Da evicção
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À guisa de exemplo, para melhor ilustrar o tema em questão, interessante trazer à baila a ementa de certo acórdão publicado pela Revista dos Tribunais, volume 754, pág. 284: "A apreensão do veículo, objeto de compra e venda, por ordem judicial em prejuízo do adquirente, acarreta ao alienante o dever de reparar os danos decorrentes da evicção, ainda que este esteja de boa-fé, pois o vendedor tem o dever de garantir a idoneidade da coisa vendida". In casu, o adquirente do veículo teve apenas dois meses de posse do automóvel, até ocorrer, durante o curso do processo penal, a apreensão determinada pelo juízo criminal, sendo o veículo entregue para a verdadeira proprietária, vítima de estelionato. Nessa altura, o adquirente propôs ação sumária de indenização decorrente da evicção88contra a pessoa que lhe alienou o automóvel, em razão da perda da posse deste.
Diante do quadro apresentado, o alienante de um bem tem o inarredável dever de garantir a idoneidade e a origem lícita da coisa vendida. Na ocorrência
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da evicção, aplica-se o disposto no art. 447 do CC segundo o qual nos "contratos onerosos, o alienante responde pela evicção".
Segundo o saudoso Prof. Washington de Barros Monteiro, "o alienante é obrigado não só a entregar ao adquirente a coisa alienada, como também a garantir-lhe o uso e gozo. Pode suceder, entretanto, que o adquirente venha a perdê-la, total ou parcialmente, por força de decisão judicial, baseada em causa preexistente ao contrato". E finaliza: "É a essa perda, oriunda de sentença fundada em motivo jurídico anterior, que se atribui o nome de evicção (evincere89 est vincendo in judicio aliquid auferre)".90Essa explicação é corroborada pelo preclaro saudoso Prof. Sílvio Rodrigues, que assim expõe: A evicção "se configura, por exemplo, na compra feita de quem não era dono". Continua: "Se o verdadeiro proprietário da coisa vendida a reclama judicialmente e alcança êxito na lide, o comprador sofre evicção".91Assim, a evicção, na maestria de Arnoldo Wald, "é o fato em virtude do qual alguém perde a posse ou a propriedade de determinado objeto em virtude de sentença judicial, que o atribui a terceiro, reconhecendo que o alienante não era titular legítimo do direito que transmitiu".92Portanto, - esclarece Jefferson Daibert - "pela evicção restitui-se a seu legítimo proprietário - o evictor - o domínio que por direito lhe era atribuído, anteriormente à operação que a transferiu, indevidamente, ao adquirente - o evicto".93O alienante fica, ainda, obrigado a indenizar o adquirente.
Evicto é o adquirente, ou seja, aquele que perde a coisa adquirida ou que sofre a evicção; evictor é o terceiro, o legítimo proprietário da coisa, que move a ação e vem a ser o vencedor da demanda; e o alienante é aquele que transfere a coisa através de um contrato oneroso e é quem irá suportar as consequências da sentença judicial.
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"O adquirente de veículo furtado, posteriormente apreendido por ordem de autoridade policial, pode ajuizar ação de indenização fundada na evicção contra o vendedor, pois, a apreensão policial equipara-se em tudo aos meios judiciais a que se refere o art. 1.117 do CC - 16" (in RT 732/245).
Colhe-se, na ementa do acórdão destacado, que nem sempre a evicção resulta de uma sentença judicial. Aliás, é de somenos importância, na jurisprudência, a hipótese de perda da coisa em virtude de sentença. Vale a respeito, ter presente e salientar que a perda da posse é o suficiente para o adquirente pleitear os direitos decorrentes da evicção, desde que a privação se dê por parte de uma autoridade administrativa ou policial. Carvalho Santos sustenta não ser "essencial que o adquirente tenha sido privado da coisa por via judicial, bastando, apenas, que o adquirente seja passível de sofrer ação a respeito da coisa adquirida depois da tradição dela".94Utilizemos, ainda, da seguinte decisão: "A regra contida no art. 1.11795do CC não é absoluta. Consoante o entendimento pacificado na jurisprudência do STJ, para o exercício que da evicção resulta ao adquirente, não é de exigir-se sentença judicial, bastando que fique ele privado, por ato de autoridade administrativa, do bem se ou quando de procedência criminosa" (in RT 743/233). Ou: "Se o veículo adquirido por terceiro foi apreendido pela autoridade policial ante a notícia de adulteração do chassi, tal situação se inclui no âmbito da evicção, devendo aquele ser ressarcido" (in RT 730/247).
Clóvis Beviláqua definiu a evicção como sendo "a perda total ou parcial de uma coisa, em virtude de sentença, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, onde nascera a pretensão do evicto".96Analisando a definição acima, encontramos os requisitos caracteriza- dores da evicção:
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- PERDA DA COISA:
A perda da coisa alienada pelo adquirente, em regra, se dá através de uma sentença judicial, visto que o alienante deve assegurar a posse pacífica da coisa alienada. É preciso, pois, que o adquirente seja condenado a restituir a coisa adquirida, para sofrer a evicção. "Admite-se, contudo, em casos excepcionais, - escreve o saudoso Prof. Orlando Gomes - que a evicção possa existir independentemente de sentença do juiz, quando, por exemplo, perde o domínio da coisa pelo implemento de condição resolutiva que subordine sua propriedade".97"Admite-se excepcionalmente a evicção, - decidiu o tribunal - independente de decisão judicial, especialmente, em casos de perdas de veículo, quando apreendido pela polícia em consequência de furto" (in RT 729/254). A ementa do acórdão que segue também coroa bem essa exposição: "Se o comprador é desapossado do veículo por deter-minação da autoridade policial, por ser o bem objeto de furto ocorrido antes da aquisição, faz à ação de evicção, porquanto a jurisprudência atual entende que tal tipo de desapossamento dispensa o requisito da decisão judicial" (in RT 788/409).
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- A ANTERIORIDADE DO DIREITO DO EVICTOR (o legítimo proprietário):
A perda da coisa deve ser baseada em causa anterior ao contrato, entre o alienante e o adquirente. Vale dizer, a grosso modo, o vício de que o bem não pertence ao alienante deve ser anterior à transmissão do domínio. A sentença judicial, se for o caso, deve reconhecer a existência do vício anterior à alienação, em favor de um terceiro em relação ao bem. Por exemplo, a venda de um lote de terra ocupado por posseiro há mais de 20 anos (com direito certo a usucapião), equivale, tecnicamente, a uma transferência de domínio de uma coisa da qual o alienante não é mais o dono. Nesse caso, existe um vício anterior à alienação, que impede a aquisição do domínio; tal perda baseia-se numa causa anterior ao contrato entre o alienante e o adquirente, e responsabiliza aquele pelos prejuízos decorrentes da evicção.
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- ONEROSIDADE DA AQUISIÇÃO:
Quem transfere a outrem o domínio ou a posse de uma coisa através de um contrato oneroso, garante ao adquirente a segurança de que este poderá...
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