Considerações metodológicas e terminológicas

AutorJuliana Maggi Lima
Páginas1-6
1
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS E
TERMINOLÓGICAS
A questão-problema a ser enfrentada por este trabalho é a seguinte: quais são
os elementos jurídicos que delimitam o conceito vigente de família, de acordo com
o entendimento do STF e do STJ a partir do advento da CF de 1988? No intuito de
responder a essa questão, propõe-se analisar acórdãos dessas cortes no reconheci-
mento inédito da família homoafetiva, que supera um dos requisitos historicamente
apresentados como essenciais à formação de família, isto é, a dualidade de gêneros.
A revolução burguesa que se desenvolveu desde o século XVIII também reper-
cutiu nos valores morais da sociedade, especialmente no que se refere à diminuição
dos núcleos familiares. Por meio de literatura de outros ramos da ciência, em espe-
cial das ciências sociais, serão apresentados os valores burgueses oitocentistas, do
recorte de gênero e racial então predominantes, que orientaram a def‌inição jurídica
(legal e doutrinária) da família tradicional1.
O conceito tradicional de família era baseado nos valores morais vigentes,
inf‌luenciados por premissas religiosas e com forte aspecto patrimonial. Religião e
patrimônio eram fontes recíprocas de sustentação do conceito de família; um argu-
mento sustentava o outro. Havia o interesse em manter os recursos f‌inanceiros sob
o mesmo tronco familiar (GODOY, 2005, p. 129), e de outro lado havia argumentos
religiosos que justif‌icavam tal situação. A mulher devia obediência ao homem, o que
permitia que houvesse um líder estabelecido pela “ordem natural” ou por “deus”.
O casamento era eterno em vida (assim, o patrimônio não seria dissipado, mesmo
motivo pelo qual apenas f‌ilhos matrimoniais seriam reconhecidos2), e o patriarca
era, em regra, o líder espiritual da família, que ditava as normas religiosas a serem
seguidas3.
1. Art. 229 do Código Civil de 1916: “Criando a família legítima, o casamento legitima os f‌ilhos comuns,
antes dele nascidos ou concebidos (arts. 352 a 354)”. A doutrina da época descreve a família como a válida
união entre o homem e a mulher, unidos pelo legítimo matrimônio, e sua prole comum. Nesse sentido,
Pontes de Miranda (1917); Lafayette Rodrigues Pereira (1918).
2. Nesse sentido, cabe destacar que até 1942 o adultério feminino era punido de forma mais severa que o
masculino (punido apenas se a concubina fosse “teúda e manteúda”), pelo maior risco de haver prole
estrangeira ao casamento. Ainda assim, em tal caso, a f‌im de preservar o tronco familiar, a presunção de
paternidade não era ilidida de plano sequer com a conf‌issão de adultério da mulher (arts. 346 do CC 1916
e 279 do Código Penal de 1890 – Decreto n. 847/1890) (BARBOZA, 1997, p. 9).
3. Tudo isso se justif‌icava em nome da paz doméstica (TEPEDINO, 1997, p. 54).
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