Conceitos fundamentais

Páginas1-24
1
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
1.1 INTRODUÇÃO
Ramo jurídico relativamente recente, em seus aproximadamente dois séculos
de história, o direito administrativo desenvolveu princípios, institutos e uma termi-
nologia bastante próprios. Ao longo desse breve período, sua autonomia científ‌ica e
suas peculiaridades se intensif‌icaram em virtude de desdobramentos legislativos, da
evolução doutrinária e da contribuição jurisprudencial. Qual é, porém, a essência do
direito administrativo? Como esse ramo é inf‌luenciado por modelos de administração
pública? Com quais relações jurídicas essa disciplina se ocupa? Oferecer respostas
a essas questões introdutórias é fundamental para se compreender os limites da
disciplina e, por conseguinte, de seus institutos e normas. Esse capítulo é dedicado
a construí-las, bem como a propor uma classif‌icação do direito administrativo pelo
seu conteúdo.
1.2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SENTIDO OBJETIVO E SUBJETIVO
Sob concepção racional e democrática, o Estado, como f‌icção jurídica, somente
se justif‌ica quando se presta a desempenhar tarefas que os seres humanos, solitaria-
mente, não são capazes de executar em razão de limitações materiais ou f‌inanceiras
ou não as podem realizar de maneira satisfatória ou impessoal. Daí já se percebe que
o Estado tem uma função imanente de administração da vida coletiva, de modo que o
direito administrativo, como disciplina jurídica da administração pública, torna-se
parte natural das comunidades políticas organizadas. Entender o direito administra-
tivo pressupõe conhecer o signif‌icado de administração pública na época e no lugar
de cada comunidade política, bem como diferenciá-la do conceito maior de Estado.
Enquanto o Estado é sujeito na ordem internacional, ente soberano a exercer
seu poder sobre um povo localizado em território delimitado, no plano interno, ele
está longe de formar um bloco monolítico. Em termos orgânicos ou institucionais,
subdivide-se em níveis federativos (União, Estados e Muni cípios no caso brasileiro),
em Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), em entidades (ou seja, pessoas
jurídicas de direito público ou privado) e órgãos públicos (subdivisões sem perso-
nalidade jurídica das entidades).
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME I • Thiago Marrara
2
Mediante esse aparato organizacional com plexo, o Estado desenvolve as in-
contáveis funções que o povo lhe atribui por meio de mandamentos normativos
contidos no texto constitucional (funções legislativas, judiciais, de governo e de
administração) e desdobrados em incontáveis fontes infraconstitucionais. Em que
consistem essas funções de administração pública?
No sentido objetivo ou material, a “administração pública” (com iniciais mi-
núsculas) indica um conjunto de atividades de caráter prestativo ou restritivo
voltadas a dois propósitos maiores: i) o atendimento das necessidades concretas da
sociedade governada conforme políticas públicas legitimadas democraticamente e
ii) o geren ciamento adequado das entidades, órgãos, pessoas e bens que estruturam
o Estado. A administração pública como função nada mais é que a gama de tarefas de
gerenciamento de políticas públicas e do aparelho estatal.
Para atender as necessidades concretas da coletividade e concretizar direitos
fundamentais, a administração se desdobra (i) na estruturação e execução de ati-
vidades articuladas sob políticas públicas e consistentes na oferta de comodidades
direta ou indiretamente fruíveis pelos cidadãos (como serviços de energia, sanea-
mento, saúde, educação ou o fomento a certos setores culturais ou econômicos) e
(ii) na restrição de comportamentos de pessoas físicas ou jurídicas com o objetivo
de assegurar ou gerar mediatamente um benefício geral – o que se faz, por exemplo,
pela regulação da emissão de poluentes, do tráfego de veículos automotores, das
edif‌icações urbanas, da comercialização de medicamentos e alimentos, do exercício
das prof‌issões e assim por diante.
O desenvolvimento e a execução das políticas públicas, sob os mandamentos
constitucionais, pressupõe uma “máquina administrativa” em bom funcionamento.
Para cumprir suas funções constitucionais e legais em qualquer dos três Poderes,
o Estado depende dessa “máquina”, ou melhor, de um conjunto de entidades, ór-
gãos e agentes, além de infraestruturas, equipamentos, material, conhecimentos e
recursos f‌inanceiros.
Pela imprescindibilidade dessa máquina, a administração pública no sentido
material ou funcional também engloba, de modo inevitável, as tarefas quotidianas
de gestão operacional necessárias à manutenção e ao funcionamento da estrutura
do Estado. A seleção e gestão de recursos humanos (servidores estatutários, empre-
gados e temporários), a aquisição, a manutenção e a alienação de recursos materiais
(mediante contratação de bens, serviços e obras, alienação ou outorga de uso de
objetos patrimoniais) e o desenvolvimento de relações entre entidades e órgãos
públicos (por meio de celebração de convênios, ações de cooperação ou coordena-
ção) exemplif‌icam essa função. Por força dos valores democráticos e republicanos
que marcam o Estado de Direito brasileiro, o gerenciamento da máquina envolve
adicionalmente a elaboração e a utilização de mecanismos de controle daqueles que
executam as funções do Estado ou dela se benef‌iciam de alguma maneira.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT