Alguns conceitos elementares de teoria dos jogos: uma análise sucinta de aspectos potencialmente relevantes

AutorEstevan Lo Ré Pousada
Ocupação do AutorBacharel, Mestre (2006) e Doutor ('summa cum laude') em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (2010)
Páginas373-392

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* Estudo previamente publicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 132 (2004), pp. 166-176.

Introdução

A presente análise corresponde à reprodução, dotada da maior fidelidade possível, de uma prova de conclusão de matéria ministrada junto ao Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, intitulada “Condições Gerais de Negócios e Contratos por Adesão”.

De tal maneira, o trabalho empreendido deve ser compreendido com a cautela e a parcimônia recomendáveis à leitura de qualquer esboço, haja vista a carência de referências bibliográficas e a simplicidade com que os conceitos a seguir serão expostos.

Contudo, se algum comentário se pretende fazer a respeito da oportunidade do estudo da Teoria dos Jogos no âmbito jurídico, é necessário, preliminarmente, ter bem assentados conceitos absolutamente indispensáveis à real compreensão de um fenômeno que alcança todas as modalidades de relacionamentos humanos – a fim de que seja abordada como uma verdadeira hipótese de estudo, avaliação e previsão de comportamentos em comunidade.

Para que tal abordagem vingue em qualquer de seus aspectos, em primeiro lugar será necessária uma abordagem do que se deva entender por jogos, jogos soma-zero, jogos soma não-zero, dominância, dominân-

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cia estrita, dominância relativa, dominância iterada, jogos repetidos (ou reiterados), jogos finitos, jogos infinitos, jogos de uma pessoa, jogos de duas pessoas e jogos de mais de duas pessoas.

Será necessário ainda analisar os conceitos de Equilíbrio de Nash, Esquema Arbitrado de Lucros de Nash e outros mais que oportunamente se mostrarem necessários.

Este o fito principal da análise a seguir – que como se verá, corresponde a um verdadeiro emaranhado de conceitos, que senão precisamente apontados, simplesmente sugeridos, a fim de que o leitor, por seus próprios meios, possa desmascarar o autor das presentes linhas, desenvolvendo, enfim, os estudos de uma ciência tão promissora aos juristas – a tão aludida Teoria dos Jogos.

1. A indução em retrocesso e seu âmbito de aplicação

A indução em retrocesso somente pode ser definida, de modo satisfatório, em um contexto no qual já estejam perfeitamente estabelecidos, por sua vez, conceitos que a precedem sob a perspectiva lógica. Não se trata de ir aos céus ou aos infernos, mas de estipular, com clareza, seus âmbitos de aplicação.

Em primeiro lugar, do estudo preliminar empreendido sobre a teoria dos jogos, resultou que o termo jogo corresponde – em sentido amplo e técnico – a toda forma de interação e mútua infiuência ocorrente entre sujeitos dispostos sob um dado contexto.

Sob tal enfoque, depreende-se a existência de duas possibilidades de interações (jogos) entre quaisquer indivíduos: de um lado, aqueles em que, pela natureza do jogo e pelas circunstâncias nas quais é desenvolvido, inexiste qualquer criação de riqueza – mas apenas e tão somente seu puro deslocamento de um jogador a outro.

De outra sorte, percebe-se a viabilidade de jogos nos quais, não apenas em decorrência de sua natureza (estrutura), como também devido a circunstâncias como o ambiente do jogo, possibilita-se às partes a autêntica geração dos resultados por essas obtidos.

Poder-se-ia dizer, então, que os primeiros jogos, nos quais um jogador ganha exatamente aquilo que o outro jogador perde (e vice-versa) seriam chamados jogos soma-zero (nos quais a soma dos resultados obtidos

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pelos jogadores é equivalente a zero – o que evidencia, por si só, o simples deslocamento).

O segundo tipo de jogo, por sua vez, caracteriza-se pela obtenção de resultados evidenciadores de uma criação de utilidade, obtida mediante relações mantidas entre os jogadores e terceiros; tais são os chamados jogos soma não-zero.

O jogo soma-zero, ao contrário de seu correlato, não abre oportunidades às partes para qualquer forma de acordo. Ausente ou presente a comunicação entre os jogadores, a sua relevância é absolutamente nenhuma.

No que tange, todavia, aos jogos soma não-zero, a questão se põe de outra forma. Como os resultados serão obtidos, na prática, mediante relações a serem mantidas com terceiros – de modo que os resultados de cada jogador não serão obtidos, assim, às expensas de seu adversário – abre-se uma dupla possibilidade (em verdade, quádrupla): os jogadores podem (ou não) jogar utilizando-se de estratégias que facultem a cooperação.

Ou seja, preliminarmente, devemos compreender o jogo como uma autêntica combinação de estratégias, efetiva (ou ao menos hipoteticamente) utilizadas, dentre todo o acervo de comportamentos disponível aos jogadores.

Não existe, outrossim, uma estrutura de jogo cooperativa e uma não-cooperativa; de fato, o que se verifica é que existem jogos soma-zero, os quais não dão margem (ante seus pressupostos fundamentais) a qualquer forma de cooperação entre os jogadores.

De outro lado, existem jogos que possibilitam ou oferecem aos jogadores um quadro de cooperação viável. A oportunidade ou não de uma cooperação dependerá, dos mais variados fatores, dentre os quais, a título exemplificativo, pode-se citar: a função utilidade pessoal de cada jogador, a extensão das vantagens a serem alcançadas, o modo de jogar do adversário, a existência e a viabilidade de comunicação entre os mesmos, a personalidade de cada um dos jogadores e o horizonte de tempo durante o qual o jogo se desenvolverá.

No que diz respeito a apenas esta última variável (horizonte de tempo em que o jogo se desenvolve), poder-se-ia classificar os jogos em instantâneos, iterados (repetidos ou ainda reiterados) sem termo definido (infinitos) e iterados com termo definido (finitos).

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Ante tais modalidades apresentadas poder-se-ia posicionar os jogos instantâneos e os jogos iterados infinitos nos extremos de uma linha que identificasse o nível de cooperação viável em seus respectivos desenvolvimentos. A modalidade dos jogos iterados finitos mostrar-se-ia como um meio-termo. Diante de tal disposição, caberia uma única ressalva: os jogos iterados finitos dividir-se-iam em duas categorias (a dos jogos iterados finitos com termo conhecido dos jogadores e os jogos iterados finitos com termo desconhecido dos mesmos).

Observe-se que os jogos instantâneos, ainda que ofereçam uma oportunidade de cooperação entre os jogadores, não facultarão aos mesmos a oportunidade de aprender com as jogadas e com os erros anteriores – uma experiência tão importante no âmbito da teoria dos jogos que recebe designação técnica específica, a assim chamada memória perfeita.

A corroborar tal assertiva, pense-se no exemplo do corretor de imóveis e do comprador que se encontram diante de uma oportunidade única de realização de negócio: muito embora seja oportuno ao comprador que ofereça ao corretor uma “gratificação” vultosa em detrimento de uma comissão vinculada ao valor da venda (cabendo ao corretor dissuadir o vendedor de um preço real), no mais das vezes, pelo fato de que o jogo é jogado apenas e tão somente uma única vez, as partes relutarão em aceitar um tal acordo (esquema).

Os jogos iterados infinitos correspondem ao campo mais fértil ao emprego de estratégias favoráveis à concatenação de resultados cooperativos. Os jogos iterados podem ser cindidos em vários jogos instantâneos, e tanto a existência como o conhecimento do momento de uma jogada final é que determinarão a diferenciação das diversas classes que daqueles se desumem.

Com efeito, quando o jogo é finito, os jogadores se dispõem de modo volúvel, sempre à espera da última jogada, na qual adotarão estratégias favoráveis à concatenação de resultados não-cooperativos. No entanto, aqui cabe uma observação: se as partes sabem que a sequência terá um termo, mas não sabem quando tal se dará, a adoção de estratégias evasivas ao resultado mutuamente cooperativo talvez não se dê. Entretanto, uma vez pressuposto o interesse na obtenção de melhores resultados a si próprio (racionalidade), conhecido o momento em que se dará a última

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jogada, é certo que em tal oportunidade evadir-se-ão, ambos os jogadores, da combinação mutuamente cooperativa.

John Nash, por meio de seus quatro escritos fundamentais acerca da Teoria dos Jogos, destinou dois deles à compreensão dos jogos (resultados de combinação de estratégias adotadas pelos jogadores) não cooperativos, e dois ao estudo dos jogos em que a cooperação mostrar-se-ia viável – a respeito, cf. NASH, John, Essays on game theory, Cheltenham, E. Elgar, 1996.

O famigerado Equilíbrio de Nash, que segundo alguns apresentaria propriedade de “inviabilizar ao próprio jogador, unilateralmente, o alcance de melhor resultado mediante a alteração de sua opção face ao seu quadro de possíveis estratégias”, corresponde à Solução de Nash no âmbito da análise não cooperativa dos jogos soma não-zero.

No que tange ao trabalho de Nash desenvolvido sobre os jogos cooperativos, a solução, em verdade, não corresponde a um equilíbrio. Ontologicamente, o equilíbrio corresponde a um ponto no qual se verifica uma contraposição entre forças, e tal não se verifica nos jogos...

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