A regulação independente e o sistema jurídico brasileiro

AutorEdilson Pereira Nobre Júnior
Páginas49-89
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CAPÍTULO II
A REGULAÇÃO INDEPENDENTE E
O SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO
O problema não é o de reiter ar, de forma satura da e improdutiva,
o slogan de ma is ou menos Estado, mas o de legitimar novas
formas e uma nova qualid ade da activ idade do Estado.62
1 – A regulação independente: como e por que
regular?
As palavras variam de significado conforme o lugar e o tempo.
A sua percepção se mostra diferente à medida que se altere o território
ou setor, ou a época, na qual são empregad as. O mesmo sucede com
62 CANOTILHO, J. J. GOMES, “O Estado garantidor: claros-escuros de um con-
ceito”. In: NUNES, António José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda
(Coord.). O Direito e o futuro: o futuro do Direito. Coimbra: Almedina, 2008, p.
574.
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EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR
as instituições e os modelos jurídicos, os quais não possuem uma me-
dida pré-pronta para toda e qualquer situação. Antes, conf iguram uma
argila dúctil que se amolda aos traços culturais de uma sociedade e à
transformação destes pelas injunções do porvir.
Assim acontece com o vocábulo “regulação” que, no campo do
Direito, mais precisamente do Direito Administrativo-econômico,
ostenta uma carga semântica específica, encoberta no gênero “ato ou
efeito de regular-se”.
Perspicaz, a comparação desenvolvida por Juan Miguel de la
Cuétera Martínez,63 no sentido de que os reguladores, sejam físicos ou
sociais, notabilizam-se por organizar e estabilizar a atuação de forças
importantes mediante o uso de pequenos artif ícios, tais como o ter-
mostato de uma ca lefação ou de um ferro elétrico.
Nesse diapasão, para o autor, o regulador socia l, de que é espécie
o regulador econômico, vi sa a manter as poderosas forças que emergem
do afã de lucro e da inovação tecnológica no encerro de certos limites,
fazendo-o pela atuação sobre elementos concretos do mercado, de que
é exemplo a fixação de preços de determinados bens ou serviços, a
transparência de determinadas ofertas, algumas cláusulas contratuais
obrigatórias, certas obrigações do serviço público etc.
Em resumo, para o autor, a regulação equivale a “abrir e
fechar válvulas e orientar vetores ou, o que é o mesmo, em fixar
quantidades, determinar preços, atribuir direitos etc., respondendo
a interações do setor”.64
63 MARTÍNEZ, Juan Miguel de la Cuétera. In: COSTA, Almeida; SOARES,
Ehrhardt; NEVES, Castanheira; PORTO, Lopes; COSTA, Faria (Coord.). Os
caminhos da privatização da Administração Pública. Boletim da Faculdade de Direito
de Coimbra - Studia Iuridica, vol. 60. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 195.
64 “abrir y cerrar válvulas y orientar vectores o, lo que es lo mismo, en fijar cantida-
des, determinar precios, atribuir derechos etc, respondiendo a las interacciones del
sector” (loc. cit.).
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CAPÍTULO II – A REG ULAÇÃO INDEPE NDENTE E O SISTEM A...
Outra proposta de def inição é deline ada por Juan Montero Pascual,65
ao acentuar que a regu lação se consubstancia na ativ idade admini strativa
de controle contínuo de um mercado, a ser concretizada mediante a
imposição aos seus operadores de obrigações jur ídicas proporcionais,
com o propósito de interesse gera l, conforme valoração realizada pela
Administração num âmbito de discricionariedade extraordinária.
Enumera, a esse propósito, elementares, quais sejam: a) ser uma
atividade da Administração, uma vez se desenrolar, no fundamental,
mediante disposições e atos administrativos; b) a alteridade, pois pres-
supõe um regulador e um regulado; c) consistir numa atividade de
controle das entidades reguladas, mediante a imposição de obrigações
jurídicas a estas; d) a continuidade, tendo em vista que a inter venção
não se produz de forma isolada no tempo, a demonstrar o seu caráter
dinâm ico; e) a atribuição pelo ordenamento de discricionar iedade para
a imposição de obrigações aos regulados.
Já Rivero Ortega,66 em se socorrendo da definição constante do
dicionário da Real Academia Espanhola – que não deixa de reputar
insuf iciente –, diz que a regulação remete a vá rias ideias, dentre as qua is
a de ajustar o funcionamento de um sistema a determinados fins ou
de determinar as regras ou normas às quais deve se ajustar uma pessoa.
Logo em seguida, enxerga a existência de duas categorias, sendo
uma delas a reg ulação econômica em sentido estrito, que se caracteriza
por se ref letir diretamente sobre o f uncionamento do mercado (lim itação
do número de operadores, barreiras para entrada no mercado, fixação
de preços etc.), diferenciando-se de uma regulação de caráter social, as
quais, sendo exemplos uma proteção da saúde ou dos consumidores,
também produzem efeitos econômicos consideráveis. Isso sem descon-
siderar o inverso, ou seja, que as regulações tipicamente econômicas,
65 PASCUAL, Juan José Montero. “La actividad administrativa de regulación: defi-
nición y régimen jurídico”. Revista Digital de Derecho Administrativo, n. 12, segundo
semestre/2014, pp. 27-32.
66 ORTEGA, Ricardo Rivero. Derecho administrativo económico. 5ª Ed. Madri: Marcial
Pons, 2009, p. 23.

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