Análise da Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 - 'Lei da Ficha Limpa

AutorElmana Viana Lucena Esmeraldo
Ocupação do AutorAnalista Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Pará
Páginas419-458

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17. 1 Introdução

A Lei Complementar nº 135, de 04/06/2010, popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, alterou a Lei Complementar nº 64/90, é fruto da iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção que contou com mais de 2 milhões de assinaturas de eleitores. Essa medida representou um grande e importante avanço com relação à legislação eleitoral nacional, que se fez refletir, positivamente, em todo o processo eleitoral, trazendo uma roupagem mais esperançosa para o atual cenário político do nosso país.

Em linhas gerais, a Lei da Ficha Limpa acrescentou à Lei Complementar nº 64/90 novas causas de inelegibilidade, aumentou consideravelmente os prazos e trouxe inovações procedimentais relevantes para atribuir maior eficácia às Ações Eleitorais.

Neste capítulo, analisaremos, pontualmente, as alterações promovidas, ressaltando os seus aspectos mais relevantes.

17. 2 Inaplicabilidade às Eleições de 2010

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703 de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF, por maioria de votos, afastou a aplicação da LC nº 135/2010 às Eleições de 2010, em face do Princípio da Anterioridade gizado pelo art. 16 da Constituição Federal de 1988 que dispõe: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Assim, ficou definido que as novas regras instituídas pela Lei da Ficha Limpa só devem ser aplicadas às eleições que ocorram mais de um ano após a sua edição, ou seja, a partir das Eleições de 2012.

17. 3 Constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/210 e Aplicabilidade aos fatos ocorridos antes da sua edição

No julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.578 e das Ações Declaratórias nº 29 e nº 30, em 16/02/2012, o Supremo Tribunal Federal,

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por maioria, declarou a constitucionalidade da LC nº 135/2010 e entendeu que as hipóteses de inelegibilidades por ela introduzidas no ordenamento jurídico e alteração das já existentes poderão alcançar os fatos ocorridos antes da sua edição.

Assim, mesmo no caso em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na LC nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos, se ainda estiverem em curso, ou mesmo restaurados, para que cheguem aos 8 (oito) anos, desde que não ultrapassem esse prazo. Ou ainda, mesmo que a situação jurídica do indivíduo tenha se estabelecido em momento anterior à lei, ainda que à época dos fatos não caracterizasse hipótese de inelegibilidade (exemplo: condenação transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado pela prática de captação ilícita de sufrágio), seu efeitos perdurarão no tempo, para fins de reconhecimento da inelegibilidade.

Explico com dois exemplos:

Se uma pessoa foi condenada em Ação de Investigação Judicial Eleitoral pelo Tribunal Regional Eleitoral (órgão colegiado) pela prática de abuso do poder econômico nas Eleições de 2008, restando inelegível pelo prazo de 3 (três) anos, a contar da eleição em que o ilícito foi praticado, nos termos do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90 – Essa inelegibilidade se estenderá pelo prazo de oito anos (e não mais de três anos) a contar daquela eleição, já que o prazo ainda estava em curso quando a lei foi editada. E mais, ainda que esse ilícito tivesse sido praticado na Eleição de 2006, a inelegibilidade perduraria até 2014. Não há que se alegar, nesse caso, que à época da entrada em vigor da LC nº 135/2010, o prazo de três anos já havia expirado e que, portanto, não poderia ser atingido pela nova regra. Observe que, nesse caso, a condenação já existia, e o condenado será atingido pela inelegibili-dade do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90, com seu novo prazo.

Outro exemplo: se uma pessoa foi condenada em Representação Eleitoral pelo TRE pela prática de Captação Ilícita de Sufrágio praticada nas Eleições de 2008 - embora na época da condenação, esta não constituísse hipótese de inelegibilidade, essa situação será atingida pela LC nº 64/90, de forma que o condenado é considerado inelegível pelo prazo de 8 anos a contar da eleição em que o ilícito foi praticado, ou seja, até 2016. Já neste exemplo, a hipótese de inelegibilidade foi inserida pela LC nº 135/2010, mas mesmo assim atingirá fatos anteriores, desde que o prazo de 8 (oito) anos ainda não tenha decorrido.

Essas situações ocorrem porque as inelegibilidades mencionadas não constituem sanções impostas nas decisões das demandas referidas, mas efeitos secundários dessas condenações, tanto é que não precisam, nelas, constar.

É crucial observar que a inelegibilidade do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90 não deve ser confundida com aquela do art. 22, XIV, da mesma lei que constitui uma inelegibilidade-sanção, imposta na AIJE. Esta, diferente daquelas relacionadas no art. 1º, I, da lei das inelegibilidades, é imposta na condenação. Assim, o novo prazo

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de oito anos, previsto no inciso XIV do art. 22, não atingirá aquela condenação pelo prazo anterior de três anos que já tenha sido cumprido à época da entrada em vigor da LC nº 64/90. Assim é que, se uma pessoa foi condenada em AIJE por ilícito praticado nas Eleições de 2006, sendo-lhe imposta a inelegibilidade-sanção por três anos, esta não será atingida pelo prazo de oito anos, dado que, antes da entrada em vigor da LC nº 135/2010, o prazo já tinha findado (em 2009). Não obstante, para efeitos práticos, o condenado continuará inelegível, dado que sobre ele incidirá a inelegibilidade do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90 que, por não se tratar de sanção imposta na condenação, mas de uma consequência desta, se estenderá pelo novo prazo de oito anos, portanto, até 2014. Para mais informações sobre a diferença entre a inelegibilidade-sanção do art. 22, XIV e a inelegibilidade do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90, bem como sobre a intensa discussão jurisprudencial sobre o tema, vide item 17. 7.

17. 4 Análise de princípios e conceitos que fundamentaram as decisões do TSE e STF sobre a constitucionalidade e aplicabilidade da lei

Para uma melhor compreensão da Lei Complementar nº 135/2010, faz-se necessário analisar alguns conceitos e princípios que fundamentaram as decisões do TSE e do STF pela sua constitucionalidade e aplicabilidade a fatos ocorridos antes da sua edição conforme dito no tópico acima.

1 – A inelegibilidade não é pena – Não se pode dizer que a inelegibilidade é uma sanção, uma vez que nela incidem determinadas categorias, não porque elas devam sofrer essa pena, mas, sim, porque o legislador as incluiu nelas por entender que podem exercer certo grau de influência no eleitorado, é o que ocorre, por exemplo, com os parentes de titular de cargo eletivo do Poder Executivo, que sofrem restrição de elegibilidade sem que tenham praticado qualquer ilícito a ensejar a aplicação de penas.

2 – Momento de aferição das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade – A aferição destes se dá no momento do pedido do registro de candidatura. Assim, as novas disposições devem ser aplicadas, indistintamente, a todos aqueles que no momento da formalização desse pedido incidirem em alguma causa de inelegibilidade. Não há que se falar em direito adquirido às causas de inelegibilidades previstas anteriormente. Considerou-se, inclusive, irrelevante o tempo verbal utilizado pela lei, entendendo que a norma terá aplicabilidade imediata aos já condenados, ainda que tenha sido alterada a expressão ”que tenham sido condenados”, por “que forem condenados” na redação aprovada da lei.

3 – Inaplicabilidade da regra do art. 5º do inciso LVII da CF/88: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”

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– Princípio da Presunção de Inocência. Como o próprio dispositivo legal reza, sua aplicabilidade se restringe aos processos criminais; ao tratar-se de inelegibilidade, ninguém está sendo considerado culpado de nada. O fato de a inelegibilidade, que não é sanção, incidir em hipótese prevista em lei, não significa que está sendo antecipado o cumprimento de qualquer pena.

4 – É absurdamente contraditório que a Justiça Eleitoral casse o mandato de um candidato pela prática de abuso de poder, corrupção, captação ilícita de sufrágio, condutas vedadas, determinando o cumprimento imediato da decisão e permita que essa mesma pessoa volte a pleitear o mesmo ou outro cargo, pelo simples fato de não ter, a decisão condenatória, transitado em julgado.

5 – Eficácia da decisão antes do trânsito em julgado – Inaplicabilidade do art. 15, III da CF/88, que garante a aplicação dos efeitos da sentença penal condenatória apenas após o trânsito em julgado. Como dito, entendeu o TSE, que a nova lei não tem caráter penal e a inelegibilidade não é pena, portanto não deve obediência ao dispositivo mencionado. Acrescentou, ainda, que não há que se questionar o risco de o candidato ser vitorioso ao final e perder a oportunidade de exercer o mandato, uma vez que este pode obter uma liminar para suspender os efeitos da inelegibili-dade, desde que presentes os requisitos autorizadores para sua obtenção. A lei não deixou desamparados aqueles que incidam nas novas causas de inelegibilidades, prevendo a possibilidade de requerer sua suspensão por ocasião da interposição do recurso da decisão condenatória proferida por órgão colegiado, admitindo, inclusive, o aditamento do recurso por aqueles que já...

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