O sistema brasileiro

AutorJosé Adércio Leite Sampaio
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor do Curso de Graduação e Pós-Graduação da PUC-MG. Procurador da República
Páginas307-328
C
APÍTULO
IV
O SISTEMA BRASILEIRO
No Brasil, também se reconhece um espaço de indenidade
legislativa e administrativa, circunscrito ao juízo de conveniência e
oportunidade parlamentar ou da Administração para o exercício de suas
competências constitucionais ou legais. Esse “espaço de indenidade”
se identifica com a discricionariedade que se matiza nos campos
político e administrativo, dando margem à adoção de um ato políti-
co, inserido no âmbito de uma questão política, de um ato discricio-
nário ou de um ato interna corporis. Uma distinção se faz necessá-
ria entre esses três atos. Socorre, em parte e para início de conversa,
a lição do Ministro Moreira Alves, exposta em voto proferido no MS
n. 22.503-DF. Ato discricionário é aquele em que o Judiciário não
pode interferir para analisar a sua conveniência, oportunidade, utili-
dade ou justiça. Questão exclusivamente política situa-se no âmbito
da discricionariedade política, das opções políticas tomadas segundo
uma certa linha programática, fundada em juízo também de conve-
niência e oportunidade, além de adequação e utilidade, evidente-
mente no campo de competência constitucional reservada; enquanto
atos interna corporis dizem respeito à economia interna do órgão ou
Poder, no exercício de sua competência própria, sem atentar contra
direitos subjetivos individuais de terceiros ou de seus próprios mem-
bros. Seja a pura discricionariedade, na órbita da Administração,
seja a questão política, na sede do Governo, seja os interna corporis,
sobretudo no campo legislativo, levanta-se um escudo de proteção a
investidas de controle judicial. Não poderia ser diferente, sob pena
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308 A CONSTITUIÇÃO REINVENTADA
de não haver sentido a afirmação do princípio de divisão tripartida de
poderes. Por mais que se admita não haver um modelo paradig-
mático e decisivo desse princípio, a sua conformação concreta a
impedir o livre exercício da discricionariedade legislativa nos remeteria
a um “sistema judicial de poder” (Schmitt) de difícil compatibili-
dade com o regime democrático e mesmo com o Estado de direito.
Contraponha-se uma ordem de idéias, favoráveis ao rompimento
das zonas livres de jurisdição, que não podem ser esquecidas neste
contexto. A primeira rebate, de certo modo, a identidade dessas
zonas com a atribuição privativa de competência. Em sistemas cons-
titucionais, como o nosso, em que não se prevê apelo necessário ao
eleitorado, nem tampouco é manifesta a prevalência obrigatória da
vontade parlamentar, a ocorrência de conflito institucional, de com-
petência ou de atribuição, entre os órgãos governamentais não pode
ficar sem solução, pois a falta de solução, em casos tais, muito
mais do que uma denegação de justiça, importa risco sistêmico
para a própria Constituição. A assimilação de competência exclusi-
va ao espaço de indenidade legislativa ou da Administração impõe
uma grave fratura no texto constitucional, pois cria uma série de
dispositivos submetidos ao controle jurisdicional, e outros tantos
fora desse controle. Ademais, a afirmação peremptória da prevalência
do princípio da divisão de poderes, nessas hipóteses, leva à manifesta
ab-rogação de todos os outros postulados constitucionais, inclusive
daqueles que atribuem as competências que serviram de base àquela
indenidade.
1
A questão que se levanta, como no caso brasileiro, é o de
achar o justo equilíbrio entre esses espaços de liberdade e o papel
do Supremo Tribunal Federal como guardião constitucional, atento
ao fato de que a nossa Lei Básica foi detalhista e, até certo ponto,
pródiga ao estabelecer o procedimento legislativo, fixando compe-
tências, ritos, prazos e proibições. Não seria de estranhar a polêmi-
ca em torno do que se passou a chamar de ato interna corporis, a
escudar aquela zona de discricionariedade do Legislativo.
1VANOSSI. Teoría Constitucional, p. 166. Defende, entre nós, COMPARATO que cabe-
ria ao Judiciário, no juízo concentrado de constitucionalidade, o controle das políticas
governamentais, não só de suas finalidades, mas também dos meios empregados: En-
saio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas, p. 46.
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