O afeto como princípio jurídico do direito das famílias

AutorJuliana Maggi Lima
Páginas57-64
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O AFETO COMO PRINCÍPIO JURÍDICO
DO DIREITO DAS FAMÍLIAS
3.1 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O divórcio, em 1977, foi uma ruptura epistemológica do conceito de família.
Um dos fundamentos da família até então, a indissolubilidade, foi superado. Cerca de
uma década depois, a Constituição Federal de 1988 rompeu com outro que era um
conceito inerente à família, o matrimônio, pois permitiu sua constituição por outros
meios que não o casamento. Essas mudanças passaram por longos questionamentos
sociais, que ref‌letiram em debates políticos, acadêmicos e religiosos.
Ainda na década de 1970, João Baptista Villela passou a questionar se os cui-
dados e a criação de uma criança teriam potencial para gerar uma relação parental
(VILLELA, 1979, p. 402). Desde então, tais cuidados ou situações de fato deram
impulso à discussão iniciada pelo professor mineiro.
Situações peculiares intimamente ligadas à história da construção da sociedade
brasileira levaram ao surgimento de relações de fato e não reconhecidas pelo direito,
que se repetiam em diferentes lugares do Brasil, vindo até mesmo a ganhar nome
próprio. Os “f‌ilhos de criação” eram, no mais das vezes, crianças de famílias pobres
ou f‌ilhos de empregadas domésticas que cresciam junto com os f‌ilhos dos donos
das casas. Eles eram tratados como indivíduos de terceira classe, que não tinham as
mesmas oportunidades ou direitos sucessórios dos f‌ilhos legítimos (pretensamente
biológicos). A prática de registrar uma pessoa como se fosse um f‌ilho biológico,
sem o devido processo de adoção, era tão comum que passou a se chamar “adoção
à brasileira”.
O afeto, ainda recente para o direito enquanto conceito, parece ser a nova rup-
tura epistemológica do direito das famílias e vem sendo adotado para solucionar
essas questões, ganhando importância que se ref‌lete em importantes julgamentos do
Supremo Tribunal Federal (no acórdão da ADI 4.277, a palavra “afeto” aparece mais
de trinta vezes, sem contar suas derivações, como “afetividade”), na legislação (por
exemplo, art. 5º, III, da Lei Maria da Penha) e mesmo nas produções acadêmicas.
Nos últimos anos, o debate sobre esse conceito vem crescendo. Camila Affonso
Prado, em sua tese de doutorado, de 2016, destacou que o tema ainda é controvertido,
seja por se tratar de objeto de estudo de diversos ramos da ciência, entre os quais
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