Os suplícios como controle dos corpos. Uma análise sociológica da Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019

AutorWagner Vieira Dantas
Ocupação do AutorAdvogado, perito judicial
Páginas177-195
177
OS SUPLÍCIOS COMO CONTROLE DOS CORPOS.
UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA DA LEI 13.964 DE 24
DE DEZEMBRO DE 2019
Wagner Vieira Dantas 1
Sumário: 1. O INÍCIO DA SUAVE AMPLIAÇÃO DOS
CASTIGOS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 2- A LEI 13.964
COMO INSTRUMENTO ACESSÓRIO E DEPENDENTE DE
OUTROS INSTRUMENTOS PRINCIPAIS NO CONTROLE DE
SEGURANÇA E COMBATE À CRIMINALIDADE E
VIOLÊNCIA; 3- A INEFICÁCIA DA ETERNA POLÍTICA DE
AMPLIAÇÃO DOS CASTIGOS. RETROCESSO PRÁTICO E
ILUSÃO DO ALEGADO APERFEIÇOAMENTO DA
LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL PENAL ATRAVÉS DA
LEI 13.964. O FRACASSO ANUNCIADO DO “PACOTE
ANTICRIME”; 4. POLÍTICAS PÚBLICAS ALTERNATIVAS E
APLICADAS EM ESTADOS MODERNOS E QUE DEVEM SER
COLOCADAS NO CENTRO DO DEBATE POLÍTICO: 5-
CONCLUSÃO.
1. O INÍCIO DA SUAVE AMPLIAÇÃO DOS CASTIGOS:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Por volta do ano 600 a.c., o escritor grego Esopo narrou uma
interessante fábula do tempo em que havia uma séria contenda entre
um cavalo e um javali. Diante da indefinição do litígio, o cavalo
1 Wagner Vieira Dantas, é advogado, perito judicial, professor da Fundação
Getúlio Vargas, palestrante, pós-graduado em direito penal e processual penal com
didática em ensino superior, pós-graduado em direito civil e processo civil com
didática em ensino superior e mestrando em sociologia política no IUPERJ.
178
pediu então ajuda a um caçador. O caçador concordou em ajudar
dizendo ao cavalo que se realmente era a sua vontade derrotar o
javali, deveria permitir que fosse colocado um bridão de ferro em
suas mandíbulas, possibilitando que ele, o caçador, montado em uma
sela sobre o seu dorso, o guiasse para se manter firme no combate ao
inimigo. O cavalo aceitou e logo que foi encilhado partiram e
derrotaram o javali. Ao final da batalha, o cavalo pediu que o caçador
descesse de seu costado e retirasse a sela e o bridão, quando então o
caçador respondeu: “não tão rápido. Eu o tenho sob minhas rédeas e
esporas e por enquanto prefiro mantê-lo assim”. Nesse momento, o
cavalo percebeu que fez uma perigosa e irreversível aliança.2
A fábula acima cujo núcleo central demonstra o homem
utilizando a inteligência para dominar o cavalo, serve tão somente
para ilustrar uma convicção: a de que a lei 13.964 foi introduzida no
ordenamento jurídico não somente para potencializar as penas de
crimes, como também refinou a velocidade da marcha processual
penal dificultando a atuação da defesa, de autoria do polêmico
ministro da justiça Sérgio Moro e foi idealizada oportunamente
durante o processo eleitoral de 2018, visando por óbvio, a
condenação célere do jurisdicionado (em especial, os incômodos
outsiders) como forma de satisfação à sociedade.
O mar da crise por onde passam as democracias
representativas de todo mundo vem deflagrando um sentimento de
frustação no eleitor, sendo amplificada em países que possuem o
perfil do Estado brasileiro de tradição no baixo investimento na
educação atrelado ao flagrante desprezo das elites pela diminuição
do enorme abismo das diferenças sociais historicamente existentes.
Tal cenário que vem sendo potencializado, durante décadas se
assentou em um ambiente caracterizado pelo desconhecimento do
eleitor de qualquer alternativa de política pública de controle de
segurança, senão a do confronto e o punitivismo.
2 ROCHA, Justiniano José da. Edição Ridendo Castigat Mores. Fonte digital
www.jahr.org.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT