Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE

AutorElmana Viana Lucena Esmeraldo
Ocupação do AutorAnalista Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Pará
Páginas285-331

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A Ação de Investigação Judicial Eleitoral tem seu nascedouro no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 4, de 7 de julho de 1994, que assim dispõe:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Para dar eficácia ao dispositivo supratranscrito, foi promulgada a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, estabelecendo o procedimento da AIJE, com o objetivo de apurar denúncias de abuso de poder e influência no processo eleitoral.

Trata-se de crucial ação para o Direito Eleitoral, tendo em vista o seu objetivo, qual seja, combater e punir qualquer espécie de abuso de poder praticado com fins eleitorais, cujo conceito é amplo, de forma a abranger qualquer conduta abusiva grave que comprometa a lisura do pleito.

Visa proteger a normalidade e a legitimidade do pleito contra a interferência do abuso do poder econômico, político, de autoridade ou nos meios de comunicação social, podendo culminar com a cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, e a declaração de sua inelegibilidade e a de todos que tenham contribuído para a sua prática, pelo prazo de 08 (oito) anos, a contar da eleição em que o ilícito foi praticado, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90, alterada pela LC nº 135, de 04 de junho de 2010.

É processo jurisdicional de natureza cível, não criminal, uma vez apurada a prática de delitos eleitorais, deve-se remeter cópia dos autos ao Ministério Público para a instauração do processo criminal competente.

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Com a entrada em vigor da LC nº 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, a AIJE ganhou força e efetividade, em face das importantes alterações promovidas na Lei das Inelegibilidades que rege esse instrumento processual.

Ver-se-á, adiante, que não é mais imprescindível demonstrar a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição para que o pedido veiculado nessa ação seja julgado procedente, como entendiam os tribunais eleitorais, sendo suficiente, para a configuração do ato abusivo, que se demonstre a gravidade das circunstâncias que o caracterizam a ponto de ferir a legitimidade e normalidade da eleição.

Além disso, foi revogado o inciso XV e alterado o inciso XIV do art. 2287da LC nº 64/90, possibilitando a cassação não só do registro como também do diploma na AIJE, se julgada após a diplomação, extinguindo a necessidade de encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para que este propusesse Recurso contra a Expedição do Diploma ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, com o fim de tornar ineficaz o diploma do impugnado, quando a AIJE fosse julgada apenas após a diplomação.

E as mudanças não se limitaram ao já exposto, houve ainda aumento do prazo de inelegibilidade a ser declarada nessa ação dos antigos 3 (três) anos para 8 (oito) anos e a possibilidade de ser executada não só após o trânsito em julgado, como, também, em face de decisão proferida por órgão colegiado, nos termos do novo art. 15 da LC nº 64/90.

11. 1 Fundamentação Legal

A AIJE tem fundamento no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, que estabelece:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

11. 2 Natureza Jurídica

Trata-se de ação de direito material tipicamente eleitoral e não de mera investigação, tendo em vista que obedece os princípios do contraditório e ampla defesa; somente pode ser iniciada pelos legitimados elencados no art. 22 da LC nº 64/90 e representados por profissional advogado, com possibilidade de produção de provas, terminada com uma sentença ou acórdão, cabendo recurso.

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11. 3 Objetivo

A AIJE visa a combater o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico, do poder político ou do poder de autoridade, além da utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, ainda que praticados antes das convenções, em benefício de candidato, partido político ou coligação, a fim de garantir a normalidade e a legitimidade do pleito.

Tutela, portanto, bem jurídico de titularidade coletiva, com o fito de resguardar a estabilidade do regime democrático manifestado pela soberania do voto popular.

Busca-se por meio desta ação:

  1. a declaração da ocorrência de um fato jurídico ilícito;

  2. a declaração da inelegibilidade do candidato e de tantos quanto hajam contribuído para a prática do ato, para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou.

  3. a cassação do registro ou do diploma do candidato que praticou o ato ou que foi diretamente beneficiado por ele.

11. 4 Hipóteses de Cabimento

Diversas formas do abuso de poder que, nas palavras de Rodrigo López Zílio “é conceituado como qualquer ato, doloso ou culposo, de inobservância das regras de legalidade, com consequências jurídicas negativas na esfera do direito.”88José Jairo Gomes89, aponta importantes considerações acerca do conceito de abuso de poder. Para ele “Trata-se de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contornos diversos. Tais variações concretas decorrem de sua indeterminação a priori. Logo, em geral, somente as peculiaridades divisadas no caso concreto é que permitirão ao intérprete afirmar se esta ou aquela situação real configura ou não abuso. O conceito é elástico, flexível, podendo ser preenchido por fatos ou situações tão variados quanto os seguintes: uso nocivo e distorcido de meios de comunicação social; propaganda eleitoral irregular; fornecimento de alimentos, medicamentos, materiais ou equipamentos agrícolas, utensílios de uso pessoal ou doméstico, material de construção; oferta de tratamento de saúde; contratação de pessoal em período vedado; percepção de recursos de fonte proibida. No plano dos efeitos, a natureza, a forma, a finalidade e a extensão do “abuso” cometido podem render ensejo a diferentes respostas sancionatórias do ordenamento positivo.”

É necessário que as circunstâncias caracterizadoras do ato abusivo sejam graves, com repercussão na normalidade e legitimidade do processo eleitoral,

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bem jurídico protegido pela norma, embora não seja mais imprescindível demonstrar a sua potencialidade para alterar o resultado do pleito nos termos do novo inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, alterado pela LC nº 135/2010.

Podem ser objeto dessa ação condutas caracterizadoras das seguintes espécies de abuso de poder praticado em benefício de candidato, partido político ou coligação:

  1. Abuso do Poder Econômico

    Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder econômico caracteriza-se pelo uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura (AgR-REspe 730-14/MG, DJE, 02/12/2014).

    Valendo-se das palavras de Zílio, caracteriza-se esse abuso quando “o uso indevido de parcela do poder financeiro é utilizado com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito.”90Consiste na vantagem dada a uma coletividade de eleitores...

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