Virtude e rebeldia contra a normose da tecnologia

AutorCharles Emmanuel Parchen
Páginas263-279
VIRTUDE E REBELDIA CONTRA A
NORMOSE DA TECNOLOGIA
Charles Emmanuel Parchen
Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR (2020). Mestre em
Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR (2014). Especialista em Direito
Privado pela Universidade Gama Filho-RJ (2009). Especialista em Processo Civil pela
PUC-PR (2005). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba-Unicuritiba/
PR (2003). Professor do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba-Unicuritiba/
PR. Professor do Curso de Administração de empresas e Engenharia Civil do Unicu-
ritiba/PR. Professor convidado da pós-graduação na Academia Brasileira de Direito
Constitucional – ABDConst/PR. Professor da Pós-Graduação em Direito Digital da
PUCPR. Professor da Pós-Graduação em Direito do Consumidor da PUCPR. Professor
da Pós-Graduação em Obras Religiosas das Faculdades Vicentina-PR. Membro titular
da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. O papel das virtudes sob a ótica de Agnes Heller, Ferenc Fehér e José
Ingenieros – 3. A importância da norma e da conduta; 3.1 A normose e a lei como virtude; 3.2 A
desobediência sob a ótica de Ronald Dworkin – 4. Para além da desobediência civil: a rebeldia
como uma questão de virtude – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Uma breve observação da contemporânea sociedade tecnológica brasileira
permite asseverar que ela experimenta um alto grau de dependência das novas tec-
nologias, especialmente dos algoritmos informáticos e das redes sociais que, não
raras vezes, são falhas, injustas ou despiciendas.
O problema não está na tecnologia ou na plataforma informática em si, mas sim
nas consequências de ordem socioambiental derivadas da relação usuário-hardware -
-software e também do excesso de uso das referidas aplicações. É o que se verif‌ica
como atual fenômeno no Brasil, pois tem-se uma média de uso de 5,4 horas diária
com aplicações baseadas em Internet, o que coloca o país em primeiro lugar em um
ranking aferido pela Revista Forbes1.
O fato é que depender tanto de softwares e tecnologias de terceiros faz com que
as chamadas Big Techs (grandes empresas de tecnologia) se aproximem muito, em
sua forma de atuar no Mercado, de uma concepção de autoridade tirânica que tem
o potencial de obliterar direitos e com consequências graves e ruins para todos a
sociedade.
1. FORBES. Top 10 Apps By Downloads And Revenue Q2 2021: Report. Disponível em: https://www.forbes.com/
sites/johnkoetsier/2021/07/15/top-10-apps-by-downloads-and-revenue-q2-2021-report/?utm_campaign=-
forbes&utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_term=Carrie&sh=2300ba693295. Acesso em:
28 set. 2021.
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A respeito desta af‌irmação, cumpre esclarecer que no capítulo três de sua obra
“Economia e sociedade: fundamentos de uma sociologia compreensiva”, Max Weber
traz três tipos de dominação da autoridade: a de caráter racional; a de caráter tradi-
cional e a de caráter carismático. A primeira, baseada “na crença na legitimidade das
ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens,
estão nomeados para exercer a dominação”2.
A segunda, “baseada na crença cotidiana na santidade das tradições vigentes des-
de sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam
a autoridade”3. A terceira, “baseada na veneração extra cotidiana da santidade, do
poder heroico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas
ou criadas”4.
E é com base na absoluta f‌idelização e extrema conf‌iança depositada pelos
usuários em, por exemplo, redes sociais, que o primeiro e também o terceiro tipo de
dominação a que se refere Weber podem ser relacionadas às mais relevantes tecno-
logias modernas, como uma forma de justif‌icar seus atuais status de dominância que
vilipendia os mais elementares direitos de personalidade do indivíduo, tais como
honra, imagem, privacidade, intimidade e liberdade de informação e de expressão.
Isto sem falar no fato de que, diante de tantas disparidades, f‌ica claro que a ex-
trema dependência tecnológica fulmina os princípios constitucionais da igualdade e
isonomia, especialmente quando algoritmos obliteram, sem qualquer preocupação
com transparência, neutralidade e ampla informação, determinados tipos de con-
teúdo ideológicos que são unilateralmente considerados nocivos aos seus modelos
de negócios.
Portanto, pode-se inferir que tecnologias como redes sociais e algoritmos nor-
malizam em excesso e conduzem arbitrariamente a adoção de comportamentos que
tem a potencialidade de causar, não raras vezes, raiva, espanto, ódio e indignação:
endêmica, a insistência em normalizar e engajar usuários vai gerar uma patologia
social nefasta e que precisa ser duramente combatida: a normose.
Reconhecendo que as virtudes são fundamentais para a construção de um
“bom cidadão” e para a felicidade individual e coletiva, por intermédio do método
dedutivo o presente estudo tem por escopo sugerir a adoção da rebeldia como um
virtuoso comportamento contrário ao de uma sociedade tecnológica normótica, que
é estagnada, medíocre e inerte.
Neste sentido, defende-se a rebeldia também como viável solução de reergui-
mento e empoderamento do Ser Humano, permitindo a este ser quem efetivamente
ele é: essencialmente errático, etéreo e ao mesmo tempo, fascinantemente incons-
2. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de uma sociologia compreensiva. Brasília, UNB, 1999.
p.140-141.
3. Ibidem, p. 140-141.
4. Ibid, p. 140-141.
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