Organização administrativa

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ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
5.1 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA: DEFINIÇÃO E RELEVÂNCIA
Em perspectiva comparativa, os Estados se diferenciam de modo expressivo
quanto a suas funções e a seu papel diante da comunidade política. Apesar dessas
diferenças, ao longo do tempo, muitos deles se agigantaram e assumiram tarefas
extremamente relevantes para assegurar a dignidade das pessoas e o bom funciona-
mento tanto da sociedade, quanto da economia.
No Brasil, mesmo depois de um movimento de transformação do “Estado
prestador” em “Estado regulador” iniciado na década de 1990, o número de tarefas
administrativas permaneceu bastante elevado. E, na medida em que todos os indi-
víduos são iguais perante a lei e desfrutam do mesmo rol de direitos fundamentais,
cumpre à Administração prestar essas variadas tarefas com qualidade equivalente em
qualquer ponto do território continental, a despeito das disparidades econômicas,
sociais e políticas, bem como das diferentes etnias e culturas.
Referidos fatores, entre outros, explicam a crescente importância do direito da
“organização administrativa”, subárea do direito administrativo que se ocupa com
o modo pelo qual o Estado se estrutura em entidades e órgãos, por meio de técnicas
de junção ou repartição política, administrativa ou orgânica de tarefas, e com as
relações entre o Estado e entidades não-estatais, com ou sem f‌inalidade lucrativa,
que colaboram com a execução de funções administrativas.
Não cabe à ciência jurídica proceder a análises de ef‌iciência, de custos ou de
conveniência política da formatação estatal – objeto de outras ciências –, mas sim
estabelecer e esclarecer os fundamentos e os limites de organização no contexto do
Estado Democrático de Direito, os requisitos e procedimentos legais de criação/ex-
tinção de entidades estatais, com personalidade de direito público ou privado, e sua
estruturação em órgãos públicos, além de delinear seus regimes jurídicos, por exem-
plo, no que se refere à contratação, ao regime de pessoal e ao relacionamento inter
e intra-administrativo. No estudo da organização administrativa, ademais, busca-se
encontrar e expor os requisitos para que o Estado f‌irme parcerias, em sentido amplo,
com os entes privados de colaboração (também conhecidos como terceiro setor ou
administração paraestatal).
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME I • Thiago Marrara
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A preocupação jurídica com a organização do Estado se revela fundamental
quer porque a legislação trata do assunto em inúmeros diplomas, quer porque as
opções organizacionais condicionam a concretização de objetivos e princípios cons-
titucionais diversos. A maneira como o Estado se organiza inf‌luencia: i) a ef‌iciência
e a ef‌icácia no exercício de suas tarefas, já que def‌ine o regime jurídico da máquina
pública e impacta seus custos de funcionamento; ii) o grau de democratização e
de legitimidade estatal, haja vista que a concentração e a repartição de tarefas po-
dem, respectivamente, afastar ou aproximar o Estado da população, dos contextos
regionais e das necessidades locais e iii) o controle do Estado pela sociedade, sua
transparência e o combate à corrupção.
A organização estatal vigente em determinada época varia não somente em
virtude dos três elementos apontados. Uma gama ampla de fatores jurídicos e extra-
jurídicos deve ser considerada. A estruturação do Estado resulta, em primeiro lugar,
das opções do poder constituinte em relação à divisão dos poderes em sentido vertical
e horizontal, bem como das opções de formatos institucionais. Em segundo lugar,
ela se explica por aspectos territoriais, demográf‌icos, econômicos, operacionais e
políticos. Em terceiro lugar, ela se vincula a modelos ou concepções dominantes de
gestão pública em certos períodos históricos.
No Brasil pós-1990, a adoção do gerencialismo impactou de maneira evidente
a estrutura do Poder Executivo federal e de inúmeros entes políticos subnacionais.
No intuito de corrigir algumas def‌iciências do modelo burocrático, porém sem
pretender substituí-lo, as reformas conduzidas a partir daquela década redundaram
em diminuição do número de empresas estatais e no aumento de pessoas jurídicas
de direito público com função regulatória. A reforma fortaleceu a privatização e
reativou as entidades privadas que atuam em conjunto com o Estado, dando força
ao terceiro setor, inclusive mediante a criação de novos rótulos, como “Organização
Social”, “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” e “Organização da
Sociedade Civil”. Já na década de 2000, as mudanças de governo ocasionaram, no
âmbito federal, um incremento do número de Ministérios e uma retomada da criação
de empresas estatais. Ainda assim, não se abandonou o modelo regulador, nem se
dispensaram as técnicas de privatização e de fortalecimento de entes de colaboração
não estatais. A partir de 2019, com as novas mudanças do perf‌il do governo, nota-se
um caminho inverso de fusão e redução de ministérios, extinção de órgãos colegiados
e alienação de empresas estatais.
Todas essas variações organizacionais ocorridas para um lado ou outro desde
a Constituição de 1988 revelam como os temas de organização administrativa se
deixam inf‌luenciar pelas concepções governamentais e conf‌irmam a importância dos
modelos de estruturação da Administração para a viabilização de políticas públicas
e de planos governamentais.

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