Ampliando limites: a autonomia nos cuidados paliativos pediátricos

AutorDéborah David Pereira, Fernanda Gomes Lopes, Juliana Lucena Rizzieri e Patricia Kriger
Ocupação do AutorPsicóloga residente no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. / Doutoranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação Oswaldo Cruz. Mestre em Cuidados Continuados e Paliativos pela Universidade de Coimbra. / Médica pediatra. Especialista em ...
Páginas91-118
AMPLIANDO LIMITES: A AUTONOMIA NOS
CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS
Déborah David Pereira
Psicóloga residente no Programa de Residência Integrada Multiprossional
em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Fernanda Gomes Lopes
Doutoranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação Oswal-
do Cruz. Mestre em Cuidados Continuados e Paliativos pela Universidade de
Coimbra. Especialista em Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde e Cance-
rologia. Psicóloga da Comissão de Cuidados Paliativos Pediátricos do Hospital
Infantil Albert Sabin. Diretora do Instituto Escutha. Coordenadora do Comitê
de Bioética e Membro do Comitê de Psicologia da ANCP.
Juliana Lucena Rizzieri
Médica pediatra. Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP). Formação em Cuidados Paliativos pela Casa do Cuidar (SP) e Bioética
Clínica e Social pela Red Bioetica UNESCO. Pediatra hospitalista do Hospital
Criança Conceição – Grupo Hospitalar Conceição (GHC), membro do Comitê
de Bioética do GHC, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
Patricia Kriger
Especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdade de Ciências Médicas Da
Santa Casa de São Paulo. Pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto
Paliar (SP). Psicóloga Clínica.
Sumário: 1. A história de Joana – 2. Dilemas bioéticos presentes no caso; 2.1 Dilema 1: O
direito à autonomia pode ser exercido durante a infância e a adolescência?; 2.2 Dilema 2:
Quando devemos assegurar a privacidade e a confidencialidade de informações de saúde
de pacientes pediátricos?; 2.3 Dilema 3: Como lidar com dissensos entre pais, equipe e
paciente e com a recusa de tratamento por crianças e adolescentes?; 2.4 Dilema 4: Impli-
cações éticas do acionamento tardio da equipe de Cuidados Paliativos – 3. Considerações
finais – Referências.
1. A HISTÓRIA DE JOANA
Joana, 16 anos, lha de Marta e José. O casal teve uma primeira lha, Va-
lentina, que morreu aos 2 anos de idade, sem diagnóstico conrmado e com a
hipótese tardia da causa de morte como brose cística. Três anos depois, nasceu
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PEREIRA, LOPES, RIZZIERI E KRIGER
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Joana. A gestação foi planejada e desejada, sem intercorrências. O nascimento
ocorreu a termo, de parto normal; o teste do pezinho indicou o diagnóstico de
brose cística.
Joana iniciou o acompanhamento na rede de saúde pública em um muni-
cípio de pequeno porte do interior do estado, e foi encaminhada a um centro de
referência da doença na capital. Marta torna-se a principal cuidadora da lha,
enquanto José ca responsável por prover os recursos nanceiros para o trata-
mento. Na primeira infância, a família aparenta estar adaptada à condição da
lha, seguindo rigorosamente o tratamento. Aos 6 anos, Joana é internada pela
primeira vez. São 15 dias de uma experiência que se tornou recorrente. Durante
as internações posteriores, manifesta tristeza e compartilha com seus pais e com a
equipe de saúde a sensação de saudades de casa, da escola e das amigas, armando
que nunca quis contar para elas sobre a doença.
Aos 11 anos, após a menarca, os sintomas da doença se intensificam e a
necessidade de hospitalizações aumenta. Segundo os pais, ela apresenta um
comportamento cada vez mais isolado das outras crianças. Nesse momento,
Marta e José decidem se mudar para a capital do estado, para estarem mais
próximos dos serviços de saúde em que a filha é acompanhada. Ela é, então,
transferida de escola e expressa aos pais que ninguém na nova escola pode
saber sobre sua doença. Torna-se menos assídua, passa a evitar aulas de
educação física e deixa de se alimentar no colégio, por não querer tomar as
enzimas antes das refeições.
A doença progride e, logo antes dos 15 anos, a jovem faz uso contínuo de
oxigênio complementar. Diante disso, não deseja comemorar seu aniversário
com os colegas, se recusa a frequentar a escola e resiste a comparecer às consultas
ambulatoriais. Os pais comunicam esse cenário à equipe especializada. Em uma
consulta, a médica que acompanha a adolescente expõe as consequências da não
adesão ao tratamento e a gravidade do quadro atual, lembrando que a brose
cística, se não for tratada e mantida sob controle adequado, é uma doença que
ameaça a continuidade da vida.
Aos 16 anos, Joana vivencia uma exacerbação da doença e é internada pela
décima quarta vez. Encontra-se desnutrida, e os pais relatam que ela não tem feito
uso da medicação ou se alimentado adequadamente em casa. Sua função pulmo-
nar encontra-se bastante reduzida em decorrência da progressão da doença e das
múltiplas infecções respiratórias. Surge a proposta de gastrostomia e é indicada
a inclusão em lista de transplante pulmonar. A despeito da anuência dos pais em
relação às condutas, a adolescente não concorda com a gastrostomia e nem com
o transplante. Devido a este contexto conituoso, a equipe de Cuidados Paliativos
é acionada para dar início ao acompanhamento do caso.
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