Influência da codificação francesa de 1804 e da alemã de 1896 na codificação brasileira de 1916

AutorFabiana Rodrigues Barletta
Páginas33-56
CAPÍTULO 2
INFLUÊNCIA DA CODIFICAÇÃO
FRANCESA DE 1804 E DA ALEMÃ DE 1896
NA CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE 1916
2.1. A CODIFICAÇÃO FRANCESA DE 1804 E SEUS REFLEXOS
A ideologia e os postulados da codificação francesa de 1804 tiveram ampla
influência na codificação civil de vários países, inclusive na elaboração e, posterior-
mente, na interpretação do Código Civil brasileiro de 1916.1
O Código Civil francês, como se sabe, representa a obra legislativa de maior
magnitude do governo de Napoleão Bonaparte.2 Uma das características mais mar-
cantes desta codificação é o cultivo do liberalismo, que elege a propriedade privada
e o contrato como institutos-chave e, constantemente imbricados, do ordenamento
jurídico pós-revolucionário.3
Para entender a ideologia positivada pelo Code, há de se levar em conta os mo-
tivos históricos e sociais que desencadearam a revolução burguesa.4
No final do século XVIII, a grande maioria da população francesa compunha-se
de banqueiros, comerciantes, profissionais liberais, artesãos e lojistas, componentes
da alta, média e baixa burguesia. Esta população era responsável pelo pagamento dos
impostos e contribuições para o monarca, o clero e a nobreza, que nada pagavam,
apenas usufruíam.5
1. Cf. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito
civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 2, verbis: “O Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individua-
lista e voluntarista que, consagradas pelo Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século XIX,
inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século redigiu o nosso Código Civil de 1916.”
2. Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 2 ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1967, p. 386: “...O grande código civil da França nasceu da crença jusracio-
nalista na lei. No entanto, a sua estrutura interna e a sua imagem do direito foram sobretudo promovidas
pela revolução e pelo brilho da grandeza napoleónica. A codificação francesa já não constitui um resultado
do absolutismo esclarecido, mas, nos seus primórdios, a própria obra duma nação revolucionária e, mais
tarde, do seu grande tribuno, o primeiro cônsul Bonaparte.”; também ARRUDA, José Jobson de Andrade.
História moderna e contemporânea. 16 ed. São Paulo: Ática, 1983, p. 173, verbis: “A maior obra de Napoleão
foi a criação do Código Civil, inspirado no Direito Romano, nas Ordenações Reais e no Direito Revolucio-
nário; completado em 1804 ...”
3. Cf. GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Tradução de: Maria Cristina de Cic-
co. In: Revista dos Tribunais. São Paulo. Janeiro/1998, p. 39, verbis: “Os dois pilares desta concepção [o
autor se refere a concepção traçada pelo Code] eram constituídos pela propriedade e pelo contrato, ambos
entendidos como esferas sobre as quais se exerce a plena autonomia do indivíduo.”
4. Cf. ARRUDA, José Jobson de Andrade. Op. cit., p. 157-166, passim.
5. Ibidem, p. 158.
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REVISÃO CONTRATUAL NO CC E NO CDC • FABIANA RODRIGUES BARLETTA
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O absolutismo monárquico monopolizava a administração do Estado francês,
constituindo obstáculo para a ascensão do capitalismo na França. A burguesia, opri-
mida pelos privilégios concedidos à nobreza e ao clero, postulava a igualdade civil.6
Note-se, pois, que o ambiente social propiciava a deflagração de uma revolução.
Em 1789, “o povo tomou a Bastilha, fortaleza onde o rei encarcerava seus inimigos
políticos.”7 Não só Paris estava tomada pelo movimento revolucionário. Também no
campo, os chamados sans culottes saqueavam as propriedades dos senhores feudais,
invadiam cartórios e queimavam os títulos de propriedade do senhorio.8
A ideologia iluminista postulava liberdade e igualdade para todos.9 Assim,
neste mesmo ano, aprovou-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
que “defendia o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à inviolabilidade da
propriedade e o direito de resistir à opressão.”10
No ano de 1792, finalmente a República - após lutas e muito sangue derramado - foi
proclamada em Paris. Mas a revolução ainda estava longe de terminar. Instaurou-se um
movimento de luta pelo poder, o qual levou vários de seus líderes e aliados à morte.11
Após tantas guerras “a burguesia francesa estava desejosa de paz. Era necessário
um regime de governo forte que reconduzisse a França ao caminho da normalidade.”12
O primeiro passo em direção a este objetivo foi dado em 1799, através do Gol-
pe de 18 Brumário, que levou Napoleão Bonaparte ao poder. Napoleão procurou
instaurar a paz e garantir a segurança do povo francês.13
O papel desempenhado por Napoleão em prol da codificação francesa de 1804
teve por escopo o alcance de segurança e de ordem para a França.14
Dentro, pois, desse contexto histórico, o Code foi elaborado.15 Sendo a burguesia
a grande vencedora da revolução, os padrões ideológicos presentes neste código con-
6. Ibidem, op. loc. cit.
7. Ibidem, p. 161.
8. Ibidem, op. loc. cit.
9. Acrescenta WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 353-354, que: “O iluminismo, apesar da sua fundamentação
filosófica, foi uma ruptura moral, ou, em última análise, religiosa, no sentido de uma nova atitude perante
a vida, da qual surgiu uma modificação da opinião pública e grandes reformas da vida política.”
10. Cf. ARRUDA, José Jobson de Andrade. Op. cit., p. 161.
11. Ibidem, p. 163-165.
12. Ibidem, p. 166.
13. Ibidem, op. loc. cit.
14. Cf. WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 388, verbis: “Só a iniciativa de Napoleão Bonaparte (primeiro cônsul
a partir de 1800) tornou rapidamente numa realidade os planos de codificação - ao lado da sua reforma
administrativa, possivelmente o legado mais benéfico e construtivo deste estadista, então ainda ao serviço
de sua nação e não apostado nas tentativas de hegemonia universal. Em muitas normas isoladas revela-se
o seu estilo pessoal; na obra conjunta sente-se, ao lado da herança de Pothier e da revolução, a vontade
ordenadora e a monumental segurança de si deste grande dirigente.”[grifou-se]..
15. Comentando a codificação civil francesa, aduz ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 41, verbis: “O code Napoleón é o
primeiro grande código da idade moderna, o primeiro dos códigos burgueses. Ele constitui, de resto, um
produto da vitória histórica obtida pela burguesia com a Revolução de 1789, a cujas conquistas políticas,
ideológicas e económicas dá nos seus artigos forma e força de lei.”
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