Sistema norte-americano

AutorJosé Adércio Leite Sampaio
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor do Curso de Graduação e Pós-Graduação da PUC-MG. Procurador da República
Páginas255-286
C
APÍTULO
II
SISTEMA
NORTE-AMERICANO
O artigo III da Constituição estadunidense estabelece duas or-
dens de delimitação à competência da Justiça Federal. A primeira,
ao limitar sua jurisdição aos casos que envolvam certas matérias ou
sujeitos. Ao lado das competências originárias da Suprema Corte
nos feitos relativos a embaixadores, outros ministros, cônsules e na-
queles em que um Estado for parte, esse artigo prevê que, para as
demais causas mencionadas, o legislador defina a competência dos
tribunais inferiores, bem como as hipóteses de apelação para aquela
Corte Suprema.
Uma segunda ordem de limitação é vista no uso das expres-
sões cases e controversies. O significado dessas expressões termi-
na repercutindo na dimensão daquelas competências, como bem ob-
servara a própria Corte Suprema:
“Nas palavras ‘cases’ e ‘controversies’ estão duas limitações que,
embora distintas, são complementares. Em parte, essas duas pala-
vras limitam o trabalho das cortes federais a questões que se apre-
sentam como um conflito de interesses e em uma forma historica-
mente reconhecida como capaz de ser resolvida em um processo
judicial. E, em parte, essas palavras definem o papel assinalado ao
Judiciário na divisão tripartida de poderes para assegurar que aque-
las cortes federais não invadam áreas afetas aos outros ramos do
governo. Judicialidade (Justiticiability) é o termo empregado para
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256 A CONSTITUIÇÃO REINVENTADA
dar expressão a essa dual limitação imposta às cortes federais pela
doutrina do case-and-controversy.1
Essa “judicialidade” exige, portanto, que se verifique “uma
real e substantiva controvérsia que inequivocamente reclame uma adju-
dicação dos direitos reclamados”.
2
No exercício dessa verificação,
a jurisprudência vem construindo diversos modelos teóricos que se
impõem como “testes de judicialidade”. São eles: a) doctrine of
standing: o pedido formulado deve revelar um conflito de interesses
ou indicar que o autor sofreu uma lesão ou prejuízo que demanda
uma atuação judicial corretiva;
3
b) doctrine of no advisory opinions:
as cortes não podem ser usadas com a finalidade consultiva de quem
expede um parecer ou uma opinião sobre um determinado assun-
to;
4
c) doctrine of ripenness: os conflitos levados à decisão devem
existir de fato, não podendo ser produto de mera especulação ou de
expectativas contingenciais;
5
d) doctrine of mootness: além do mais,
esses conflitos devem ser atuais e, ainda que remontem a fatos
1ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Flast v. Cohen, 392 U.S. 83, 94-95 (1968).
2ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Poe v. Ullmann, 357 U.S. 497, 509 (1961): voto do
Juiz Brennan.
3“[Standing primary focus is] on the party seeking to get his complaint before a federal
court, [and only secondarily] on the issues he wishes to have adjudicated”: Flast v.
Cohen, 392 U.S. 83, 99 (1968). A Suprema Corte, em Valley Forge Christian College
v. Americans United for Separation of Church and State, 454 U.S. 464, 472 (1982),
reuniu as condições mínimas para o exercício de um direito de ação, segundo a doctrine
of standing: (1) “that [the litigant] personally has suffered some actual or threatened
injury as a result of the putatively illegal conduct of the defendant” (injury in fact); (2)
“that the injury ‘fairly can be traced to the challenged action’” (causation); (3) “that the
injury “is likely to be redressed by a favorable decision” (redressabily): TRIBE. American
Constitutional Law, p. 108.
4“[Courts] not give opinions in the nature of advice concerning legislative [or executive]
action”: Muskrat v. United States, 219 U.S. 346, 362 (1911). A doutrina tem raiz na respos-
ta que deu o Chief Justice Jay ao Presidente Jefferson sobre o poder de o Executivo
firmar tratados internationais.
5“The question of ripeness turns on ‘the fitness of the issues for judicial decision’ and
‘the hardship of the parties of withholding court consideration’”: Pacific Gas & Elec.Co.
v. State Energy Resources Conservation and Development Comm’ n, 461 U.S. 190, 201,
(1983); “ripeness is peculiarly a question of timing”: Regional Rail Reoganization Act
cases, 419 U.S. 102, 140 (1974); “its basic rationale is to prevent the courts, through
premature adjudication from entangling themselves in abstract disagreements”: Abbot
Laboratories v. Gardner, 387 U.S. 136, 148 (1967).
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SISTEMA NORTE-AMERICANO
ocorridos no passado, não podem ter perdido a sua atualidade de
demandar pronta e útil resposta judicial;
6
e, por fim, e) doctrine of
political question: os conflitos ou disputas não podem versar so-
bre temas que estejam afetos à competência de outros ramos de
Poder. Esta última doutrina é que, pelos objetivos do trabalho, será
enfocada nesse tópico.
A análise dos precedentes da Corte não permite que se apre-
sente um conceito exato do que seja questão política, sendo necessá-
rio que se recorra a uma tipologia ou à descrição dos elementos
factuais de cada caso em que se lhe imputou a natureza política.
Num esforço de síntese, além das hipóteses de atribuição de compe-
tência expressa e exclusiva de resolução da matéria a um outro órgão
ou Poder Constitucional (contitutional commitment) e da inexistência
de parâmetro jurídico para solução do problema (no judicially mana-
geable standards),
7
outros elementos ou aspectos podem revelar a
presença de uma questão política; assim, quando a decisão judicial
não puder ser decidida sem que implique a adoção de uma política
legislativa determinada ou do exame de sua discricionariedade; ou
quando desrespeitar a necessária independência de outros ramos do
Governo; ou quando se estiver diante de uma “inusitada necessidade
de adesão inquestionável a uma decisão política já tomada”; ou quando
seja provável que a decisão judicial leve a dificuldades, “diante de
uma diversidade de posicionamentos ou de soluções dos outros po-
deres sobre uma mesma questão”.
8
Esses diferentes elementos ou
aspectos da political question não são dissociados uns dos outros. A
falta de parâmetro jurídico pode reforçar, por exemplo, a conclusão
de que existe uma atribuição de competência exclusiva e expressa a
um ramo de Governo. Além do mais, pode-se extrair um denomina-
dor comum de todos esses casos na preocupação básica de respeito
ao princípio da separação de poderes, que inspira aos juízes da Cor-
te uma atitude prudente de não fazer “interferência indevida nos
assuntos de outros ramos do Governo”.
9
Ou, como assinalou Tribe,
6“The requisite personal interest that must exist at the commencement of the litigation
(standing) must continue throughout its existence (mootness)”: United States Parole
Comm’n v. Geraghty, 445 U.S. 388, 397 (1980).
7ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Baker v. Carr, 369 U.S. 186, 217 (1962).
8ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Baker v.Carr, 369 U.S. 186, 217 (1962).
9ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Muñoz-Flores, 495 U.S. 385, 394
(1990); Goldwater v. Carter, 444 U.S. 996, 1.000 (1979).
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