Alienação parental: conceito, efeitos e particularidades

AutorSilvia Felipe Marzagão
Ocupação do AutorMestranda em Direito Civil pela PUC-SP. Presidente da Comissão Especial da Advocacia de Família e Sucessões da OAB/SP. Presidente do Grupo de Trabalho de Família e Sucessões da Federação de Advogados de Língua Portuguesa - FALP. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM/SP. Advogada especializada em Direito de Família e...
Páginas679-698
ALIENAÇÃO PARENTAL:
CONCEITO, EFEITOS E PARTICULARIDADES
Silvia Felipe Marzagão
Mestranda em Direito Civil pela PUC-SP. Presidente da Comissão Especial da Advo-
cacia de Família e Sucessões da OAB/SP. Presidente do Grupo de Trabalho de Família
e Sucessões da Federação de Advogados de Língua Portuguesa – FALP. Diretora do
Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/SP. Advogada especializada em
Direito de Família e das Sucessões.
Sumário: 1. Introdução: rupturas e nova parentalidade: campo fértil para incidência de atos de
alienação parental – 2. Conceito de alienação parental – 3. Alienação parental sob a perspectiva
da Lei 12.318/10 – 4. Procedimento para apuração e consequências da comprovação da prática de
alienação parental – 5. Aspectos não contemplados pela Lei; 5.1 Autoalienação – contribuição do
genitor para o afastamento afetivo; 5.2 Alienação do idoso – 6. Responsabilidade civil e a reparação
dos danos causados em virtude da alienação parental – 7. Considerações nais – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO: RUPTURAS E NOVA PARENTALIDADE: CAMPO FÉRTIL
PARA INCIDÊNCIA DE ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL
O f‌im da conjugalidade, comumente, mostra-se tormentoso para alguns casais.
Dores, mágoas, questões f‌inanceiras e quebra de pactos fazem emergir no ser hu-
mano os mais dolorosos e, por vezes, maléf‌icos sentimentos. Não raro o f‌im da vida
conjugal vira uma verdadeira guerra.
Infelizmente, vemos que esse turbilhão de sentimentos faz com que os casais
confundam questões de conjugalidade com questões ligadas à parentalidade, colo-
cando no centro dos litígios aqueles que, por serem seres humanos em formação,
deveriam ser poupados: os f‌ilhos.
Aliadas às mágoas, as mudanças sociais que vivenciamos nas últimas décadas
têm sido um verdadeiro catalisador dos conf‌litos parentais, mormente porquanto o
exercício da parentalidade tem, ainda que lentamente, se alterado.
O fato é que a família contemporânea não é mais aquela de outrora: institucional,
engessada, imutável. É família em constante movimentação, que exige da sociedade
um nível de mobilidade que, muitas vezes, a adaptação cultural não acompanha.
Desse modo, se até pouco tempo atrás, era quase que indiscutível que, com a
ruptura, a mãe – e somente ela – seria a responsável pelos f‌ilhos (reproduzindo uma
sistemática já vigente nos casamentos, onde a mulher cuidava da prole e o homem
sustentava a família), hoje vemos modif‌icações sociais que trouxeram importantes
alterações nos cuidados parentais. Há, assim, mais disputas pela custódia da prole e
pelo efetivo convívio de pais, mães e f‌ilhos.
SILVIA FELIPE MARZAGÃO
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De fato, essa nova dinâmica teve também como pano de fundo a importante
transformação que a questão afeta à guarda sofreu ao longo dos últimos anos, especial-
mente pelo fato de, com a promulgação da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada
ter passado a ser a regra na f‌ixação da custódia legal.
É bem verdade que o modelo de corresponsabilidade é um avanço. Retira da
guarda a ideia de posse e propicia a continuidade da relação dos f‌ilhos com ambos
os pais (DIAS, 2016), mas a resistência não só social como também, infelizmente,
judicial, ainda é muito considerável, tanto que ainda nos deparamos com um sistema
que privilegia a guarda unilateral materna como maioria das f‌ixações.
Assim, quando o sistema questiona essa hegemonia da guarda materna – si-
tuação que, frise-se, em nada privilegia as mulheres que são alçadas à condição de
cuidadoras exclusivas, sufocadas pelo machismo institucional que assola o Judiciário
do país – as disputas de guarda tendem a se tornar verdadeiras guerras e um campo
fértil para a ocorrência da famigerada alienação parental. A alienação vira arma nas
mãos de pais e mães na guerra pela disputa das custódias.
O processo de alienação – compreendido como verdadeiro abuso psicológico em
que o alienador programa mentalmente, com interferências psicológicas, o vulnerável
para odiar o alienado –, está previsto em nosso ordenamento em lei específ‌ica, conf‌i-
gurando verdadeiro abuso de direito gerador de dano não só à criança, como também
ao cogenitor impedido de plenamente ser pai ou mãe na realidade pós-ruptura.
Analisaremos, nesse artigo, aspectos conceituais, os efeitos e as particularidades
da alienação parental, propondo, ao f‌inal, uma agenda de sugestões de combate à
prática tão corriqueira e condenável.
2. CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL
O verbo alienar tem como signif‌icado tornar separado; afastar, desviar, perder a
estima, a amizade; indispor, malquistar. São palavras que, em tempo e modo algum,
deveriam ser associadas à parentalidade. Infelizmente, no dia a dia, muitas relações
parentais têm o seu f‌im ligado ao triste signif‌icado da palavra alienar.
O fenômeno da alienação parental é aquele em que um dos pais, com o claro intuito
de macular a relação e afastar o outro progenitor, manipula fatos e situações corriqueiras,
com a intenção de aniquilar o vínculo paterno-f‌ilial mantido entre a criança/adolescente
e o outro genitor. De fato, o f‌ilho é deslocado do lugar de sujeito de direito e desejo,
e passa a ser objeto de desejo e satisfação do desejo de vingança do outro genitor. É,
portanto, a objetif‌icação do sujeito para transformá-lo em veículo de ódio, que tem a
sua principal fonte em uma relação conjugal mal resolvida (PEREIRA, 2020).
O primeiro a def‌inir a alienação parental, em 1985, foi Richard A. Gardner1, psi-
quiatra americano que af‌irmava que no processo pós-ruptura podem ser identif‌icados
1. Vale citarmos que Richard Gardner foi um prof‌issional controverso, havendo alguns questionamentos acerca
de seus trabalhos (https://www.nytimes.com/2003/06/09/nyregion/richard-gardner-72-dies-cast-doubt-on-

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