A revolução das comunicações, o fenômeno da internet e as redes sociais

AutorJoão Victor Rozatti Longhi
Páginas1-55
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A REVOLUÇÃO DAS COMUNICAÇÕES,
O FENÔMENO DA INTERNET
E AS REDES SOCIAIS
1.1 OS DESAFIOS IMPOSTOS AO DIREITO PELA DIFUSÃO DAS NOVAS
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO
A revolução das comunicações é apontada por muitos como uma das principais
transformações da atualidade. “Bomba das telecomunicações” para Albert Einstein,1
“terceira onda” para Alvin Toef‌ler,2 “aldeia global” para Marshall McLuhan3 ou mesmo
“sociedade do espetáculo” para Guy Debord4 são alguns dos consagrados títulos que
procuram ilustrar as consequências sociais advindas das mudanças tecnológicas dos
últimos anos.
Especif‌icamente, é certo que a popularização da Internet trouxe consigo alterações
em vários segmentos da vida social. Por uma simples comparação entre antes e depois
é possível perceber como a massif‌icação do uso da Rede5 modif‌icou signif‌icativamente
o quotidiano daqueles que possuem acesso frequente a ela.
Entretanto, sabe-se que é com acuidade que devem ser encaradas todas as grandes
mudanças aparentes, principalmente pela ciência jurídica. Af‌inal, sob outro prisma, é
possível notar que muitas das transformações alteram apenas a forma embora a essência
permaneça a mesma. Ou seja, a metáfora do impacto é inadequada. As técnicas novas
1. Segundo Pierre Lévy, a expressão teria sido dita por Einstein, quem indicou as “bombas” atômica, populacional
e das telecomunicações como as grandes transformações do Séc. XX. Cf. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos
Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999. p. 20.
2. Cf. TOEFLER, Alvin. The third wave. New York: Banthan Books, 1980. Passim.
3. Cf. MCLUHAN, Marshall; POWERS, Bruce R. La aldea global. Transformaciones en la vida de los medios de comu-
nicación mundiales en el siglo XXI. Barcelona: Gedisa, 1989. Passim.
4. DEBORD, Guy. Sociedade do espetáculo. Trad. Raílton Souza Guedes. São Paulo: Ed. Ebooksbrasil.com, 2003.
Disponível em: [http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf]. Acesso em: 15 jan. 2020. Passim.
5. O termo “internet” formou-se da aglutinação dos vocábulos international e net, oriundos do inglês. Portanto, faz
menção a uma espécie de rede internacional. A razão é histórica e se trata de um dos assuntos a serem abordados
neste capítulo. Por ora, apenas se deve salientar que vocábulos como “Rede” (com letra maiúscula), web, net,
dentre outros, serão usados como sinônimos, fazendo menção à Internet, à rede mundial de computadores como
um todo. Prescindir-se-á do destaque como palavra estrangeira uma vez que foi incorporada ao Vocabulário
Ortográf‌ico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Cf. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
Vocabulário ortográf‌ico da língua portuguesa. Disponível em: [http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/
sys/start.htm?sid=23]. Acesso em: 11 jan. 2020.
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RESPONSABILIDADE CIVIL E REDES SOCIAIS • JOÃO VICTOR ROZATTI LONGHI
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não vêm de “outro planeta”, do “mundo das máquinas”, frio, sem emoção, estranho a
toda signif‌icação e qualquer valor humano.
Ao revés, são concebidas, fabricadas e reinterpretadas durante seu uso pelos
homens, como também é o próprio uso intensivo das ferramentas que constituem a
humanidade enquanto tal. Em outras palavras, a tecnologia não é um ator autônomo,
separado da sociedade e da cultura e as novas técnicas que constituem o funcionamento
da Rede são apenas parte dos fenômenos humanos que, ainda que pré-programadas,
não agem por vontade própria.
As atividades humanas abrangem, invariavelmente: pessoas vivas e pensantes;
entidades materiais naturais e artif‌iciais; ideias e representações. E como um fruto desse
complexo mosaico deve ser compreendida a Internet.6
Por seu turno, se a Internet corresponde a apenas mais um aspecto da cultura
humana, passa-se a perquirir qual o atual papel do direito e como esta outra insepará-
vel faceta de nossa civilização adquire vida no universo imaterial da Rede das redes.
Em outros termos, o direito, desde o advento e popularização da Internet, deparou-se
com seus próprios limites, cabendo ao jurista aferir quais as inf‌luências que as últimas
décadas trouxeram à milenar ciência jurídica.
Por sua vez, sem titubear, ensinam-se desde as primeiras lições do estudo de direito
os clássicos brocardos ubi societas, ibi jus e ubi jus, ibi societas. Ou seja, aprende-se que
onde está a sociedade o direito invariavelmente haverá de estar e vice versa.7
Entretanto, não f‌ica tão evidente que são muitas societas e muitos jus ao longo das
diferentes épocas históricas e civilizações, fato que só uma abordagem interdisciplinar e
consciente do momento atual por parte dos juristas pode desnudar. É a premissa basilar
da obra de Pietro Perlingieri. “Sob este perf‌il é verdade que não há societas sem ius, mas
também é verdade que o ius é parte da societas e vice-versa,” af‌irma.
Enumera, assim, corolários que considera propedêuticos para a compreensão do
direito civil na legalidade constitucional: a. Historicidade da societas e historicidade do
ius são um todo unitário; b. O ius coincide com a societas sem exaurir-se na pura nor-
matividade; c. O ius, que justamente pode se def‌inir totalidade da experiência jurídica,
é, como qual totalidade, necessariamente complexidade; d. A complexidade do ius não
exige que se perca sua necessária complexidade; e. Tal unidade conceitual é síntese
individual somente na efetividade da sua aplicação.”8
Volta-se, então, às transformações ocorridas no âmbito das relações privadas com
o maciço uso da Internet.
6. Cf. LEVY, Pierre. Cibercultura (cit.) pp. 21-22.
7. “O Direito está em função da vida social. [...] O silogismo da sociabilidade expressa os elos que vinculam o ho-
mem, a sociedade e o Direito: Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus; ergo, Ubi homo, ibi jus (onde o homem, aí
a sociedade; onde a sociedade, aí o Direito; logo, onde o homem, aí o Direito).”. NADER, Paulo. Introdução ao
estudo do direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 30.
8. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 194
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Se há pouco se lançou o emblema web 2.0,9 em que as ferramentas da rede mundial
de computadores levam o usuário a inserir maciçamente dados, cujos bancos armaze-
nados têm valor grande pecuniário, é certo que, numa atmosfera dominada por regimes
proprietários e movida por interesses mercadológicos, outros slogans virão. E com eles
atrativos discursos para justif‌icar modelos de negócios altamente lucrativos.
Contudo, olvida-se da outra face desta realidade.
Af‌inal, por um lado, no mundo atual, tudo se tornou mercadoria.10 A personalidade,
a identidade, a intimidade, a subjetividade, o corpo etc. Não obstante, em sentido dia-
metralmente oposto, a ciência do direito contemporânea tem despendido esforços para
a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana que, mais do que um princípio,
tornou-se o eixo gravitacional deste novo “jus”.
Contudo, a simples menção à dignidade não basta. É preciso que se operaciona-
lizem regras de proteção aos inúmeros aspectos de expressão da pessoa, hoje elevados
à condição de bens, mas ainda intrinsecamente ligados a valores existenciais. Função
que a lei não tem cumprido adequadamente.
Portanto, nas palavras de Gustavo Tepedino, “cabe à doutrina do direito civil esta-
belecer parâmetros para tutelar a pessoa humana diante dos novos bens jurídicos que se
tornam objeto de situações existenciais suscitadas pelo avanço das novas tecnologias.”11
Assim, é mister a existência de regras objetivas e palatáveis sobre privacidade, circu-
lação da imagem, proteção da honra, liberdade de expressão, comunicação e informação,
dentre tantos outros valores inegavelmente colidentes e invariavelmente carentes de
ponderação por conta do intérprete. Nunca em abstrato, sempre em concreto.
Além disso, mais especif‌icamente, a responsabilidade civil também sofreu grandes
transformações nos últimos tempos. As bases dogmáticas do instituto foram as que
mais sentiram as mudanças sociais dos últimos tempos. A campainha de um alarme que
alerta quando muitos danos indenizáveis passam a decorrer de um mesmo fato.12 Como
fatores que ocasionam seu disparo, o alargamento da noção de dano, principalmente o
moral, e a erosão dos f‌iltros à sua reparação, tais como o nexo de causalidade e a culpa.
Vive-se a era dos danos “anônimos”. Simultaneamente, em um momento em que os
gadgets” da web fomentam a livre circulação de imagem, voz e outros dados pessoais nos
inúmeros sites de relacionamento em todo o mundo. O anonimato na Net é facilmente
9. V. Capítulo 2.
10. “O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente entregues aos bens; o que
quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas
se agrupam aproximadamente... com as mercadorias, experiências e sensações ... cuja venda é o que dá forma e
signif‌icado a suas vidas.” BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001. p. 101.
11. TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento. Temas de
Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 14.
12. Cf. Entrevista com o Professor Stéfano Rodotà. Revista Trimestral de Direito Civil. v. 11. Jul/Set 2002. Rio de Janeiro:
Padma, 2002. p. 288.
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