Análise jurisprudencial dos precedentes da revisão dos contratos por excessiva onerosidade na formação do contrato (lesão) ou por excessiva onerosidade superveniente à contratação nas decisões do stj

AutorFabiana Rodrigues Barletta
Páginas179-211
CAPÍTULO 6
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS
PRECEDENTES DA REVISÃO DOS
CONTRATOS POR EXCESSIVA
ONEROSIDADE NA FORMAÇÃO DO
CONTRATO (LESÃO) OU POR EXCESSIVA
ONEROSIDADE SUPERVENIENTE À
CONTRATAÇÃO NAS DECISÕES DO STJ
Ora se inicia a análise de decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o
tema da revisão contratual por lesão e desequilíbrio contratual superveniente à
contratação no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Primeira-
mente, serão examinadas decisões referentes à lesão, em contratos regidos pelo
Código Civil e em contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Em
sequência, será feito o mesmo com decisões referentes à onerosidade excessiva
superveniente, também em contratos regidos pelo Código Civil e pelo Código de
Defesa do Consumidor.
A pesquisa no âmbito da Corte Superior adquire grande relevo no trato do tema,
visto que é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo
o Brasil. É sua a atribuição de solucionar definitivamente causas infraconstitucionais.1
Posto isso, passa-se a análise dos julgados, a fim de se examinar a orientação
seguida diante dos casos concretos.
6.1. DECISÕES REFERENTES À LESÃO NO CÓDIGO CIVIL
6.1.1. Recurso Especial nº 1.155.200 – DF
O Recurso Especial nº 1.155.200 – DF, foi julgado em 22 de fevereiro de 2011,
pela Terceira Turma do STJ, nos termos do voto-vista da ministra Nancy Andrighi.
Na origem, tratava-se de uma ação declaratória de nulidade de cláusula contratual
cumulada com ressarcimento de valores. Referia-se a um contrato de honorários
advocatícios firmado na modalidade quota litis: aquela em que o constituinte se
compromete a pagar ao seu patrono uma porcentagem calculada sobre o resultado
1. Superior Tribunal de Justiça. Institucional: Atribuições. 2018. Disponível em <http://www.stj.jus.br/sites/
STJ/default/pt_BR/Institucional/Atribui%C3%A7%C3%B5es>. Acesso em 24 nov. 2018.
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REVISÃO CONTRATUAL NO CC E NO CDC • FABIANA RODRIGUES BARLETTA
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do litígio, se vencer a demanda, e na qual, no caso concreto, foi estabelecida para o
advogado uma remuneração de 50% sobre a parcela auferida por seu cliente na ação
judicial que patrocinava.
A ação foi ajuizada pela constituinte sob o argumento de que o percentual fixado
contratualmente seria abusivo e que os advogados não poderiam ter recebido valores
maiores do que ela. O pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda ins-
tâncias, interpondo a autora o Recurso Especial, que, na sua fundamentação, havia
a alegação da configuração de onerosidade excessiva na espécie, em consonância
com o Código de Defesa do Consumidor. Pleiteou o reconhecimento da nulidade da
cláusula e que o percentual fixado fosse reduzido, com a condenação dos advogados
a restituir a diferença recebida.
Inicialmente, a ministra entendeu que a causa deveria ser julgada com base
nos dispositivos do Código Civil, tendo em vista a pacificada jurisprudência do
STJ acerca da inaptidão do Código de Defesa do Consumidor para regular a cele-
bração de contratos advocatícios. Entretanto não aplicou a legislação civil a partir
da indicação, pela recorrente, da incidência dos dispositivos do Código na espécie,
mas a partir do seu entendimento de que os argumentos desenvolvidos pela autora
se prendiam às normas civis e que claramente indicavam a ocorrência de lesão na
assinatura do contrato discutido2. Manifesto o esforço interpretativo da ministra
para reconhecer o instituto da lesão no caso concreto, relevando a não subsunção
do mesmo aos dispositivos legais indicados pela parte. Notou-se, portanto, uma
atuação tendente à tutelar judicialmente o desequilíbrio contratual originário, ao
não considerar a necessidade de indicação expressa e exata dos dispositivos violados
ou a ausência de prequestionamento dos mesmos como um óbice processual para
a aplicação do direito material.
A ministra sustentou o instituto da lesão em conjunto com todas as normas
legais que estabelecem cânones de conduta, como a dos artigos 421, 422 e 187, to-
dos do Código Civil que, respectivamente, preveem a “função social do contrato”,
2. Transcreve-se os trechos do voto que evidenciam a interpretação da ministra: “II. Prequestionamento (...)
Para o processo sob julgamento, assumem relevo as normas dos arts. 157, 187, 421 e 422 do CC/02. O
primeiro desses artigos trata da lesão. O segundo, do abuso do direito como ato ilícito. O terceiro, regula
a função social do contrato. E o quarto, a boa-fé objetiva. Todas essas normas, conquanto não citadas
expressamente, foram tomadas em consideração pelo acórdão recorrido, na medida em que, rejeitando os
argumentos da recorrente no sentido do abuso nos honorários contratualmente fixados, o Tribunal natu-
ralmente considerou (e rejeitou) os argumentos que fundamentavam essa impugnação, que justamente
se prendiam a essas normas. (...) IV – Violação dos arts. 157, 187, 421 e 422 do CC/02 (...) Desde a petição
inicial, a recorrente vem afirmando que os recorridos, “aproveitando-se da situação vexatória do ponto
de vista econômico-financeiro da ora requerente, da fragilidade decorrente dos problemas enfrentados à
época com a dependência química de seu único filho (que vieram a causar, inclusive, a interdição deste) e
da ausência de conhecimentos legais de sua parte, eis que possui somente o curso primário” (...) “apresen-
taram contrato de prestação de serviços onde ficou estipulado o pagamento da quantia equivalente a 50%
(cinquenta por cento) sobre todas as vantagens e diferenças salariais que adviessem em seu benefício” (fl.
5, e-STJ). Ou seja, desenvolve argumentos que claramente indicam a ocorrência de lesão na assinatura do
contrato discutido. (Grifou-se)
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CAPÍTULO 6 • ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS PRECEDENTES DA REVISÃO DOS CONTRATOS
a obrigatoriedade de observância do princípio da boa-fé e a vedação do abuso de
direito3. Nesse sentido, demonstrou alinhamento à uma aplicação da lesão a partir
de uma interpretação sistemática e ampliativa do dispositivo legal, valorizando e
considerando, em seu julgamento, a fundamentação principiológica do mesmo.
Na análise dos requisitos para a configuração da lesão no caso concreto, repu-
tou presente o seu elemento subjetivo, ao entender que o estado de necessidade da
recorrente era claro. Este seria caracterizado, por um lado, pela falta de recursos e
pela ameaça de despejo que a recorrente então sofria, e, por outro, pela necessidade
de lidar com a dependência química de seu filho. Examinando o requisito objetivo,
qual seja, a desproporção entre as prestações, inicialmente, estabeleceu a premissa
de que é possível a análise da incidência da lesão nos contratos aleatórios, como o
de um acordo quota litis. Sobre tal possibilidade, indicou o parâmetro de aferição da
desproporção, que estaria na análise dos riscos valorados, que, se forem inexpressivos
para uma parte, em contraposição àqueles suportados pela contraparte, indicariam
exploração da situação de inferioridade desta pela outra.
Entendeu-se que as prestações eram desproporcionais, ao julgar que os hono-
rários fixados eram claramente exagerados. Para tanto, considerou (i) que o fato do
Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, como norte a ser seguido para a
aplicação dos demais institutos do Código Civil, permitir a cobrança de honorários
até o patamar de 50% sugere um limite, não um percentual que deva obrigatoriamente
ser aplicado; (ii) que os princípios trazidos pelo Código de Ética, como a vedação
de que o anseio de ganho material do advogado se sobreleve à finalidade social do
seu trabalho, e que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação,
atendidas as condições econômicas do cliente, não foram observados no caso con-
creto e que (iii) os serviços contratados, conquanto não pudessem ser considerados
propriamente simples, também não apresentavam um grau tão elevado de dificul-
dade. Desse modo, concluiu que havia claro exagero na fixação dos honorários e,
portanto, presente o requisito objetivo da lesão.
Ressalta-se que o Código de Ética não se enquadra no conceito de lei federal,
não ensejando, portanto, a abertura de instância especial como fundamento de
alguma lide. Sem prejuízo, foi utilizado no caso concreto como “norma de apoio”4,
3. Transcreve-se os trechos correspondentes do voto: “A interpretação do instituto da lesão deve ser sempre
promovida em conjunto, no Código Civil, com todas as normas legais que estabelecem cânones de conduta,
como a do art. 421 (função social do contrato), 422 (boa-fé objetiva) e 187 (vedação ao abuso de direito).
(...)Como bem observado no recurso especial, ainda que seja direito dos advogados, em princípio, celebrar
um contrato quota litis nesse percentual, para a hipótese dos autos há abuso no exercício desse direito (art.
187 do CC/02). (...) A desconexão entre a postura manifestada pelos recorridos e os usos e costumes quanto
à matéria também indicam a existência de clara lesão à boa-fé objetiva que deve permear as negociações
preliminares, à celebração e à execução do contrato. Reconheço, portanto, tomando o princípio da boa-fé
objetiva como cânone de interpretação do contrato ora discutido, a ocorrência de abuso de direito (art.
187 do CC/02) de lesão (art. 157 do CC/02).”
4. Transcreve-se o respectivo trecho do voto: “Assim, para além de uma norma cuja aplicação deva ser
controlada por esta Corte, o CED-OAB é especialmente um guia passível de ser utilizado para iluminar
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