Ação de Impugnação do Mandato Eletivo - AIME
Autor | Elmana Viana Lucena Esmeraldo |
Ocupação do Autor | Analista Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Pará |
Páginas | 355-388 |
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A Ação de Impugnação do Mandato Eletivo – AIME não foi uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988. Foi prevista, inicialmente, pelas Leis nº 7.493, de 17/06/1986 e nº 7.664, de 29/06/1988. Posteriormente, constitucionalmente, em 1988.
A AIME constitui crucial instrumento para coibir os abusos praticados durante as campanhas eleitorais, para que os candidatos respeitem a vontade popular, o interesse público e para evitar a obtenção de cargos eletivos por pessoas ilegítimas, que o conquistaram pela prática de abuso do poder, corrupção ou fraude.
A Constituição Federal de 1988, ao tratar da AIME, deixou de estabelecer diversos aspectos a ela relacionados.
Até o momento, não foi editada qualquer norma infraconstitucional que a regulamente, sendo diversos dos seus elementos, aplicados na prática, construções jurisprudenciais.
Diversos são os problemas decorrentes da falta de definição desses aspectos por parte da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, entre eles, o rito aplicável e a legitimidade para proposição da ação. Inicialmente, juízes e tribunais adotaram o procedimento ordinário do Código de Processo Civil; entretanto, este não foi eficaz, em face da incompatibilidade com os princípios da celeridade e da sumariedade que regem as ações eleitorais. Hoje a questão já se encontra pacificada no TSE, e o rito aplicado a essa ação é o dos arts. 3º e seguintes da LC nº 64/90. Quanto aos legitimados ativos, o TSE decidiu que seriam os mesmos da Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura – AIRC, excluindo, assim, a legitimi-dade dos eleitores, defendida por alguns doutrinadores.
Constitui a AIME a última oportunidade para impedir que o candidato consiga exercer o mandato alcançado de forma irregular em face da prática de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Antes do início do prazo para a sua propositura, pode ser ajuizada a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, já estudada no capítulo 11.
Diferentemente do RCED que ataca a diplomação ou da AIJE que ataca o registro ou o diploma, a AIME objetiva atacar o próprio mandato eletivo, obtido pelo candidato.
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A AIME está prevista no art. 14, §§ 10 e 11, da CF/88:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.
§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.
É ação de direito material de cunho constitucional-eleitoral.
Visa a desconstituir a relação jurídica que dá sustentação ao mandato eletivo obtido ilicitamente pelo candidato eleito. Portanto, opõe-se ao próprio mandato ilicitamente obtido pelo impugnado, e não ao registro de candidatura ou ao diploma, como ocorre nas demais ações eleitorais, atingindo, por consequência, o mandatário.
A Constituição Federal determina que essa ação deve tramitar em segredo de justiça (art. 14, § 11 da CF), entretanto, já está sedimentado no TSE, que o seu julgamento deve ser público.
(...) O trâmite da ação de impugnação de mandato eletivo deve ser realizado em segredo de justiça, mas o seu julgamento deve ser público. (TSE – Processo Administrativo nº 18961 – Resolução – Rel. Min. Ellen Gracie, DJ, volume 1, 07/02/2003, p. 133).
Isso significa que as partes devem se abster de levar a público fatos suscitados no processo que devem ficar restrito aos autos. Ademais, o acesso aos autos e a obtenção de certidões ficam limitados às partes e seus procuradores.
Sobre o tema da tramitação em segredo de justiça, o TSE foi consultado acerca da possível incompatibilidade com o princípio da publicidade das decisões insculpido no art. 93, IX, da CF/88, com a redação dada pela EC nº 45/04, manifestando-se nos termos da ementa seguinte:
Consulta. Ministério público eleitoral. Ação de impugnação de mandato eletivo. Segredo de justiça. Art. 14, §11 e art. 93, ix da constituição da república.
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O trâmite da ação de impugnação de mandato eletivo deve ser realizado em segredo de justiça, mas o seu julgamento deve ser público (Cta 18.961/TO, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 27.4.2009).
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A nova redação do art. 93, IX, da CR/88, dada pela EC 45/04, não determina que todos os processos tramitem publicamente, mas apenas que os julgamentos sejam públicos. Embora a regra seja a publicidade dos processos judiciais, é possível que exceções sejam previstas, mormente no próprio texto constitucional. Permanece em vigor o disposto no art. 14, §11, da CR/88 que impõe o segredo de justiça ao trâmite da ação de impugnação de mandato.
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Consulta conhecida e respondida positivamente, pela permanência da obrigatoriedade da decretação de segredo de justiça no processamento das ações de impugnação de mandato eletivo. (TSE – Resolução n. 23.210, rel. Min. Felix Fisher, DJE, 11.03.2010).
Observe, entretanto, que a quebra do sigilo só deve ensejar a nulidade processual, se houver demonstração de prejuízo. Nesse sentido:
Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Art. 14, § 11, da constituição federal. Violação. Inexistência. Divergência jurisprudencial. Similitude fática. Ausência de demonstração. Decisão agravada. Fundamento não infirmado. Súmula nº 283 do stf. Não provimento. 1. A mera divulgação da propositura de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) e da sua peça inicial em sites de notícias na internet, por si só, não acarreta nulidade processual se não houver demonstração de prejuízo. Ofensa inexistente ao art. 14, § 11, da Constituição Federal. Precedente: RO nº 32/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 22.5.1998. (TSE – Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Júnior, DJE, 26/04/2011, p. 46).
Constituem hipóteses de cabimento da AIME a prática de fraude, corrupção e abuso do poder econômico, com o fim de influenciar indevidamente o processo eleitoral.
“Caracteriza-se como ato voluntário que induz outrem em erro mediante a utilização de meio astucioso ou ardil.”117Para Émerson Garcia: “no âmbito do procedimento eletivo, a fraude apresenta-se como todo ato, ainda que formalisticamente perfeito, engendrado com o fim de afetar a normalidade e legitimidade do pleito.”118
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Deve ser entendida em seu sentido amplo, e não apenas de fraude à lei, de forma a abranger também o ato simulado. Simular significa dar aparência de real ao que não existe ou dar uma aparência diversa da real.
Recentemente, o TSE alterou seu posicionamento no sentido de que a fraude que enseja a AIME diz respeito somente ao processo de votação, passando a inter-pretar o termo de forma ampla, a englobar todas as situações de fraude, inclusive de fraude à lei, que possam afetar a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato obtido, afirmando não ser possível a imposição de limitações ao texto constitucional que nela não constem. Considerou que a norma constitucional do art. 14, §10, da Lei Maior deve ser interpretada com as demais regras e princípios constitucionais, de forma a permitir a harmonização das hipóteses de cabimento da AIME com os fins legítimos das eleições que reflitam a vontade popular, livres de influências ilegítimas, na forma do seu § 9º do art. 14.
Nesse sentido:
(...) 2. O conceito de fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, §10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetados por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. (...) (TSE – REspe nº 1-49/PI, Rel. Min...
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