A Reforma Trabalhista e a Violação Constitucional do Acesso à Justiça
Autor | Jasiel Ivo |
Páginas | 191-195 |
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O advento da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, amplamente denominada de Reforma Trabalhista, modificou cerca de cem artigos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, causando profundos reflexos não apenas no Direito Material como também no Direito Processual do Trabalho.
Os argumentos propalados pelos defensores da mudança eram a urgência e a necessidade da reforma para modernizar as relações trabalhistas, atualizando um estatuto normativo datado de 1943, ainda da época de Getúlio Vargas, visando superar o modelo industrial e adequar a Lei à realidade hodierna, na qual prevalece o comércio varejista e o terceiro setor, qual seja, o dos serviços, sobretudo das pequenas e médias empresas.
Alega-se, ademais, que a reforma, simplificando essas relações, será capaz de gerar novos empregos e postos de trabalho, reativando a economia do País e propiciando uma melhor circulação da riqueza.
O presente estudo é uma breve análise dos reflexos da reforma no acesso ao Judiciário, numa abordagem à luz da Constituição Federal de 1988 e também com uma preocupação de compreender o Direito como sistema.
Como o tema está delimitado ao contexto dos reflexos da reforma trabalhista, introduzida no sistema jurídico pela Lei n. 13.467, de 2017, no Direito Processual do Trabalho, é pertinente deixar demarcado que o legislador estabeleceu o período de cento e vinte dias, contados de sua publicação, dia 13 de julho de 2017, para entrar em vigor, cessando a “vacatio legis” em 11 de novembro de 2017, quando passa efetivamente a viger a Lei reformadora.
Parece manifestamente desnecessária qualquer argumentação mais longa quanto ao alcance da Lei ora discutida no tempo, posto que aquela profícua discussão sobre a aplicação da Lei nova aos processos novos, pendentes e findos cessa diante da certeza hoje estabelecida nos arts. 13 e 14 do Código de Processo Civil – CPC, quanto à aplicação das normas processuais, estabelecendo:
Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Isso porque, também parece indiscutível que a aplicação subsidiária destes dispositivos do CPC harmoniza-se com o art. 765 da CLT, consoante previsão de observação subsidiária e supletiva do processo comum ao processo do trabalho.
A Constituição Federal no art. 1º, nos incisos II e III, estabelece como princípios fundantes da República Brasileira a valorização do Trabalho e a dignidade da pessoa humana, inafastáveis no trato do acesso ao Judiciário contra lesão ou ameaça a direito. Assim, preconiza a Constituição Federal da República Brasileira de
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1988, no Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, no Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-dade, nos termos seguintes:
Inciso XXXV da CF – a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Este dispositivo revela e consagra o princípio constitucional do acesso à justiça e à efetividade da tutela jurisdicional.
Seguindo na mesma linha, ainda o art. 5º da Constituição Federal prescreve:
Inciso LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Oportuno relembrar não apenas o clássico da literatura jurídica “Acesso à Justiça”, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth2, como também as ondas3 que dão corpo a esse princípio de acesso ao Poder Judiciário, sendo de mencionar a criação das Defensorias Públicas no âmbito da União e dos Estados, conforme art. 24, inc. XIII e arts. 134 e 135, da Constituição Federal, com a mudanças da Emenda 80, de 2014, os Juizados Especiais Cíveis a que se refere a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, a representação dos interesses difusos, todo esse esforço normativo e providências estatais para homenagear os Direitos de Cidadania, consagrados mais remotamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, os Direitos Humanos de 1789.
Não seria demais relembrar que a Constituição Federal no art. 7º assegura ali os direitos que elenca, além de outros que vissem à melhoria social do trabalhadores urbanos e rurais, e não que os esmague ou oprima. Nossa República tem por finalidade construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, consoante princípios estampados nos incisos de I a IV do art. 3º da CF/88.
Disso resulta que a interpretação da Lei exige a observação da Constituição, de onde retira seu fundamento de validade.
Hans Kelsen4, ao tratar sobre a Função da Constituição, menciona a hierarquia das normas e destaca que a essência da Constituição reside justamente na regulação de criação de normas, de modo que a norma superior sempre fundamenta a validade da norma inferior.
Pois bem, ao contrário disso tudo, desprezando todo esforço e ignorando solenemente toda essa construção teórica e normativa, a Lei n. 13.467/2017, alterou a redação do § 3º do art. 790 da CLT e acrescentou ao mesmo o § 4º, ficando assim redigidos:
§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do regime geral da previdência social.
§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
Por apreço à atividade pragmática, numa tentativa de ligação entre ciência e prática5, conveniente lembrar que nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil – CPC, o próprio reclamante declara ou seu Advogado (a) com o poder especial o faz: “assinar declaração de hipossuficiência econômica”.
No âmbito do processo do trabalho, com a...
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