-
tal, impulsionadas pelo Iluminismo, continuam a ser a inspiração dos direitos
humanos, no trinômio Liberdade, Igualdade e Fraternidade, modelados, como
observa Daniel Sarmento, “por novas exigências impostas pela consciência ética
dos povos, que a história vai tratando de incorporar ao patrimônio jurídico da
humanidade”11.
Comparato chega a considerar o artigo I da Declaração de 16 de junho de
1776 como o registro de nascimento dos direitos humanos na História, diante
do reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocaciona-
dos, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos, e
que a “busca da felicidade”, repetida na Declaração de Independência dos Estados
Unidos, de 4 de julho do mesmo ano, é a razão de ser desses direitos inerentes à
própria condição humana12.
9 ARENDT, Hanna h. Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto R aposo. São Paulo: Com-
panhia das L etras, 1998. p. 326.
10 Sussekind , Maranhão e Via nna fornecem um rotei ro cronológico da evolução do problema
social e das pr incipais leis aprovada s em vários país es, a parti r de 1750, com os inventos de-
cisivos das máqui nas industriais que marcar am a Revolução Industrial. SUSSEK IND, Arnal-
do; MARA NHÃO, Délio; VIAN NA, Segadas. Inst ituições de Direito do Trabalho. v. 1. 10 ed.
Rio de Janeiro: Freitas B astos, 1987. p. 40-46.
11 SARMEN TO, Daniel. Direitos Fundame ntais e Relações Priva das. Rio de Janeiro: Lumen Jur is,
2004. p. 24.
12 COMPARATO, Fábio Konder. A armação históric a dos direitos humanos. 10 ed. São Pau lo:
Saraiva, 2 015. p. 62.
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