Agentes públicos

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AGENTES PÚBLICOS
10.1 DEFINIÇÃO E ESPÉCIES
Para desempenhar as funções administrativas, legislativas e judiciais em prol
da concretização dos interesses públicos primários e dos direitos fundamentais, o
Estado age como uma grande corporação que se apoia no trabalho remunerado ou
gratuito de milhares de cidadãos. Ao vincularem-se ao Estado e atuarem em seu
nome, esses indivíduos submetem-se a um conjunto de normas especiais que não
se confunde inteiramente com o regime dos trabalhadores privados ou autônomos,
embora em alguns casos se aproxime bastante dele. Em verdade, inexiste um único
regime jurídico que discipline as relações laborais com incontáveis entidades estatais.
Os vínculos e os regimes são variados e, exatamente para dar conta dessa variedade,
consagrou-se ao longo do tempo a expressão “agentes públicos” como um conceito
abrangente. Nele se inserem todos os trabalhadores do Estado, quais sejam: os ser-
vidores públicos civis (empregados públicos, estatutários e ocupantes de função
temporária), os militares, os agentes políticos e os colaboradores.
A Constituição da República prescinde de uma def‌inição dos agentes públicos.
No entanto, a expressão é reconhecida em certos dispositivos, tal como se vislum-
bra no art. 37, § 6º, que trata da responsabilidade objetiva do Estado em razão de
danos causados por seus “agentes”. Dada a lacuna constitucional, é preciso buscar
na legislação algum suporte para a compreensão do conceito. É nesse contexto que
ganha importância a Lei de Improbidade Administrativa, pela qual se reputa agente
público “o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contra-
tação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego
ou função...” (art. 2º).
A norma da Lei de Improbidade tem dúplice utilidade. De um lado, ela permite
identif‌icar o sujeito ativo do ato de improbidade. De outro, oferece uma def‌inição
nacional do conceito de agente público que se mostra capaz de abarcar todos os
indivíduos que atuam em nome do Estado de acordo com os mais diversos tipos de
relação jurídico-trabalhista.
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME I • Thiago Marrara
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Agentes públicos
Agentes políticos
Colaboradores
Militares
Servidores civis em sentido amplo
- Ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo
- Ocupantes de cargos públicos de provimento vitalício
- Ocupantes de cargos comissionados
- Empregados públicos
- Servidores temporários em razão de excepcional interesse público
Fonte: elaboração própria
10.2 PEC 32 E PROPOSTAS DE REFORMA
Em relação à matéria de agentes públicos, tramita na Câmara dos Deputados a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 32/2020, denominada “Reforma Ad-
ministrativa”. Com ela, busca o governo federal alterar signif‌icativamente as disposi-
ções sobre o regime dos agentes públicos. A classif‌icação atual seria completamente
substituída por uma nova, baseada em servidores: (i) com vínculo de experiência
(como etapa do concurso público); (ii) com vínculo por prazo determinado; (iii)
ocupante de cargo e com vínculo por prazo indeterminado; (iv) ocupante de cargo
típico do Estado e (v) ocupante de cargo de liderança e assessoramento, que assu-
miriam “atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas”. Somente os ocupantes dos
cargos típicos disporiam de estabilidade, sendo todos os outros precários, inclusive
os de liderança em atividade técnica – proposta que obviamente aniquila a autonomia
laboral dos técnicos dentro da Administração Pública. Como a PEC n. 32/2020 ainda
está sob análise e em discussão no Congresso e existem muitas e fundadas críticas
ao seu conteúdo, não será levada em conta nos comentários a seguir.
10.3 AGENTES POLÍTICOS
Agentes políticos são indivíduos que exercem atribuições funcionais nas cúpulas
dos três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Por
seu relevante papel na condução do Estado e na construção das políticas públicas, eles
operam com base em ampla discricionariedade, submetem-se a um regime jurídico
especial, sobretudo em termos de prerrogativas e de responsabilização, e dependem
de alta legitimação democrática, garantida quer por meio de sua eleição direta pelo
povo, quer por sua indicação por outro agente político eleito. Dessa def‌inição extra-
em-se quatro características fundamentais que merecem ser ressaltadas, quais sejam:
i. O exercício de “funções de cúpula” no Executivo, no Legislativo ou no Judiciá-
rio, ou seja, a execução direta do poder de criar leis, a realização de atividades
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governativas e da alta administração, além do desempenho da magistratura
no âmbito dos tribunais superiores.
ii. A “escolha direta pelo povo”, para os agentes políticos que exercem mandato
determinado pelo texto constitucional em obediência ao princípio republi-
cano, ou a “indicação livre por um agente eleito”, caso em que poderão assumir
cargo de livre nomeação, com ou sem livre exoneração;
iii. A maior “abertura de seus cargos à ação discricionária” e a inf‌luxos de ordem
ideológica, política, partidária e até religiosa, dado que, em grande parte, os
agentes políticos são escolhidos pelo povo em virtude de suas concepções e
posicionamentos a respeito dos rumos do Estado e da sociedade;
iv. A submissão a um “regime jurídico especial”, delimitado em muitos aspectos
pela própria Constituição da República, bem como pelas Constituições Es-
taduais e Leis Orgânicas dos Municípios, inclusive em matéria de responsa-
bilização, remuneração, cumulação de cargos, empregos e funções públicas
e hipóteses de perda do cargo.
Em virtude dessas características, consideram-se como agentes políticos o
Presidente da República e o Vice-Presidente, o Governador e o Vice-Governador, o
Prefeito e o Vice-Prefeito, os Ministros de Estado, os Secretários estaduais e muni-
cipais, os Senadores, os Deputados federais, os Deputados estaduais, os Vereadores,
os Ministros do STF, do STJ, do STM, do TST e do TSE, bem como os Ministros do
TCU e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. No âmbito da
União, integram-se igualmente à categoria dos agentes políticos: os membros do
Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, o Pro-
curador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.
Os magistrados de carreira, os promotores e outros prof‌issionais vinculados
ao sistema de Justiça, no âmbito do Judiciário ou do Executivo, não se caracterizam
como agentes políticos, mas sim como servidores civis regidos por estatutos espe-
ciais ou próprios. Não é possível incluí-los como agentes políticos por lhes faltar: i)
legitimação decorrente da escolha direta do povo (já que sua legitimação é técnica),
ii) ampla discricionariedade típica do agente político (pois devem manter extrema
neutralidade) e iii) relação com a cúpula dos três Poderes.1
O fato de os agentes políticos dividirem características comuns não implica
que se encaixem em um regime jurídico único e homogêneo. Conforme explicita o
texto constitucional, existem normas que atingem uns, mas não outros.
A Constituição traz uma série de normas próprias aos agentes políticos elei-
tos para cumprir mandato no Poder Legislativo. Em primeiro lugar, ela cuida dos
requisitos de elegibilidade (art. 14, § 3º) e garante a esse subgrupo de políticos: i) a
1. Nesse sentido, cf. igualmente DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MOTTA, Fabrício. Tratado de direito
administrativo, v. 2: Administração Pública e servidores públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 335.

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