Diagnóstico, tratamento e prognóstico: quando tudo é raro

AutorBárbara Nardino Giannastásio, Cintia Tavares Cruz Megale, Cinara Carneiro Neves, Fernanda Gomes Lopes e Katarina Maciel Abath
Ocupação do AutorPós-graduada em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil (2010) e Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público (2021). // Especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Sírio Libanês. Especialista em Avaliação e Tratamento da Dor pelo HCFMUSP....
Páginas201-236
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E
PROGNÓSTICO: QUANDO TUDO É RARO
Bárbara Nardino Giannastásio
Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito
Processual Civil (2010) e Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de
Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público (2021). Graduada
em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2004). Advogada e mediadora.
Cintia Tavares Cruz Megale
Especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Sírio Libanês. Especialista em
Avaliação e Tratamento da Dor pelo HCFMUSP. Títulos de especialista em Pedia-
tria (SBP), em Terapia Intensiva Pediátrica (AMIB) e título de Área de Atuação em
Cuidados Paliativos Pediátricos (AMB). Pediatra paliativista do Hospital Infantil
Sabará. Tutora do Curso de Especialização em Cuidados Paliativos Pediátricos
do Hospital Sírio Libanês. Pediatra e Intensivista Pediátrica pelo Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Cinara Carneiro Neves
Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFRGS. Especialista em
Cuidado Paliativo Pediátrico pelo Instituto Sírio Libanês. Membro do Departa-
mento de Medicina da Dor e Cuidados Paliativos da SBP (2022-2024). Intensi-
vista Pediátrica. Coordenadora da Unidade de Tratamento Especial do Hospital
Infantil SOPAI. Coordenadora da Comissão de Cuidados Paliativos Pediátricos
do Hospital Infantil Albert Sabin. Membro do Comitê de Bioética da ANCP.
Fernanda Gomes Lopes
Doutoranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação Oswal-
do Cruz. Mestre em Cuidados Continuados e Paliativos pela Universidade de
Coimbra. Especialista em Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde e Cancero-
logia. Coordenadora do Comitê de Bioética e Membro do Comitê de Psicologia
da ANCP. Psicóloga da Comissão de Cuidados Paliativos Pediátricos do Hospital
Infantil Albert Sabin. Diretora do Instituto Escutha.
Katarina Maciel Abath
Títulos de especialista em Pediatria (SBP). Pneumopediatra pelo Hospital
Geral Otávio de Freitas. Especialização em Cuidados Paliativos Pediátricos
pelo Instituto Sírio Libanês. Mestranda em Saúde Integral pelo Instituto de
Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). Pediatra pelo Hospital
Barão de Lucena de Pernambuco. Pediatra no Centro de Tratamento dos Erros
Inatos do Metabolismo e na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do IMIP.
Pediatra da assistência domiciliar do Hospital Especial Domiciliar e da Interne
Soluções em saúde.
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GIANNASTÁSIO, MEGALE, NEVES, LOPES E ABATH
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Sumário: 1. A história de Enzo – 2. Dilemas bioéticos presentes no caso; 2.1 Constatação do
lho imperfeito, o que fazer quando o ideal se afasta da realidade?; 2.2 Doenças raras: como
discutir prognóstico e planejamento de cuidados diante de tantas incertezas?; 2.3 Novas
terapias e tratamentos experimentais para doenças raras: quando e como prescrever? Quem
prescreve e quem custeia?; 2.4 Tratando doenças raras e graves, qual o foco? – 3. Considerações
nais – Referências.
1. A HISTÓRIA DE ENZO
Enzo, dois anos, natural de uma pequena cidade do interior, no nordeste
do Brasil, é o único lho de Talita e Jorge. O casal já havia sofrido dois abortos
espontâneos e a perda de um lho aos três meses de idade por um episódio de
engasgo, quando Enzo nasceu.
A gestação e o parto de Enzo foram bem planejados e tranquilos, nasceu a
termo e com peso adequado. Tudo vinha bem quando, aos cinco meses de idade,
Talita notou que Enzo passou a apresentar diculdade para mamar e episódios
de engasgos frequentes, cando roxo. Comparado com outras crianças da mesma
idade, Enzo parecia ser mais “molinho, ainda não sentava nem rolava e parou de
sustentar o pescoço, como já fazia antes.
Os pais foram encaminhados à Capital do Estado para investigação. Lá che-
gando, foram constatados hipotonia axial, fraqueza muscular e atraso global do
desenvolvimento neuropsicomotor. Após meses de investigação extensa ainda sem
diagnóstico, foi coletado exoma. O exame permitiu um diagnóstico: Síndrome de
Leigh (SL), doença hereditária rara e sem cura, que cursa com neurodegeneração
progressiva. Foi questionado se o irmão falecido teria o mesmo diagnóstico. O pai
abandonou a família, cando Talita e sua mãe responsáveis pelo cuidado.
Diante do diagnóstico, a equipe assistente solicitou acompanhamento pela
equipe de Cuidados Paliativos. Talita tinha muita diculdade em falar sobre a
doença, não aceitou bem a equipe, pois associava paliação à desistência de assis-
tência e à possibilidade de morte do lho. Preocupava-se com a qualidade de vida
de Enzo e desejava encontrar um tratamento que pudesse desacelerar ou parar a
evolução da doença.
Em suas buscas, Talita fez contato com equipe da França que realiza estudos
experimentais com droga alternativa, ainda em fase inicial com testes em camun-
dongos. Buscou autorização de médicos e das instituições regulamentadoras
brasileiras para o uso da terapia experimental alegando que: “Se ninguém sabe
muito sobre essa doença e meu lho vai morrer, desejo que tudo seja tentado.
Como Enzo não é beneciário de plano de saúde suplementar, sua família contatou
a Defensoria Pública e, então, foi ajuizada ação visando ao custeio do tratamento
experimental pelo Estado. Sem êxito na esfera judicial, Talita procurou de todas
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as formas angariar recursos para viajar à França e submeter o lho à terapia ex-
perimental, mas o dinheiro arrecadado não foi suciente e Enzo não pôde ser
incluído nos estudos.
A criança cou um ano e seis meses internada por diculdade de controle
de sintomas, várias infecções e intercorrências associadas à doença de base. Na
última internação na UTI, realizou traqueostomia após falha de extubação e
gastrostomia como via segura de alimentação.
Aos dois anos, Enzo encontrava-se com a doença bastante avançada. Apre-
sentava abertura ocular espontânea e movimento dos olhos, ocasionalmente
sorrindo para a mãe e a avó. Dependia de várias drogas para controlar convulsões
e espasmos, com pioras frequentes e diculdade de acesso venoso, totalmente
dependente de cuidados técnicos. Havia grande sofrimento moral da equipe em
instituir medidas invasivas para Enzo, pois sentiam que isso causava dor e pro-
longava seu sofrimento. A mãe, todavia, trazia o discurso: “Enzo está aqui, sente
meu amor, sorri e olha para mim. Essa é a única vida que ele conhece e ele é feliz
assim. O dia que for vontade de Deus ele não irá responder ao tratamento. Até lá
temos que tentar, não posso desistir dele, farei tudo que for possível.
2. DILEMAS BIOÉTICOS PRESENTES NO CASO
A Síndrome de Leigh (SL) é uma doença genética rara e incurável que atin-
ge um a cada 40 mil bebês vivos. Também conhecida como encefalomielopatia
necrosante subaguda, é decorrente de um defeito no metabolismo mitocondrial,
comprometendo a produção de energia celular. Embora qualquer órgão possa
ser afetado, com manifestações clínicas variáveis, os tecidos com necessidades
maiores de oxigênio, como o músculo esquelético, o coração e o sistema nervoso
são habitualmente os mais comprometidos, de forma progressiva. Não existe tra-
tamento especíco e a doença geralmente leva à morte por volta de dois anos de
vida por complicações associadas às graves perdas das capacidades neuromotoras.1
Apesar de tratar-se de uma doença de etiologia bastante especíca, os de-
saos enfrentados pelos pacientes com diagnóstico de SL e seus familiares são
frequentemente compartilhados por pessoas com outros diagnósticos raros.
As doenças raras são aquelas que afetam um número pequeno de pessoas em
relação à população em geral, denido em até 65 pessoas em cada 100.000 indi-
víduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos”.2
1. LOPES Tânia; et. al. Síndrome de Leigh: a Propósito de um Caso Clínico com Mutação no DNA
Mitocondrial. Rev Paul Pediat r, v. 36, n. 4, p. 519-23, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
rpp/a/56P3FRdsTYQzmqhvTnQgg7c/?lang=pt. Acesso em: 02 ago. 2022.
2. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde de A a Z. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/
assuntos/saude-de-a-a-z/d/doencas-raras-1/doencas-raras. Acesso em: 18 jun. 2022.
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