Abandono afetivo: reflexões críticas a partir dos posicionamentos do superior tribunal de justiça

AutorIsabella Silveira de Castro
Ocupação do AutorMestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Graduada em Direito pela PUC-Campinas. Associada ao IBDFAM. Administradora da página @direitocivilporelas.
Páginas699-721
ABANDONO AFETIVO:
REFLEXÕES CRÍTICAS A PARTIR
DOS POSICIONAMENTOS DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Isabella Silveira de Castro
Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Graduada
em Direito pela PUC-Campinas. Associada ao IBDFAM. Administradora da página
@direitocivilporelas.
Sumário: 1. Introdução – 2. Esclarecimentos metodológicos preliminares – 3. O caso Renato Russo:
o primeiro acórdão do Superior Tribunal de Justiça a atribuir algum efeito ao abandono afetivo – 4.
Para além da destituição do poder familiar: é cabível, segundo o STJ, indenização por dano moral
derivada de abandono afetivo?; 4.1 Primeiro entendimento: a impossibilidade de incidência da
responsabilidade civil no âmbito familiar; 4.2 Segundo entendimento: possibilidade de dano moral
derivado de abandono afetivo; 4.3 Terceiro entendimento: possibilidade de dano moral derivado
das espécies de abandono material e intelectual, mas não do abandono “estritamente afetivo” – 5.
Análise crítica dos argumentos favoráveis e contrários ao abandono afetivo; 5.1 Autonomia do
direito de família e a destituição do poder familiar como remédio adequado; 5.2 A impossibilidade
de se compelir ao amor; 5.3 Mercantilização das relações familiares; 5.4 A inexistência de pais
perfeitos; 5.5 Suposto efeito rebote de afastamento; 5.6 Diculdade de vericação dos elementos
da responsabilidade civil face à inafastabilidade de tutela da pessoa humana – 6. Diretrizes para
aplicação do dano moral por abandono afetivo – 7. Conclusão – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A noção do que seja dano é dinâmica, a depender do contexto histórico-cultu-
ral de cada sociedade. Observa-se, hoje, a ampliação dos eventos cuja repercussão é
tirada daquilo que se considera “fato da vida” e passa a conf‌igurar dano merecedor
de tutela jurídica. Esta ampliação da ressarcibilidade decorre da manipulação mais
f‌lexível dos pressupostos da responsabilidade civil, ou até mesmo da presunção de
seus elementos tradicionais.1
No Brasil, o dano moral não foi, desde sempre, reconhecido. Somente após a
Constituição de 1988 que a possibilidade de reparação do dano moral tornou-se fato
incontroverso, em função de sua previsão expressa. Entretanto, apesar da incontes-
tabilidade do reconhecimento do dano moral como dano ressarcível, a determinação
de quais são os danos extrapatrimoniais passíveis de reparação permanece no campo
nebuloso.
1. A este respeito: SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da
reparação à diluição dos danos. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015.
ISABELLA SILVEIRA DE CASTRO
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A matéria é ainda mais polêmica quando transplantada ao âmbito familiar e,
justamente nesta intersecção entre direito das famílias e responsabilidade civil, que
se localiza a discussão a que se propõe o presente artigo.
A Constituição de 1988 não trouxe inovações apenas à esfera da responsabilidade
civil, o direito das famílias também se transformou pela nova tônica constitucional.
A família, antes tida como célula menor do Estado, passa a ser concebida como locus
privilegiado para o desenvolvimento de seus membros. Por conseguinte, a função
dos pais para com seus f‌ilhos deixa de ser autoritária para ser instrumental ao de-
senvolvimento da criança e do adolescente.2
Neste contexto, da “nova família” e dos “novos danos”, exsurge a problemática
da possibilidade – ou não – da violação de deveres derivados da autoridade parental
resultar em dano moral ressarcível. O abandono afetivo produz dano moral indeni-
zável? Responder a esta indagação não prescinde do enfrentamento do problema já
anunciado: a delimitação do que seja dano extrapatrimonial passível de reparação.
Tanto a doutrina quanto os tribunais divergem nas soluções propostas. No
desenvolvimento deste trabalho serão apresentados os diversos posicionamento do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a temática e, por f‌im, será feita análise crítica,
com subsídio em trabalhos doutrinários, dos principais argumentos colhidos nas
decisões, sejam eles favoráveis ou contrários ao dano moral por abandono afetivo.
2. ESCLARECIMENTOS METODOLÓGICOS PRELIMINARES
Pesquisando pelo termo “abandono afetivo” no campo de busca jurisprudencial
do sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça foram encontrados 19 (dezenove)
acórdãos3, dois deles excluído da amostra em função do recurso que lhe deu origem
esbarrar nas súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal ou na súmula 7 do
Superior Tribunal de Justiça.4 Em relação aos demais observou-se que:
I – 6 (seis) deles concluíram não ser possível falar em abandono afetivo antes
do reconhecimento da paternidade.5
2. Recomenda-se: CARBONERA, Silvana Maria. Aspectos históricos e socioantropológicos da família brasileira:
passagem da família tradicional para a família instrumental e solidarista. In: MENEZES, Joyceane Bezerra
de; MATOS, Ana Carla Harmatiuk (Orgs.). Direito das famílias por juristas brasileiras. São Paulo: Saraiva,
p. 33-66, 2013.
3. Pesquisa realizada em 1º de outubro de 2021.
4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 811.059/RS, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze,
3ª Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 27/05/2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1286242/MG, Relator Ministro Luis Felipe Salomão,
4ª Turma, julgado em 08/10/2019, DJe 15/10/2019.
5. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 514.350/SP, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma,
julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1374778/RS, Relator
Ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 18/06/2015, DJe 01/07/2015. BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. REsp 1557978/DF Relator Ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 03/11/2015, DJe
17/11/2015. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 766.159/MS, Relator Ministro Moura
Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp

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