Administração indireta

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ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
7.1 ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
A Administração Indireta abarca o conjunto de entidades estatais, dotadas de
personalidade jurídica própria, de direito público ou privado, e instituídas pela
União, pelos Estados ou pelos Municípios de acordo com suas próprias estratégias
político-organizacionais para executar tarefas estatais de modo mais ef‌iciente. Elas
resultam da utilização de técnicas de descentralização funcional ou territorial por
cada ente federativo, que, dentro de sua autonomia organizacional, def‌inem a quan-
tidade, a natureza jurídica e as funções de suas entidades descentralizadas. Nesse
campo, os entes políticos agem de modo discricionário a partir de sua autonomia
federativa, não cabendo impor a aplicação de qualquer tipo de paralelismo da estru-
tura organizacional da União a Estados e Municípios. A Constituição exige somente
que o estabelecimento das entidades se proceda por lei ou após autorização legal do
respectivo Poder Legislativo (art. 37, XIX e XX da CF).
Se a entidade assumir personalidade jurídica de direito público interno (como
as autarquias), deverá ser “criada por lei”; caso tenha personalidade de direito pri-
vado (como as empresas estatais), dependerá de “lei que autorize” sua criação e do
cumprimento dos requisitos da legislação civil ou comercial. Em qualquer situação,
exigir-se-á a edição de lei em sentido formal (“reserva legal”), ou seja, lei debatida
e aprovada pelo Congresso Nacional, mas apresentada pelo Poder Executivo (“re-
serva de iniciativa”). É essa lei que incorpora a vontade do povo, ou seja, representa
os motivos pelos quais a coletividade considerou oportuno instituir e custear uma
nova entidade estatal. A lei também def‌ine as f‌inalidades e tarefas de cada entidade
da Administração Indireta. Por conseguinte, violará a legalidade administrativa o
administrador público que direcionar a entidade estatal a f‌ins não previstos, explícita
ou implicitamente, no ordenamento jurídico, ou melhor, na lei de criação. Diz-se,
por isso, que essas entidades são regidas pelo “princípio da especialidade”, i.e., pela
obrigatoriedade de respeito às f‌inalidades indicadas em lei.
Um exemplo permite esclarecer a relevância desse princípio. Imagine-se que
um Município crie uma empresa estatal, cujo objetivo legal consista na prestação
local de serviços de tratamento de resíduos sólidos. Após alguns anos de sua criação,
com vistas a aumentar receitas f‌inanceiras, seus administradores decidem prestar
serviços de saneamento para outros Municípios e no exterior, além de ingressar no
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME I • Thiago Marrara
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setor de telefonia. Por força do princípio da especialidade (derivado da legalidade),
essa atuação será ilícita. A modif‌icação de escopo da empresa estatal será possível
somente se os representantes políticos da população local na Câmara dos Vereado-
res aprovarem lei proposta pelo Prefeito para modif‌icar os f‌ins da entidade e seus
limites territoriais de ação.
7.2 ENTIDADES COMPONENTES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
A Administração Indireta brasileira engloba pessoas jurídicas estatais, de di-
reito público interno e de direito privado, especializadas em determinadas funções
atribuídas pelo legislador e supervisionadas pela Administração Direta. Apesar da
def‌inição teórica relativamente simples, seu estudo é bastante complexo em razão
da falta de um regime jurídico claro e bem delimitado, do uso indevido das f‌iguras
pelo legislador – que frequentemente joga atividades tipicamente públicas nas mãos
de entes privados e atividades tipicamente privadas nas mãos de entes com perso-
nalidade pública – e do constante anseio de muitos dirigentes dessas entidades de
se utilizarem os poderes típicos do regime administrativo ao mesmo tempo em que
buscam se livrar das limitações impostas por esse mesmo regime. Some-se a isso
um cenário de normas altamente pulverizadas, ora presentes nas fontes constitu-
cionais, ora em leis de direito público e até mesmo em diplomas privados, como o
Apesar das dif‌iculdades e dos desaf‌ios, todas as pessoas jurídicas da Adminis-
tração Indireta podem ser enquadradas em quatro grandes categorias. Embora a
Constituição se ref‌ira somente a autarquias, empresas e fundações estatais no art.
37, XIX, é preciso agregar a esse rol as associações estatais derivadas de consórcios
também baseados no texto constitucional (art. 241). O Código Civil rotula as asso-
ciações estatais como espécie de autarquias sempre que elas detenham personalida-
de de direito público (art. 41, IV). No entanto, a legislação específ‌ica prevê que os
consórcios poderão assumir alternativamente a forma de associação estatal privada,
caso em que não se incluirão no conceito de autarquia. Por essa razão, há que se ler
com cautela o dispositivo do Código Civil para evitar generalização indevida.
Em breve panorama introdutório, quanto à natureza, as autarquias são pessoas
jurídicas de direito público interno “criadas” por lei (art. 37, XIX da CF). As empresas
estatais conf‌iguram sociedades “autorizadas” por lei com obrigatória personalida-
de de direito privado (art. 44, II do CC). As associações (derivadas do contrato de
consórcio público) são de direito público interno ou de direito privado (art. 1º, § 1º
da Lei 11.107/2005). Já as fundações detêm, a princípio, natureza privada por força
do Código Civil (art. 44, III), mas, na prática, o Estado instituiu várias delas com
estrutura e regime autárquicos, ou seja, como pessoas de direito público interno
idênticas a autarquias (daí serem usualmente chamadas de fundações autárquicas
ou fundações de direito público).

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