As metamorfoses do trabalho digno na 4ª revolução industrial

AutorMaria Cristina Irigoyen Peduzzi e Lara Parreira Borges Maciel de Oliveira
Ocupação do AutorMinistra Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (TST/CSJT)/Assessora de Ministra do Tribunal Superior do Trabalho
Páginas75-90
CAPÍTULO 5
(1) Ministra Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (TST/CSJT). Bacharel e Mestre em Direito,
Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Presidente Honorária da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Ex-Conselheira
do CNJ.
(2) Assessora de Ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Bacharel e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
(UnB). Pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq).
As Metamorfoses do Trabalho Digno
na 4ª Revolução Industrial
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
(1)
LARA PARREIRA BORGES MACIEL DE OLIVEIRA
(2)
Resumo: A dignidade da pessoa humana é condição a ser reconhecida na vida em comunidade e juridicamente pela Constitui-
ção da República. Através do reconhecimento dessa condição como necessária a todo indivíduo, o trabalho constitucionalmente
protegido também ganha essa qualificação. Entretanto, as antigas proteções jurídicas já não são capazes de atender às novas
demandas da 4ª Revolução Industrial e às inovações dos novos modos de produção através das plataformas virtuais, do trabalho
remoto e da economia on demand. Na busca pelo equilíbrio entre o trabalho digno e o valor social da livre-iniciativa, o Direito
Constitucional passa a ser a baliza normativa necessária para que as transformações tecnológicas avancem sem que seja suprimi-
da a dignidade no e pelo trabalho.
Palavras-chave: Trabalho digno. 4ª Revolução Industrial. Plataformas virtuais. Livre iniciativa. Tecnologia.
Abstract: The dignity of the human person is a condition to be recognized in community life and legally by the Constitution of the
Republic. By recognizing the condition of dignity as necessary for every individual, constitutionally protected work also gains this
qualification. However, the old legal protections are no longer able to meet the new demands of the 4th Industrial Revolution and
the innovations of new modes of production through virtual platforms and remote work. In the search for the balance between
decent work and the social value of free enterprise, Constitutional Law becomes the necessary normative beacon for technolog-
ical changes to advance without the suppression of dignity in and through work.
Keywords: Decent work. 4th Industrial Revolution. Virtual platforms. Free enterprise. Technology.
1. INTRODUÇÃO
A revolução tecnológica vem transformando de for-
ma rápida e surpreendente as relações de trabalho e as
formas de organização e gestão da produção, tornando
obsoletas as legislações produzidas nos contextos do
fordismo, taylorismo e toyotismo.
Na tentativa de garantir segurança jurídica e regu-
lamentação ao trabalho que é realizado por meio de
plataformas virtuais e empresas de tecnologia, o Direi-
to do Trabalho encontra como demanda urgente sua
reinvenção, para que não perca sua eficácia.
Essa demanda para o Direito do Trabalho é ainda
mais desafiadora por estar inserta em uma moldura
constitucional de primazia da dignidade da pessoa
humana, como pilar do Estado Democrático de Direito
Brasileiro.
Assim, o conceito de trabalho digno passa por di-
versas metamorfoses à medida que as próprias formas
de produzir são transformadas. A única constante em
meio a tantas mudanças é o princípio da dignidade da
pessoa humana, interpretado no atual momento histó-
rico a partir do reconhecimento de cada ser humano
por parte da comunidade.
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Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI – Vol. III
Gabriela Neves Delgado
2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O
TRABALHO NA 4ª REVOLUÇÃO INDUSTRIAL:
DIÁLOGOS ENTRE A PROTEÇÃO E AS
TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS
Zygmund Bauman apresenta a ideia de que os di-
reitos humanos precisam de um reconhecimento co-
munitário para serem efetivamente garantidos.(3) Nesse
sentido, ele explica:
É da natureza dos ‘direitos humanos’ que, embo-
ra se destinem ao gozo em separado (significam,
afinal, o direito a ter a diferença reconhecida e
a continuar diferente sem temor a reprimendas
ou punição), tenham que ser obtidos através de
uma luta coletiva, e só possam ser garantidos co-
letivamente.(4)
Dentre os direitos humanos, o principal deles é a
dignidade da pessoa humana. No âmbito nacional, es-
tão positivados no texto constitucional na forma de di-
reitos fundamentais.
É importante destacar que o direito constitucional
contemporâneo tem o princípio da dignidade da pes-
soa humana como norteador dos direitos humanos e
da valorização do cidadão.(5)
A dignidade humana é definida por Jürgen Haber-
mas como “aquela ‘intangibilidade’ que só pode ter um
significado nas relações interpessoais de reconheci-
mento recíproco e no relacionamento igualitário entre
as pessoas”.(6) Para o filósofo alemão, a dignidade não é
algo inato ao ser humano, mas depende do reconheci-
mento que advém da vida em sociedade, das relações
sociais.(7)
Essa concepção da dignidade pode ser considerada
compatível com a premissa do direito como integrida-
de defendida por Ronald Dworkin. Isso porque o direito
como integridade é norteado pela noção de igual con-
sideração e respeito, ou seja, pela necessidade de um
(3) BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Trad.: Plínio Dentizien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p.71.
(4) Idem, ibidem.
(5) PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. O princípio da dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito como integridade. São Paulo: LTr, 2009.
p.33.
(6) HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.47.
(7) Idem, ibidem.
(8) PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. O princípio da dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito como integridade. São Paulo: LTr, 2009.
p.62.
(9) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p.37.
(10) PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. O princípio da dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito como integridade. Op. cit., p.22.
(11) Idem, p.23.
reconhecimento da igualdade do outro em um nível
comunitário.(8)
A dignidade é reconhecida em concreto por meio
do exercício da cidadania em uma concepção hegelia-
na, como explica Sarlet:
Uma noção de dignidade centrada na ideia de
eticidade (instância que sintetiza o concreto e o
universal, assim como o individual e o comuni-
tário), de tal sorte que o ser humano não nasce
digno– já que Hegel refuta uma concepção estri-
tamente ontológica da dignidade–, mas torna-
-se digno a partir do momento em que assume
sua condição de cidadão.(9)
Considerando essa definição de dignidade humana
é possível compreender a sua positivação constitucional
como fundamento da República brasileira. Caso a digni-
dade humana fosse puramente inata e não dependesse
do reconhecimento social, a Constituição teria palavras
inúteis. Assim, o constitucionalismo alça a dignidade da
pessoa humana ao patamar de direito fundamental a ser
reconhecido e efetivado por meio da cidadania.
A ideia de cidadania, assim, inaugura um aspecto
fundamental envolvendo a dignidade da pessoa
humana: vincula seu conceito às bases de um
constitucionalismo que se reconstrói com base
na participação popular em torno dos direitos.
Ao mesmo tempo, mostra que a ideia de dig-
nidade da pessoa humana, ao se ligar ao cons-
titucionalismo e à ideia de cidadania, perde, de
pouco em pouco, essa noção de um valor a priori
e passa a poder ser visto como uma construção
histórica que está ligada ao próprio desenvolvi-
mento do constitucionalismo.(10)
A dignidade da pessoa humana materializa-se por
meio da atribuição de direitos ao indivíduo através da
ordem constitucional.(11) Para fazer uma leitura ade-

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