Uma política pública em revisão? Os impactos observáveis gerados ao longo do fluxo decisório do tcu sobre a 'Ancine+Simples'

AutorEloiza Silva
Páginas225-286
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Capítulo 4
UMA POLÍTICA PÚBLICA EM REVISÃO? OS IMPACTOS
OBSERVÁVEIS GERADOS AO LONGO DO FLUXO DECISÓRIO
DO TCU SOBRE A ANCINE+SIMPLES
Tal como enfatizado nos Capítulos antecedentes a esse, o
fenômeno social, objeto desse estudo de caso, ainda se desdobra no tempo
presente, tratando-se de um continuum decisório que emana dos seguintes
processos e respectivos Acórdãos de controle externo expedidos pelo
Tribunal de Contas da União: TC n.º 014.483/2016-5, Acórdão n.º 2.959,
de 2016; TC n.º 011.908/2018-1, Acórdãos n.º 4.835, de 2018, n.º 12.502,
de 2019, e n.º1.383, de 2020; TC n.º 017.413/2017-6, Acórdãos n.º 721, de
2019, n.º 992, de 2019 e n.º 1.417, de 2019; TC n.º 040.341/2019-4,
Acórdãos n.º 5.948, de 2020, e nº 12.897, de 2020; isto é, de um fluxo
decisório cujas determinações têm sido contundentes no sentido de dirimir
as desconformidades encontradas, de superar o modus opera ndi
sedimentado, até então, pela metodologia simplificada da
“Ancine+Simples”, e de construir outro ambiente para execução do
fomento público ao setor audiovisual brasileiro.
Nesse contexto, diante da hipótese de que esses comandos de
controle dirigidos a entes e órgão públicos do chamado Tripé
Institucional (IKEDA, 2015; ZUBELLI, 2017), com ênfase na Ancine,
estão gerando profundos desdobramentos sobre a Política Nacional do
Audiovisual, o presente Capítulo pretende abordar de maneira exploratória
os desdobramentos já observados no passado recente sobre o campo dessa
política pública, identificando aqueles que, em alguma medida, refrearam
ou desaceleraram sua implementação, ou aqueles que podem estar
influenciando, significativamente, o redesenho da mesma, sobretudo,
relativamente às regulamentações (arcabouço jurídico) e às estruturas
administrativas que conferem a moldura necessária à execução das
diversas ações de injeção de recursos públicos nesse setor.
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Possivelmente, em razão da contemporaneidade desse caso de
controle externo, existe pouca literatura especializada que já tenha
abordado essa interação entre TCU e Ancine, ou chegado a alguma
conclusão mais aprofundada acerca disso. No entanto, dentre as referências
que estão disponíveis, destaca-se aqui o pesquisador do Observatório do
TCU, André de Castro O. P. Braga (2019) que questionou a relação de
causalidade subjacente às ações desse controle externo sobre a
“Ancine+Simples”, indagando-se se essa metodologia ensejaria,
necessariamente, “brechas” para irregularidades e ilicitudes nas prestações
contas de projetos audiovisuais subvencionados com recursos públicos.
Em outras palavras, o enfoque crítico de Braga (2019) apontou para o fato
de que essa relação de causalidade seria muito mais intuitiva (e
apriorística) do que sustentada efetivamente por comprovação factual que
consiga demonstrar, cabalmente, que essa metodologia seria geradora de
danos ao erário.
Para mais, Braga (2019) também lança ressalvas quanto às
dificuldades de se estabelecer e de se provar relações de causalidade entre
essas duas variáveis, metodologia simplificada e danos ao erário, e, por
conseguinte, de se investigar os impactos de um ato de gestão pública como
a opção administrativa da Agência pela “Ancine+Simples”. Dificuldades
essas que também têm sido enfrentadas nesse estudo de caso, que pretende
compreender e registrar as relações de causalidade que emergem desses
comandos de controle expedidos pelo Tribunal nos aludidos processos de
auditoria, bem como os impactos decorrentes desse fluxo decisório sobre
a Política Nacional do Audiovisual.
Diante disso, para testar a hipótese de que impactos, sobretudo de
longo prazo, têm sido gerados nesse ambiente de forte interação de
accountability entre TCU e entes e órgãos públicos responsáveis por essa
política pública, especialmente a Ancine, e de que esses impactos têm
recondicionado a implementação e o redesenho dessa política, estabelecer-
se-á, a partir das fontes coletadas nos processos de auditoria, em fontes
oficiais, ou em matérias veiculadas na imprensa, associações entre as
variáveis observadas no fenômeno pesquisado, buscando-se identificar e
refletir acerca da magnitude e do alcance desses impactos no presente.
Para tanto, o estabelecimento e a apresentação de correlações e de
eventuais inferências causais, além da análise das dimensões impactadas,
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serão estruturados e agrupados tendo em vista os seguintes aspectos: a) as
reações institucionais às decisões de controle tomadas pelo TCU (como,
por exemplo, deferência do regulador diante do órgão de controle); b)
inferências causais observáveis entre variáveis causais (decisões do TCU,
por exemplo) e variáveis dependentes (“desdobramentos” tais como
medidas administrativas tomadas pela Ancine para atendimento aos
Acórdãos enunciados, por exemplo); c) demais relações entre variáveis,
estabelecendo-se associações e correlações possíveis e críveis entre os
fatos observados; d) e agrupamento de todas as inferências causais
mapeadas em subcategorias de impactos, a fim de que esse tipo de
agregação possa ilustrar esquemas que auxiliem a compreensão desses
impactos por meio das seguintes camadas/dimensões:
Impacto I. “Conhecimento do ente auditado pelo órgão de
controle: identificação de riscos e desconformidades e proposta de
fiscalização futura.”
Impacto II. “Questionamento do órgão de controle contrário a
contratos da Ancine e a outras práticas contratuais comuns em projetos
fomentados, impelindo-se o ente auditado a não mais aceitar tais práticas e
determinando que as vedasse em seus regulamentos.
Impacto III. “Mapeamento da capacidade operacional do ente
auditado para implementar políticas de fomento ao setor, identificando-se
cenários possíveis e adotando-se medidas de mitigação dos gargalos
encontrados.”
Impacto IV. “Redesenho de toda estrutura de fomento ao setor e
revisão de normativos internos do principal ente executor das ações de
fomento da Política Nacional do Audiovisual, a Ancine.”
Impacto V. Análise integral das prestações de contas e de todos
os documentos probatórios de despesas custeadas com recursos públicos,
pente fino no passado e reações adversas.
Nesse passo, é importante repisar os apontamentos metodológicos
de Gary King e Lee Epstein (2013, p. 43-44) acerca das contingências
enfrentadas por pesquisas empíricas baseadas em inferências:
Pesquisadores, advogados, as cortes e legisladores
precisam fazer inferências causais, de modo que
abandonar ou redefinir os objetivos não é uma opção.

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