A proteção dos vulneráveis: perfil contemporâneo da tutela, da curatela e da tomada de decisão apoiada
Autor | Renata de Lima Rodrigues |
Ocupação do Autor | Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada - IEC/ PUC-MG. Coordenadora e Professora de Direito Civil da Faculdade FAMINAS/BH. Membro do IBDFAM. Membro do IBDCIVIL. Advogada. |
Páginas | 599-624 |
A PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS:
PERFIL CONTEMPORÂNEO DA TUTELA,
DA CURATELA E DA TOMADA DE
DECISÃO APOIADA
Renata de Lima Rodrigues
Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada – IEC/
PUC-MG. Coordenadora e Professora de Direito Civil da Faculdade FAMINAS/BH.
Membro do IBDFAM. Membro do IBDCIVIL. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. As razões que motivaram a atualização do regime das incapacida-
des – 3. O estatuto da pessoa com deciência e a tomada de decisão apoiada – 4. Efetividade
da curatela na atual sistemática brasileira – 5. Tutela: princípio do melhor interesse da criança
e do adolescente e autonomia privada dos menores em desenvolvimento – 6. Conclusão – 7.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, a tutela jurídica dos incapazes na ordem jurídica brasileira
se efetivou através de uma clássica tríade protetiva de institutos, a saber: autoridade
parental, tutela e curatela. Atualmente, após o advento do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, Lei 13.146/2015, podemos somar à lista a Tomada de Decisão Apoiada,
hoje positivada no artigo 1783-A do Código Civil.
A autoridade parental e a tutela são institutos direcionados àqueles presumi-
damente incapazes em razão da menoridade. A curatela, via de regra1, se estabelece
em prol daqueles que, a despeito de terem atingido a maioridade, permanecem
“incapazes”, em virtude de certas causas psicofísicas que lhes acarretam déficits de
discernimento. Contudo, o instituto da curatela vem, paulatinamente, experimen-
tando adaptações no sentido de se adequar à realidade contemporânea e à principio-
1. Todavia, pode ser conferida ao nascituro e, excepcionalmente, ao menor relativamente incapaz, desde que
este cumule em si outra circunstância que irá confirmar sua condição de incapacidade. Nesse sentido é que
Rodrigo da Cunha Pereira preconiza: “Via de regra, a curatela visa a proteção dos maiores incapazes, enquanto
à tutela compete o resguardo dos interesses daqueles ainda sob menoridade. No entanto, há posicionamento
doutrinário e jurisprudencial admitindo a interdição de menores diante da previsão contida no inciso I do
artigo 1.768” (PEREIRA, R.C., 2004, p. 408). Zeno Veloso comprova a possibilidade legal desta assertiva
a partir da análise do artigo 1.768, inciso I: “O tutor também está autorizado a promover a interdição do
pupilo. E o pupilo, até por definição, é pessoa menor. Os filhos menores, nos casos do art. 1.728, é que são
postos em tutela. Não há tutor de maiores. Na ordem jurídica brasileira, pois, pessoas menores podem ser
interditadas, ficando sujeitas a curatela. Imagine-se o caso do adolescente deficiente mental ou viciado em
tóxicos” (VELOSO, 2003, p. 217).
RENATA DE LIMA RODRIGUES
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logia constitucional, que, assentada sobre os fundamentos da dignidade da pessoa
humana e do pluralismo, estabelece um vetor hermenêutico que sobreleva a tutela
da vulnerabilidade em todas as suas manifestações.
Em 2002, com a promulgação de nosso atual Código Civil, percebemos a inser-
ção da figura da curatela sem interdição, prevista no artigo 1780 do CC. Contudo, a
verdadeira virada de Copérnico ocorre em 2015, com o advento do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, que alterou substancialmente o clássico regime das incapacidades,
cujas bases são premissas para aplicação e estruturação da tutela e da curatela. Além
disso, a nova Lei ainda promoveu a introdução de um novo instituto protetivo, qual
seja, a Tomada de Decisão Apoiada.
A grande contribuição do EPD consiste na exclusão dos doentes e deficientes
mentais, bem como dos excepcionais sem completo grau de desenvolvimento, da
lógica oitocentista do regime das incapacidades, devolvendo-lhes a capacidade
civil e inaugurando um novo paradigma protetivo, conforme se verá adiante.
Além disso, houve uma readequação de algumas categorias de incapazes, de
modo que a incapacidade absoluta atualmente se restringe aos menores de 16
anos não completos.
Tais mudanças trouxeram significativos impactos no Direito Civil brasileiro e
forçaram uma nova leitura no que tange a proteção dos vulneráveis, pois houve a
dissociação dos conceitos de vulnerabilidade e incapacidade, de tal sorte que não é
mais necessário interditar uma pessoa, ou seja, declarar sua incapacidade civil, no
todo ou em parte, para que seja possível lhe conferir proteção jurídica de acordo
com suas fragilidades.
Dessa maneira, institutos como a assistência e representação precisaram ser
redefinidos para se adequar a um arcabouço protetivo que se divorciou, em grande
medida, das insuficiências protetivas herdadas da ciência romana e acirradas pela
abstração e pelo patrimonialismo do positivismo oitocentista.
O fato de o direito, atualmente, atribuir a todos os homens personalidade
jurídica, condicionada apenas ao “nascimento com vida”, não significa que todos
poderão gozar e exercer com plenitude direitos e deveres titularizados. A despeito
de possuírem personalidade, o sistema impõe limites ou restrições a alguns sujeitos,
diminuindo a extensão dos atributos que lhes são conferidos, subtraindo certa parcela
de autonomia para se relacionar no mundo jurídico.
O regime jurídico das incapacidades foi concebido como sistema que busca
proteger aqueles sujeitos que não teriam discernimento suficiente para formar e
exprimir vontade válida, ou seja, aqueles que não teriam autonomia plena para se
relacionar juridicamente na vida civil, por lhes faltarem certos elementos para a per-
feita formação de sua vontade. Por essa razão, o Código Civil brasileiro distingue as
pessoas conforme categorias abstratas, sendo elas, as de pessoas relativamente inca-
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