Responsabilidade civil nos sites de redes sociais

AutorJoão Victor Rozatti Longhi
Páginas57-91
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RESPONSABILIDADE CIVIL
NOS SITES DE REDES SOCIAIS
2.1 CONCEITOS ESTRUTURANTES: O CAMINHO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
NA DOUTRINA E NAS CORTES SUPERIORES ANTES E DEPOIS DO MARCO
CIVIL DA INTERNET
Bruno Miragem, previamente à vigência do Marco Civil da Internet, asseverou
que os regimes de responsabilidade dos provedores de Internet, embora possam variar
quanto à norma aplicável, assemelham-se quanto às consequências. Assim, ainda que
se entenda pela aplicação do Código Civil, em muitos casos, a atividade habitualmente
desenvolvida é capaz por si só de ocasionar a responsabilidade por risco da atividade,
nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Logo, dão causa a risco de
danos a terceiros, aproximando-se “sensivelmente do regime de responsabilidade por
danos imposto aos fornecedores de serviço do Código de Defesa do Consumidor.”1
Por seu turno, parte da doutrina posiciona-se de forma diversa, com grande res-
paldo jurisprudencial. Apoiam-se na ausência do chamado dever geral de vigilância
pelo provedor de serviço de Internet. Especialmente, após a vigência do Marco Civil.
Em primeiro lugar, na legislação estrangeira, o artigo 15, apartado primeiro, da
Diretiva 2000/31 da Comunidade Europeia, conjunto de normas que trata das relações
de mercado ligadas à Internet, prevê uma cláusula de exclusão da obrigação geral de
vigilância por parte do provedor para com seus usuários.2
Além disso, nos Estados Unidos, a legislação traz uma série de conceitos legais
sobre Internet e estabelece severas sanções para os responsáveis pela publicação
através da Rede de conteúdo e ilícito, equiparando-se a este o conteúdo “moralmente
reprovável”3. O texto legal enuncia normas que exime os provedores de “dever de
1. Cf. MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade por danos na sociedade da informação e proteção do consumidor:
defesas atuais da regulação jurídica da Internet. Revista de Direito do Consumidor. Ano 18. n. 70. Abr-jun./2009.
São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 51.
2. “1. Os Estados Membro não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos
12º, 13º e 14º, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou
uma obrigação geral de procurar ativamente fatos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.”
3. Para análise da problemática da moral pública como limite à liberdade de expressão pela jurisprudência estran-
geira, mormente a norteamericana, V. LEDESMA, Héctor Faúndez. Los límites de la libertad de expresión. Mexico:
Unam, 2004. pp. 598 e ss.
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vigiar intensamente seus usuários”4, futuramente chamado de “obrigação geral de
vigilância” pelos europeus.
Dessa maneira, o provedor de hospedagem somente seria responsabilizado uma vez
notif‌icado da presença de material ilícito no site. Além disso, com a demora excessiva
em retirar determinado conteúdo, tal acarretaria sua culpa por negligência e, portanto,
a responsabilidade subsidiária em conjunto com o ofensor. Nesse sentido, af‌irma Marcel
Leonardi:
Nota-se, portanto, que a responsabilidade dos provedores de hospedagem por atos ilícitos é subjetiva,
advindo apenas de eventual conduta omissiva, de negligência ou imprudência, tendo aplicação o art.
186 do Código Civil. A responsabilidade somente poderá ser invocada caso o ISP e o hosting service
providers, avisados sobre o conteúdo ilícito da página, insistirem em mantê-la.5
É o que também conclui Sônia Aguiar do Amaral Vieira, para quem a responsabili-
dade dos hosting service providers será sempre subjetiva, sendo preciso se apurar a culpa
para conf‌iguração da obrigação de prestar indenização por danos materiais ou morais.6
A dita excludente apoia-se no chamado princípio do f‌irst notice, then takedown,
oriundo da sistemática legal norte-americana. Segundo Guilherme Magalhães Martins,
“tal sistema permite aos provedores, após tomar conhecimento da existência de material
ilegal em seus servidores, removê-lo sem a necessidade de medidas judiciais específ‌icas
para tal f‌im”7
Não obstante, conforme salientado, este foi no primeiro momento a fundamentação
utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça para mitigar a responsabilidade por danos
morais do provedor.
Ao citar as normativas estrangeiras mencionadas, concluiu a jurisprudência naquele
momento que seria impossível o controle prévio do conteúdo inserido pelos usuários,
sendo que, somente após notif‌icado, o provedor responderia solidariamente com o
causador do ato ilícito, por culpa in omittendo, devendo removê-lo “sem delongas”.8
Alguns precedentes subsequentes proferidos à época pelo Tribunal revelavam que a
jurisprudência da Corte se consolidaria nesse sentido. Em caso posterior, consignou-se
4. SEC. 230. PROTECTION FOR PRIVATE BLOCKING AND SCREENING OF OFFENSIVE MATERIAL. [...] ‘(1) TRE-
ATMENT OF PUBLISHER OR SPEAKER No provider or user of an interactive computer service shall be treated as the
publisher or speaker of any information provided by another information content provider. (2) CIVIL LIABILITY No
provider or user of an interactive computer service shall be held liable on account of (A) any action voluntarily taken in
good faith to restrict access to or availability of material that the provider or user considers to be obscene, lewd, lasci-
vious, f‌ilthy, excessively violent, harassing, or otherwise objectionable, whether or not such material is constitutionally
protected; or (B) any action taken to enable or make available to information content providers or others the technical
means to restrict access to material described in paragraph (1). FEDERAL COMMUNICATIONS COMMISSION,
op. cit, online.
5. LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviço de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2005. p. 176.
6. Cf. VIEIRA, Sonia Aguiar do Amaral. Inviolabilidade da vida privada e da intimidade pelos meios eletrônicos.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 145.
7. MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade (cit). p. 307.
8. Cf. STJ – Recurso Especial 1193764 /SP – TERCEIRA TURMA – Relatora. Ministra NANCY ANDRIGHI – Julga-
mento 14/12/2010 – Informativo de jurisprudência nº 0460.
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inclusive que os deveres específ‌icos do provedor de hospedagem para evitar a respon-
sabilização solidária com o usuário infrator restringir-se-iam a registrar “o número de
protocolo (IP) na Internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada
conta,” o que seria “um meio razoavelmente ef‌iciente de rastreamento dos seus usuários,
medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade
de provedor, ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários.”9
Contudo, foi possível se verif‌icar em precedentes posteriores alteração da juris-
prudência contra os provedores.
Primeiramente, a mesma turma reconheceu a responsabilidade civil do provedor
por dano moral após deixar de retirar material ofensivo do site de rede social, mesmo
depois de notif‌icado. Reaf‌irmando a aplicação do CDC ao caso, ressaltou que o forne-
cedor não responde objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações
ilegais, haja vista que o controle prévio estaria fora do risco por ele assumido ao ofertar
o serviço. Não obstante, salientou que o provedor deverá retirá-los do ar uma vez ha-
vendo “conhecimento inequívoco da existência desses dados”, devendo, ainda, “manter
9. EMENTA: CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUI-
DADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS
INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO
OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA
DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA
IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.
1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei 8.078⁄90.
2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de con-
sumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma
ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.
3. A f‌iscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário
não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art.
14 do CDC, o site que não examina e f‌iltra os dados e imagens nele inseridos.
4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui
risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva
prevista no art. 927, parágrafo único, do CC⁄02.
5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma
enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do
dano, em virtude da omissão praticada.
6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve
o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identif‌icar cada um desses usuários,
coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência
média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específ‌icas de
cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização
subjetiva por culpa in omittendo.
7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que registra o número de
protocolo (IP) na internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta mantém um meio
razoavelmente ef‌iciente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência
média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
8. Recurso especial provido.
(STJ – RECURSO ESPECIAL 1.186.616 – MG (2010⁄0051226-3) – REL. MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Julgado
em 23/8/2011 – Informativo 481 de agosto de 2011).
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