A responsabilidade civil dos atos autônomos da inteligência artificial
Autor | Talita Bruna Canale e Gabriela Samrsla Möller |
Páginas | 281-318 |
A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ATOS
AUTÔNOMOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Talita Bruna Canale
Bacharel em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina/SC. Advogada.
talita@advocacia.the.br
Gabriela Samrsla Möller
Doutoranda em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus de
Chapecó/SC, gabriela.moller@unoesc.edu.br
Sumário: Artigo I 1. Introdução – Artigo II 2. A inteligência articial: presente e futuro da tecno-
logia; 2.1 Atos autônomos da inteligência articial – 3. Natureza jurídica dos atos autônomos da
inteligência articial de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro; 3.1 Breves apontamentos
sobre a responsabilidade civil segundo o ordenamento jurídico brasileiro – Seção 2.01 3.2 Natureza
jurídica reconhecida aos atos autônomos da inteligência articial; (a) 3.2.1 A inteligência articial
como ferramenta; (b) 3.2.2 A inteligência articial como produto; (c) 3.2.3 A responsabilidade civil
pelo risco da atividade; (d) 3.2.4 A inteligência articial como obra prima – Artigo III 4. Análise
de legislações brasileiras e internacional sobre a responsabilidade civil pelos atos autônomos da
inteligência articial – Seção 3.01 4.1 Análise sobre os Projetos de Lei 5051/2019, 5691/2019,
21/2020 e 240/2020 – Seção 3.02 4.2 Direito internacional sobre robótica – Artigo IV 5. Conside-
rações nais – Artigo v 6. Referências.
ARTIGO I 1. INTRODUÇÃO
A inteligência artificial já não é mais obra de ficção científica. Em robôs, pro-
gramas de computadores e carros autônomos essa tecnologia já é aplicada. Um dos
pressupostos da inteligência artificial, caro a essa pesquisa, é a sua autonomia; isto
é, alguns dos seus atos não são programados, mas são resultados da série de dados
inseridos com a combinação da capacidade de aprender. A interação dessa inteligência
com a sociedade no dia a dia traz algumas implicações jurídicas, pois pode ocorrer
situações em que se verifique lesão ou ameaça aos direitos.
A título de exemplo, nos Estados Unidos já ocorreram diversos acidentes en-
volvendo a inteligência artificial1, causados por ações independentes de uma direção
ou instrução determinada por um ser humano. Esses acidentes terão consequências
cíveis e será necessária uma resposta jurídica adequada. No ordenamento jurídico
1. Nos Estados Unidos, no ano de 2019, em Las Vegas durante uma feira de tecnologia um carro autônomo
atropelou um robô no estacionamento. VÍDEO flagra o momento em que carro autônomo atropela robô.
Galileu, 09 jan. 2019. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/01/video-
-flagra-o-momento-em-que-carro-autonomo-atropela-robo.html. Acesso em: 28 abr. 2021.
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brasileiro ainda não existe um regulamento ou sequer uma orientação de como serão
sanadas as lides envolvendo a inteligência artificial.
O Código Civil e a Constituição da República Federativa do Brasil asseguram
o direito de indenização aos danos produzido pelos atos ilícitos. Existem no orde-
namento jurídico brasileiro alguns tipos de responsabilidades, entre elas a objetiva
e subjetiva, bem como a responsabilidade regulamentada pelo Código de Defesa do
Consumidor. Elas buscam solucionar as situações de indenização quando for resul-
tado de atos ilícitos na seara cível.
Sobre o tema, até o momento foram propostos quatro projetos de leis de números:
5.051 de 20192, 5.691 de 20193, 21 de 20204 e 240 de 20205 que buscam trazer orien-
tações e estabelecer diretrizes sobre o tema. O Projeto Lei 5.059 de 2019 estabelece
princípios básicos para o uso da inteligência artificial6. O segundo busca instituir a
Política Nacional de Inteligência Artificial7. O Projeto de Lei 21 de 20208, assim como
o projeto de lei 5.051, busca regulamentar o uso e estabelecer diretrizes acerca do da
inteligência artificial. O último por sua vez é titulado como Lei de Inteligência Artificial9.
O direito brasileiro não concede personalidade jurídica aos robôs. Em consequ-
ência, são classificados como coisas e, naturalmente alguém precisa ser responsável
para indenizar os prejuízos causados por seus atos autônomos. Logo, fica a dúvida de
quem será a responsabilidade por esses atos, razão pela qual se justifica a escolha do
tema, dada a relevância que essa tecnologia vem ganhando sociedade e das dúvidas
que surgem quanto à natureza jurídica da responsabilização.
2. BRASIL. Projeto de Lei 5051/2019. Estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil.
Gabinete do Senador Styvenson Valentim. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/docu-
mento?dm=8009064&ts=1594036674670&disposition=inline. Acesso em 17 jul. 2021.
3. BRASIL. Projeto de Lei 5691/2019. Institui a Política Nacional de Inteligência Artificial. Gabinete do Senador
Styvenson Valentim. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8031122&t-
s=1594037338983&disposition=inline. Acesso em: 17 jul. 2021.
4. BRASIL. Projeto de Lei 21/2020. Estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial
no Brasil, e dá outras providências. Gabinete do Eduardo Bismarck. Disponível em: https://www.camara.
leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1853928. Acesso em: 17 jul. 2021.
5. BRASIL. Projeto de Lei 240/2020. Cria a Lei da Inteligência Artificial, e dá outras providências. Gabinete
do Léo Moraes. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessio-
nid=78B9A799B3FF6A759EBAFDF58140E02B.proposicoesWebExterno1?codteor=1857143&filena-
me=PL+240/2020. Acesso em: 17 jul. 2021.
6. BRASIL. Projeto de Lei 5051/2019. Estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil.
Gabinete do Senador Styvenson Valentim. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/docu-
mento?dm=8009064&ts=1594036674670&disposition=inline. Acesso em 17 jul. 2021.
7. BRASIL. Projeto de Lei 5691/2019. Institui a Política Nacional de Inteligência Artificial. Gabinete do Senador
Styvenson Valentim. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8031122&t-
s=1594037338983&disposition=inline. Acesso em: 17 jul. 2021.
8. BRASIL. Projeto de Lei 21/2020. Estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial
no Brasil, e dá outras providências. Gabinete do Eduardo Bismarck. Disponível em: https://www.camara.
leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1853928. Acesso em: 17 jul. 2021.
9. BRASIL. Projeto de Lei 240/2020. Cria a Lei da Inteligência Artificial, e dá outras providências. Gabinete
do Léo Moraes. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessio-
nid=78B9A799B3FF6A759EBAFDF58140E02B.proposicoesWebExterno1?codteor=1857143&filena-
me=PL+240/2020. Acesso em: 17 jul. 2021.
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Nesse sentido, pergunta-se: qual a atual resposta jurídica reconhecida pelo ordena-
mento jurídico brasileiro aos atos autônomos praticados pela inteligência artificial? Com
essa resposta, passa-se a um segundo questionamento abordado pela pesquisa: como é
a resposta jurídica brasileira em face de algumas selecionadas legislações internacionais
sobre o tema, ou seja, consistem as respostas do sistema jurídico brasileiro em avançadas
respostas? A hipótese é a de que os atos da inteligência artificial devem ser imputados
àqueles que possuem personalidade jurídica, seja aqueles que desenvolvem o algoritmo
ou software, porque possuem dever de guarda/vigilância, ou porque vieram a criar o risco,
ou seja, por estarem mais próximos ao controle da inteligência artificial. Ainda, seria essa
responsabilização objetiva, ou seja, sem aferição de culpa do responsável.
O objetivo desse artigo é iniciar uma discussão sobre quem será responsável
pelos danos causados pela inteligência artificial e qual é a natureza jurídica desses
atos autônomos, bem como verificar se os projetos de leis brasileiros estão em con-
sonância com os estudos mais avançados sobre o assunto. Nesse sentido, para se
alcançar o objetivo geral, o trabalho foi divido em três capítulos.
Inicialmente, será exposto sobre a inteligência artificial, apresentando-se alguns
conceitos importantes dela, quais tecnologias são utilizadas, bem como as capacidades
que ela precisa possuir para ser considerada uma inteligência artificial. No segundo
capítulo será explorada a natureza jurídica dos atos autônomos da inteligência ar-
tificial. O capítulo em questão é dividido em quatro subcapítulos e, nele, busca-se
explorar a resposta jurídica atualmente reconhecida à responsabilização dos atos
autônomos da inteligência artificial. No terceiro e último capítulo, será analisado as
propostas legislativas que versam sobre o tema.
Atualmente, já existem legislações sobre a inteligência artificial em vigor, como
por exemplo o Japão, Correia do Sul e a União Europeia. Outros, ainda não foram
aprovadas. Verifica-se que a União Europeia, atualmente, possui a legislação mais
avançada no mundo: no ano de 2017 o Parlamento Europeu aprovou as recomen-
dações e disposições sobre robôs e inclusive sobre a inteligência artificial, estabele-
cendo os responsáveis pela indenização nos casos em que ela, inteligência artificial,
é responsável pela ocorrência do fato danoso.
A pesquisa será desenvolvida sob o método científico dedutivo, utilizando-se de
pesquisa bibliográfica nacional e internacional sobre o tema. Será também utilizada
como método auxiliar o comparativo no que tange à análise de legislações interna-
cionais que abordem a responsabilidade civil por atos autônomos da inteligência
artificial, para que seja verificado se os projetos de leis brasileiros propostos estão
em consonância com o que há de mais avançado sobre o assunto.
ARTIGO II 2. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: PRESENTE E FUTURO DA
TECNOLOGIA
Sobre a história e o desenvolvimento da inteligência artificial é importante com-
preender sua evolução com o passar das décadas. Cada nova descoberta, por mais
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